Mobiliza��o das mulheres � frente de lutas sociais ilustra a capa de "Reflexos do mundo - Na luta". O autor Fabien Toulm� est� � direita, com seu bloco de notas
Fabien Toulm�/reprodu��o
Quando surge uma ideia, o inesperado pode levar voc� a concretiz�-la. Foi basicamente isso o que aconteceu com o quadrinista franc�s Fabien Toulm�. O encontro entre oportunidade e acaso est� em seu novo livro, “Reflexos do mundo – Na luta” (Nemo). Autor mais vendido da editora dedicada aos quadrinhos, ele retorna � narrativa real depois da fic��o “Suzette: Ou o grande amor”, lan�ada em 2022.
O livro-reportagem em quadrinhos conta a hist�ria de tr�s mulheres em tr�s continentes: a libanesa Nidal, na �sia; a brasileira Rossana, nas Am�ricas; e a beninense Chanceline, na �frica. Mulheres cuja trajet�ria � marcada pela resist�ncia.
A obra nasceu de um questionamento do autor: por que havia tantas revolu��es no mundo?. “Para mim, cada pa�s tem sua particularidade. N�o via ponto em comum entre uma revolu��o no L�bano e outra em Hong Kong”. Em 2019, ambos os pa�ses estavam em meio a grandes manifesta��es populares contra os respectivos governos. Nesse processo, Toulm� constatou que “est� tudo interligado”, a despeito dos diferentes contextos pol�ticos e socioculturais.
O franc�s Fabien Toulm�, que morou no Brasil, faz 'HQ-reportagens' em v�rios cantos do mundo
Vollmer/divulga��o
Em novembro de 2019, ele viajou da Fran�a para o L�bano com um amigo quadrinista e o organizador de um evento do g�nero. A feira para a qual tinham sido convidados foi cancelada, mas eles decidiram manter a viagem assim mesmo, para entender o que estava ocorrendo naquele momento.
Chegaram a Beirute, capital do pa�s, no olho do furac�o. Um m�s antes, o governo havia anunciado uma taxa sobre todas as liga��es efetuadas via WhatsApp. Foi o estopim da thawra (revolu��o em �rabe), que levou multid�es para as ruas. Nesse cen�rio, Toulm� conheceu Nidal, protagonista da primeira parte de “Na luta”.
Com forte presen�a nas manifesta��es – “digamos que sou mais feminista do que ativista” –, � ela, por meio de sua trajet�ria, quem apresenta a situa��o sociopol�tica daquele pa�s. A pauta era a justi�a social, com o fim das divis�es religiosas, culturais e classistas que marcam a hist�ria do L�bano.
Autor e personagem
Por meio dos quadrinhos, Toulm� se coloca na cena, ora como observador, ora como rep�rter. A narrativa vai e volta no tempo – a cor dos quadrinhos determina se estamos lendo sobre um registro hist�rico ou sobre acontecimentos atuais.
“Escrevo com o m�ximo de fidelidade o que escutei e vi. Tanto que quando vou para a reportagem, tiro fotografias, gravo as entrevistas. N�o existe fabula��o, mas s� uma maneira de escrever para dar a sensa��o de leveza”, ele explica.
A segunda narrativa acompanha um grupo de mulheres em Jo�o Pessoa, Para�ba. Ela est� diretamente relacionada com a trajet�ria pessoal do quadrinista.
Toulm� tem 42 anos. Chegou ao Brasil na primeira d�cada deste s�culo, como estudante de engenharia. Por meio de interc�mbio, concluiu a gradua��o na Universidade Federal da Para�ba (UFPB). Viveu alguns anos no pa�s, trabalhando como engenheiro em Jo�o Pessoa, Natal e Fortaleza.
Casado com a brasileira Patr�cia, com quem teve Louise e J�lia, Toulm� passou por uma crise profissional aos 29 anos. N�o se via seguindo a carreira. Na inf�ncia e adolesc�ncia, desenhava sem parar – e j� era hora de colocar o sonho em pr�tica.
Passava as noites desenhando – durante os dias, trabalhava como engenheiro freelancer para pagar as contas. A fam�lia retornou para a Fran�a h� muitos anos, mas vem anualmente ao Brasil visitar parentes e amigos.
Em fevereiro de 2020, em uma dessas viagens de f�rias, com o projeto do livro-reportagem j� iniciado, Toulm� conheceu, por meio de amigos, a hist�ria de Porto do Capim, comunidade ribeirinha do Centro Hist�rico de Jo�o Pessoa, que h� muitos anos convive com a amea�a de expuls�o.
Articula��o da luta por moradia em Jo�o Pessoa � relatada no livro
Fabien Toulm�/reprodu��o
O projeto de instala��o do Parque Ecol�gico do Sanhau� pretende revitalizar a �rea. Para isso, centenas de fam�lias seriam removidas para apartamentos em outra regi�o da capital paraibana. No processo, a popula��o feminina se uniu, criando a Associa��o de Mulheres da Comunidade Porto do Capim, encabe�ada por Rossana Holanda.
Por meio dos quadrinhos, acompanhamos Toulm� chegando ao local, que n�o era bem-visto pela popula��o. “Se eu fosse voc�, n�o iria sozinho. � meio barra-pesada”, avisou um carteiro quando o quadrinista lhe perguntou como chegar l�.
Na chegada, a (boa) surpresa � total. Bastante organizada, a comunidade vive e se sente bem no local, que guarda hist�rias de gera��es.
Assim como na narrativa do L�bano, o autor localiza o leitor no passado daquela regi�o, tanto por meio da hist�ria oral (ele visitou Porto do Capim com moradores de diferentes gera��es), quanto por not�cias publicadas na imprensa – transcritas, textualmente, nos quadrinhos.
A protagonista Rossana acredita que as mulheres tomaram a frente na defesa dos direitos da comunidade “porque temos uma vis�o mais coletiva das coisas, lutamos pelo interesse de todos”. Destaca que elas “t�m que lutar o tempo todo para provar que s�o capazes”.
Hist�ria da comunidade humilde paraibana � resgatada por Fabien Toulm�
Fabien Toulm�/reprodu��o
Da Para�ba ao Benin
Um ano e meio depois da visita � Para�ba, Toulm� chegou ao Benin. A escolha do pa�s africano n�o foi aleat�ria – segundo a ONU, o Benin est� na 158ª posi��o (de 189) no ranking das desigualdades entre homens e mulheres.
O quadrinista acompanhou a quest�o por meio de Chanceline Mevowanou, ativista dos direitos das mulheres, que luta especialmente pela preven��o da gravidez precoce no Benim, onde foram registrados 9,3 mil casos de gravidez no meio escolar entre 2016 e 2020.
“Para a constru��o do livro, come�o falando da escala de um pa�s, depois de um bairro e termino com uma personagem. Fiz assim para entender os v�rios n�veis de luta que podem existir”, diz Toulm�.
Durante o processo, ele conversou com um soci�logo para tentar esclarecer algumas quest�es. “Como na vida, existe a reparti��o entre as coisas de homens e mulheres. A luta das mulheres tem mais a ver com sa�de, crian�as, moradia.”
Ele j� planeja o segundo volume de “Reflexos no mundo”, mas com outros temas. Toulm� desenvolve o projeto enquanto trabalha em seu primeiro longa-metragem. Ser� uma hist�ria sobre a inf�ncia, escrita e dirigida por ele.
Paralelamente, o realizador Claude Barras (de “Minha vida de abobrinha”, indicado ao Oscar de anima��o em 2017) trabalha na adapta��o da primeira graphic novel de Toulm�, “N�o era voc� que eu esperava” (2014). Nessa obra, o quadrinista fala sobre a chegada de sua segunda filha, J�lia, portadora de s�ndrome de Down.
“A forma de me expressar em quadrinhos est� muito ligada � paix�o que tinha por eles na inf�ncia. (Quando comecei) N�o sabia que tipo de hist�ria queria contar. Fui descobrindo com o tempo a minha personalidade como autor e o gosto pelos assuntos sociais”, conclui.
“REFLEXOS DO MUNDO: NA LUTA”
. De Fabien Toulm�
. Tradu��o: Fernando Scheibe e Bruno Ferreira Castro
21/02/2023 04:00
- atualizado 20/02/2023 23:53
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