Amy Winehouse, que morreu em 2011, reapareceu agora no Twitter com 'nova' can��o autoral, fruto da manipula��o de sua voz e estilo por meio de programa de IA
Se em 1998 a banda mineira Pato Fu j� denunciava “a necrofilia da arte” na faixa hom�nima de seu quarto �lbum de est�dio, “Televis�o de cachorro”, atualmente a obsess�o pela obra de artistas que j� se foram atingiu outro n�vel, algo que nem mesmo filmes de fic��o cient�fica conseguiriam prever.
Nas �ltimas semanas, as redes sociais, sobretudo o Twitter e o TikTok, foram invadidas pela onda de m�sicas criadas por programas de intelig�ncia artificial (IA), que, por meio de mapeamento algor�tmico, emulam a voz e o estilo de compor de autores falecidos e mesmo ainda vivos.
Nova m�sica de Amy Winehouse? Lady Gaga cantando Lana Del Rey? Ariana Grande emprestando a voz para a vers�o de “Envolver” e “Boys don't cry”, de Anitta? V�rias foram as experi�ncias criadas por usu�rios das redes.
A onda abriu a discuss�o sobre os limites de programas que permitem tais “proezas”. Desde o ano passado, debate-se na web sobre a valida��o (ou n�o) de obras de arte, mais notadamente quadros e pinturas digitais, produzidas por IAs. A pol�mica ganhou novo patamar com o surgimento de m�sicas e v�deos emulando clipes, trailers e pequenos filmes.
Na internet, alguns perfis se posicionaram contra o uso de IAs na m�sica. Para o rapper e DJ Vinicius Fernandes, o Linguini, ferramentas assim, a priori, tendem a causar “uma sensa��o apocal�ptica”, mas, passado o susto, elas democratizam o acesso de pessoas comuns a processos de cria��o art�stica.
Linguini compara as IAs �s DAWs, sigla em ingl�s para Digital Audio Workstation (ou esta��o de trabalho de �udio digital), softwares sequenciadores surgidos na virada do s�culo que gravam, editam e tocam �udios digitalmente sem a necessidade da presen�a f�sica de um instrumento.
O cantor e compositor belo-horizontino Paulo Henrique Santos, que assina como o.paulera, afirma que programas de intelig�ncia artificial n�o criam nada, apenas se utilizam de mapeamento algor�tmico para reproduzir o que j� est� feito.
Para Linguini e o.paulera, a caracter�stica humana das composi��es � algo que n�o pode ser reproduzido por plataformas e c�digos.
“O jazz, por exemplo, surge da improvisa��o, da performance, de voc� sentir quando tem de entrar e sair de uma m�sica, do feeling de cada m�sico ir acompanhando o outro, sem nada automatizado. Se formos para o mundo digital, o pr�prio DJ tem disso quando discoteca. Muitas vezes, n�o leva algo pronto, ele sente como a pista est� caminhando e vai junto. S�o coisas muito complexas para um algoritmo”, diz Linguini.
O m�sico o.paulera destaca o car�ter bem-humorado e despretensioso desse tipo de programa��o. Ele acabou de lan�ar o �lbum de estreia, “De Z a A”, chegou a ter 200 mil seguidores em um perfil no TikTok.
Na opini�o do compositor, usu�rios, muitas vezes, s� querem brincar com os filtros dispon�veis. Por�m, ele alerta para o perigo de programas que fazem com que grandes nomes da m�sica cantem m�sicas de outros astros.
Ao comentar a qualidade da m�sica produzida dessa forma, o compositor pergunta se j� n�o h�, por parte dos produtores humanos, homogeneiza��o que deixe todas as m�sicas praticamente iguais, correndo o risco de prender o p�blico dentro de suas bolhas de gostos e consumo.
“Ao mesmo tempo em que vejo um certo lado do marketing de buscar o que as pessoas j� gostam, cria-se a tend�ncia de ficar tudo mais igual, tudo mais mon�tono. J� est� dif�cil ver coisas novas atualmente, novas cria��es. Hits de carnaval acabam ficando iguais, por exemplo”, afirma.
Na opini�o dele, a intelig�ncia artificial s� veio acelerar o processo, pois ela agiliza a produ��o e reduz repeti��es feitas por produtores profissionais.
Em certa medida, as IAs at� mesmo ajudam artistas e produtores que trabalham sozinhos, como � o caso de o.paulera.
Tanto Linguini quanto o.paulera ainda n�o ouvem as “trombetas do apocalipse” que a produ��o musical por meio de intelig�ncias artificiais pode representar. Para eles, esta rela��o estar� pacificada num futuro pr�ximo, assim como ocorreu quando surgiram outras tecnologias, h� cinco ou 25 anos.
Por�m, ambos concordam que � preciso encontrar um ponto de equil�brio no uso de programas que permitem esse tipo de produ��o.
* Estagi�rio sob supervis�o da editora-assistente �ngela Faria
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