Grupo de mulheres em caravana de motocicletas na periferia de Brasília. Uma delas segura a bandeira de candidata onde está escrito Andreia Vieira

"Gasolineiras" se associam a candidata "contra a playboyzada" na distopia filmada por Adirley Queir�s em Ceil�ndia

Reprodu��o

Foi um choque quando Adirley Queir�s despontou na cena do cinema brasileiro, primeiro com curtas-metragens e depois com longas, como “A cidade � uma s�” (2011), que trata do processo de exclus�o territorial que marca o nascimento de Ceil�ndia, na periferia de Bras�lia, e “Branco sai, preto fica” (2014), hist�ria do massacre ocorrido num baile de black music.

Seus filmes trazem a combina��o original e cortante de humor �cido e cr�tica social, fic��o e document�rio, cinema de g�nero e milit�ncia pol�tica. Primeira parceria na dire��o com a portuguesa Joana Pimenta, “Mato seco em chamas” eleva todos esses elementos � m�xima pot�ncia.

Ceil�ndia feminista

� o t�tulo mais longo da filmografia de Adirley Queir�s, com mais de 150 minutos, e tamb�m o mais feminista. Ambientada na comunidade de Sol Nascente, em Ceil�ndia, loca��o m�tica para o realizador, a narrativa � movida por uma incr�vel trinca de personagens femininas, figuras que, conforme o pr�prio cineasta explica, combinam insurg�ncia, desobedi�ncia civil e luta pol�tica.

Sensuais, poderosas e divertidas, as irm�s “gasolineiras” Chitara, papel de Joana Darc, e L�a, feita por L�a Alves, comandam uma refinaria clandestina, onde produzem gasolina mais barata, vendida a motoboys da regi�o ligados ao tr�fico de drogas.

Uma candidata a deputada, interpretada por Andr�ia Vieira, soma-se � dupla, defendendo “o povo da periferia” contra a “playboyzada”. Seu figurino evoca hero�nas pop como Lara Croft, e as sequ�ncias de campanha eleitoral s�o insepar�veis do que o Brasil viveu nas �ltimas elei��es.
 
 

A est�tica p�s-apocal�ptica lembra ainda a distopia de “Mad Max” e “Bacurau”, mas, para al�m de um expresso desejo de cinefilia, as motiva��es de “Mato seco em chamas” s�o sobretudo pol�ticas – e locais. Imposs�vel assistir ao filme sem pensar na �nica presidente mulher do pa�s e na disputa pelo controle dos lucros da explora��o do petr�leo durante seu governo.

No longa, a descoberta de um po�o de petr�leo no meio da �rida vegeta��o do cerrado e sua extra��o clandestina funcionam como alegorias do fazer cinema no Brasil p�s-2016, algo como tirar leite de pedra – ou tirar ouro negro do mato seco.

Dif�cil esquecer o papel que a Petrobras exerceu no financiamento da cultura, e em especial do cinema, at� algum tempo atr�s. Essa interpreta��o n�o significa, por�m, que haja qualquer esquematismo na estrutura do filme ou na mise-en-sc�ne.

Na fantasia pol�tica futurista criada por Queir�s e Pimenta, a costura da fic��o incorpora elementos do document�rio, sem que haja distin��o clara entre o que � inven��o e o que � captura da realidade.

Autoafirma��o e resist�ncia

De todo modo, a atitude de observa��o pr�pria ao document�rio contribui para os tempos dilatados de algumas sequ�ncias. Nelas, conseguimos ver corpos que resistem coletivamente �s opress�es do cotidiano e �s durezas da precariedade, conseguindo momentos de alegria, divers�o e autoafirma��o.

As maiores qualidades de “Mato seco em chamas” talvez sejam a autenticidade e a criatividade, a capacidade em embarcar em del�rios altamente pol�ticos e ao mesmo tempo de forte carga po�tica. Poucas imagens no cinema recente t�m tanta for�a quanto a cena em que um �nibus transporta um grupo de detentas – uma das protagonistas est� na cadeia.

De repente, por for�a do desejo das mulheres, ou talvez em fun��o de um simples cochilo, o ve�culo se transforma em palco de um fant�stico baile funk. Em uma fra��o de segundo, passamos da passividade dos corpos cansados e restritos aos seus assentos � alegria de pernas que dobram e esticam, bundas que tremem, l�bios que se encostam.

Premiado em festivais importantes, como o Cin�ma du R�el, de Paris, e o Indie Lisboa, o filme � pura radicalidade. Funciona como convite para um mergulho mais profundo na obra do cineasta. 

“MATO SECO EM CHAMAS”

Brasil/Portugal, 2022. Dire��o de Adirley Queir�s e Joana Pimenta. Com L�a Alves da Silva, D�bora Alencar e Joana Darc Furtado. Na periferia brasileira, mulheres tra�am seu pr�prio caminho e comandam refinaria clandestina de gasolina. Estreia nesta quinta (23/2), com sess�es �s 20h30 no UNA Cine Belas Artes.