Os atores Stephanie Hsu, Michelle Yeoh e Ke huy Quan em cena do filme  Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

Concorrem ao Oscar Stephanie Hsu (Melhor Atriz Coadjuvante), Michelle Yeoh (Melhor Atriz) e Ke Huy Quan (Melhor Ator Coadjuvante)

A24/divulga��o

 

TUDO


Todo in�cio de ano, os f�s de cinema aguardam ansiosos as indica��es �s 23 categorias do Oscar para confirmar, ou n�o, as apostas baseadas na temporada de premia��es que antecedem a maior delas, os Academy Awards. Sempre h� surpresas entre os indicados e os esnobados que ficaram pelo caminho, enquanto outros apenas confirmam expectativas de indica��o para categorias t�cnicas ou de atua��o.

No caso do longa "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" (2022), as indica��es confirmaram o que j� se esperava: o favoritismo do filme da dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert, constru�do nos �ltimos meses, para levar as principais estatuetas no dia 12 de mar�o. O que surpreendeu, entretanto, foi o n�mero de categorias �s quais o filme foi indicado: 11!

Para o cr�tico Bruno Carmelo, criador e editor do site Meio Amargo Cine, o filme dos "Daniels" re�ne algo que a Academia de Artes e Ci�ncias Cinematogr�ficas dos Estados Unidos procura j� h� algum tempo: popularidade entre cr�tica e p�blico com certa dose de inova��o.

Mesmo n�o sendo f� do longa, Bruno diz entender o porqu� de todo o frisson. A seu ver, "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" dialoga com o p�blico mais jovem ao privilegiar linguagem mais din�mica que se assemelha � realidade imposta por aplicativos como o TikTok, por exemplo, trazendo para o cinema refer�ncias a filtros, piadas e memes, comuns � rede social, feitas para viralizar (como a cena das pedras com olhinhos ou as m�os de salsicha).
 
 

Custando US$ 25 milh�es e tendo superado os US$ 100 milh�es em bilheteria, o filme retorna agora �s salas de cinema dos Estados Unidos, com previs�o de relan�amento tamb�m no Brasil, com sess�es no Rio e em S�o Paulo, segundo a produtora e distribuidora A24.

Mulher exibe dedos como salsichas no filme  Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

Cena das 'm�os de salsicha' dialoga com a gera��o TikTok e traz para o cinema memes, comuns na rede social e feitos para viralizar

A24/divulga��o

EM TODO LUGAR

� tamb�m da A24 chave do sucesso de "TTLMT" – tradu��o livre para o acr�nimo em ingl�s “EEAAO” ("Everything everywhere all at once"), como o longa foi carinhosamente apelidado pelos f�s. Ela exibe longa lista de t�tulos de sucessos nos �ltimos anos, como "Minari", "Heredit�rio", "Midsommar", "O farol", "Moonlight", "Lady bird" e "Ex Machina". Toda novidade que surge deste est�dio j� carrega uma responsabilidade enorme consigo de represent�-lo.

Este ano, al�m de "TTLMT", tamb�m s�o da A24 "The whale", com Brendan Fraser, indicado � categoria de Melhor Ator, ao lado de Paul Mescal, por "Aftersun", tamb�m sob responsabilidade da A24; e os queridinhos do p�blico, os thrillers "X" e "Pearl", com Mia Goth, neta da atriz brasileira Maria Gladys, e "N�o! N�o olhe!", com Daniel Kaluuya, esnobados pelo Oscar.

"Quando voc� tem uma produtora dedicada a trabalhos com pegadas e narrativas diferentes, � muito bacana. Quando vejo que tem o selo dela, da A24, j� me chama a aten��o (o filme)", comenta o jornalista Fernando Tib�rcio, do programa “Cinemat�grafo”, da Rede Minas,

Se a responsabilidade atrai uma legi�o de f�s, traz tamb�m consigo uma legi�o de haters, em contrapartida. N�o s�o poucos os espectadores que contestam as indica��es do filme para o Oscar, alguns chegaram a comparar os f�s da obra aos fan�ticos pela cantora Juliette durante sua passagem pelo “Big brother Brasil”.
 
Jamie Lee Curtis, de franja e óculos, está sentada em mesa de repartição em cena do filme Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

Jamie Lee Curtis, praticamente irreconhec�vel, foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante

A24/divulga��o
 

Para Bruno Carmelo, posi��es exageradas em rela��o ao filme, entretanto, v�, da necessidade de parte do p�blico de se posicionar contra a opini�o da maioria de forma mais contundente, pois, segundo ele, opini�es mais moderadas acabam se perdendo no fluxo das cr�ticas, negativas ou positivas.

"Toda unanimidade, quando surge, para algu�m romper com ela tem de ser de maneira barulhenta e espetacular. Quando algum filme � muito apreciado nos festivais, para uma pessoa romper e falar 'n�o, na verdade, n�o achei bom', n�o basta que o f� ou cr�tico fale que achou mais ou menos, porque essa voz � perdida no campo de batalha hist�rico das redes sociais. Ele tem de gritar n�o s� que o filme � ruim, mas que � uma grande porcaria, o pior de todos, para se fazer ouvir, porque isso, sim, tem repercuss�o, isso cria pol�mica", considera Bruno.

Fernando Tib�rcio considera que a linguagem din�mica e a montagem fren�tica do filme dificultam a apreens�o da obra pela maioria do p�blico.
 
Fernando e Bruno ponderam que a tem�tica sobre o "multiverso", trazida pelo filme, remete �s grandes produ��es de super-her�is, mas com or�amento de filme independente.

Para Fernando Tib�rcio, � necess�rio que o espectador entre no universo dieg�tico do filme para conseguir aproveit�-lo em sua totalidade. Diegese diz respeito � realidade da narrativa ficcional dentro da trama, e as idas e vindas em "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" acabam dificultando esse processo.

Bruno e Fernando destacam tamb�m o trabalho realizado pelo elenco. Al�m das categorias t�cnicas para as quais foi indicado (Montagem, Figurino, Trilha Sonora e Melhor Can��o Original), "TTLMT" foi indicado a Melhor Dire��o, Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, para os Daniels, Melhor Atriz (Michelle Yeoh), Melhor Atriz Coadjuvante (Jamie Lee Curtis e Stephanie Hsu) e Melhor Ator Coadjuvante (Ke Huy Quan).

Yeoh � a segunda asi�tica a ser indicada na categoria principal de atua��o. A primeira foi a indiana Merle, por “O anjo das trevas”, em 1935. Caso leve a estatueta, a atriz malaia ser� a segunda n�o branca a vencer – a primeira e �nica, at� o momento, foi Halle Berry, em 2002, por "A �ltima ceia". Ela repete o feito dos atores Steven Yeun e Youn Yuh-jung, indicados por "Minari", em 2020, nas categorias Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente, saindo Yuh-jung vencedora em sua categoria.
 
Os diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert conversam tendo ao fundo o cenário do filme 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo'

Os diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert no set de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo'

Alysson Rigs/reprodu��o

AO MESMO TEMPO

A aposta na diversidade � outra raz�o para o sucesso do filme na lista do Oscar, segundo Bruno. Ap�s a pol�mica campanha "#OscarSoWhite" – rea��o � indica��o de atores, atrizes e diretores majoritariamente brancos, em 2016 –, a organiza��o da premia��o tem tentado ampliar o leque.

Depois das premia��es de "Moonlight", em 2017, "Parasita", em 2020, e "CODA", em 2022, para al�m das premia��es individuais para cineastas mexicanos e asi�ticos nos �ltimos anos, Bruno Carmelo acredita que "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" re�ne os requisitos de cr�tica e bilheteria que a Academia tem buscado nos �ltimos anos.

"Tem uma press�o muito grande para o Oscar ser cada vez mais diverso e n�o premiar s� hist�rias de pessoas brancas, feitas por pessoas brancas. Nesse sentido, 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' traz uma quest�o de inclus�o que � importante, assim como tinha o 'CODA', no pr�mio anterior, em rela��o a pessoas com defici�ncia, mas s� mostra como ainda � dif�cil para a Academia fazer esse tipo de inclus�o de maneira org�nica. Quando a gente v� que entre os indicados a Ator e Atriz tem pouqu�ssimos negros representados. A atores estrangeiros, negros, asi�ticos, etc. quase sempre ficam nas categorias de coadjuvantes", destaca Bruno Carmelo. "� aquele momento em que a gente comemora o progresso, mas porque passou de zero para um. Por�m, isso s� mostra como est� muito longe de ser uma ind�stria diversa."

Para Gabriel Goto, professor de l�ngua portuguesa e escritor de contos sobre amarelitude, a import�ncia de se ver representado vai al�m da presen�a de atores asi�ticos em pel�culas americanas. Importa, sobretudo o que dizem esses filmes.
 
Com roupas de festa, equipe do filme  'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' comemora os cinco prêmios conquistados no Critics Choice Awards, em Los Angeles

Em 15 de janeiro, em Los Angeles, equipe de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' comemorou os cinco pr�mios conquistados no Critics Choice Awards, inclusive de Melhor Filme

Michael Tran/AFP

 
Nascido no Jap�o e filho de brasileiros dekasseguis, Goto identifica uma forte tem�tica diasp�rica em voga em filmes como "Minari" e "A despedida", protagonizado pela rapper Awkwafina, notadamente para os extremos orientais – China, Coreia e Jap�o –, mas tamb�m para �rabes e indianos.

Tendo o multiverso como plano de fundo, "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" �, na verdade, um drama geracional sobre o desconforto do n�o pertencimento enfrentado por imigrantes, tanto em rela��o �s gera��es passadas  quanto em rela��o �s gera��es futuras, diz Goto. Ou seja, o pai que n�o aprovou que a filha fosse para outro pa�s; o casamento que n�o est� dando certo por conta das expectativas frustradas; e o trauma com a filha j� nascida neste novo pa�s.

"� um filme bastante potente", diz o professor. "Ele acabou trabalhando a quest�o do trauma geracional, sem parecer que estava falando sobre isso. O multiverso � muito sobre as oportunidades que os imigrantes acabam perdendo. Quando assisto a esses filmes, acabo tra�ando muitos paralelos, muitos multiversos que o filme dos Daniels conseguiu trazer, todas as possibilidades que a gente vai pensando", reflete Gabriel.

Para ele, as cr�ticas negativas por parte do p�blico e de especialistas s�o fruto da falta de conex�o com a hist�ria. Segundo o professor, aqueles que n�o entendem o "hype" do filme se esquecem de outros filmes com menor qualidade que acabaram ganhando o Oscar, justamente em fun��o do "buz"z que geraram.

"� como se nunca antes na vida nenhum filme ruim tivesse sido premiado. O que n�o falta na hist�ria do cinema s�o filmes question�veis ganhando pr�mios. � um menosprezo em cima de uma hist�ria que n�o � a deles. Eles acabam deixando de lado, sem levar em considera��o que a hist�ria vai muito al�m do multiverso. Traz a quest�o da di�spora, de como os imigrantes asi�ticos, �rabes, refugiados perdem parte da vida tentando ser aquilo que eles nunca v�o conseguir ser", finaliza o escritor.

ONDE VER 

• “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” est� dispon�vel para  aluguel ou compra nas plataformas de v�deo sob demanda

* Estagi�rio sob a supervis�o da subeditora Tet� Monteiro