Sidoka canta nos EUA, lan�a 'Sensitivo 2' e projeta Minas no trap nacional
Criado no Aglomerado da Serra, artista de 24 anos conquista seu espa�o na m�sica brasileira, recusa contrato com astro americano Gucci Mane e bomba na internet
O belo-horizontino Nicolas Paolinelli, o Sidoka, tem sete anos de carreira, sete discos e 3,4 milh�es de ouvintes mensais no YouTube e Spotify
Leonardo Exposito/divulga��o
Milton Nascimento deixou os palcos. Skank pendurou as chuteiras. Pato Fu comemora seus 30 anos e Jota Quest roda o pa�s com a turn� dos 25. Evo�, jovens artistas!, como diz Chico Buarque na can��o “Paratodos”. Tudo se recicla, e a nova safra de Minas continua no topo da m�sica brasileira. Djonga, de 28 anos, � linha de frente do rap. Marina Sena, de 26, estrela do pop contempor�neo. KVSH, de 29, astro da eletr�nica. E Sidoka, de 24, fen�meno do trap.
Nicolas Paolinelli tirou seu nome de guerra da express�o budista que significa “aquele que trouxe algo nunca visto”. Tamb�m conhecido como Doka, ele mais parece ter pulado do mang� ou de algum game para palcos e telinhas. Rosto supertatuado, �culos juliet fininhos de lentes escuras (febre entre desportistas nos anos 1980, mania da turma do funk), bon�, touca, capuz e aquela gola usada por esquiadores para proteger o pesco�o, esticada at� os olhos. Luvas, t�nis colorida�os, joias.
Realmente, o bem-humorad�ssimo Sidoka � mesmo algo dif�cil de ver por a�. O jovem que acredita em ETs garante: Nicolas n�o criou um personagem para os palcos e redes sociais. “Sidoka � tudo o que o Nicolas �, uma parte de mim. Acordo, olho no espelho: � o Doka”, diz o cantor e compositor.
FALA, SIDOKA:
Sidoka, "m�os de tesoura"
A marca registrada (ou melhor, uma delas) s�o as luvas com pontas dos dedos cortadas. Coisa cara, da Louis Vuitton, � passada na tesoura sem d�, sob o olhar incr�dulo de vendedoras. Ele conta que as luvas servem, desde sempre, para esconder a vergonha do intenso suor nas m�os.
Convidado para campanhas fashion de grifes esportivas e afins, ele pr�prio desenha estampas das roupas lan�adas por sua marca, a Intactoz.
Se ele “ostenta” Louis Vuitton, tamb�m exibe “�clins” do mercad�o popular da Oiapoque, em BH. Recentemente, foi convidado a criar camisa para o Cruzeiro, seu time. Lamenta que o projeto foi engavetado. E avisa: n�o desistiu de sua azul-celeste, n�o.
Sidoka inventou seu pr�prio estilo. Tornou-se astro do trap, g�nero derivado do rap caracterizado por batidas marcadas, timbres graves, sintetizadores da eletr�nica. Letras sobre sexo, viol�ncia, racismo e drogas s�o cr�nica do “corre” das periferias. Surgido nos EUA no in�cio dos anos 2000, o trap estourou no Brasil mais recentemente.
Com sete anos de carreira, mensalmente Sidoka � ouvido por 3,4 milh�es de pessoas no YouTube e Spotify. Tem quase duas centenas de m�sicas. Em meados de fevereiro, lan�ou o s�timo �lbum, “Sensitivo”, com 14 faixas. Promete para esta sexta-feira, 10 de mar�o, o segundo volume.
O m�sico diz que o disco duplo � seu projeto mais pessoal: “Taquei mais sentimento.” Amadureceu, virou pai. Mas as letras sobre quebrada, sexo, drogas e amor mant�m o pique adolescente.
Cruz no pesco�o
Sidoka se considera pessoa sensitiva, conta que sempre teve fortes intui��es. “Acredito no sobrenatural, sinto a presen�a (de algo maior).” Criado em fam�lia cat�lica, mostra, durante a entrevista por v�deo, o ter�o com a cruz de madeira pendurado no pesco�o, dado pela m�e, Ana. “Eu n�o posso tirar de jeito nenhum”, avisa.
Revela sua forte conex�o com a energia humana, seja ela alegria, paz ou inveja. Quando pressente a maldade, se afasta, mas sem cultivar rancores. “N�o sou um cara que reza, olho para o c�u e agrade�o.”
Comparando cada religi�o a um aqu�rio, filosofa: o peixe nada apenas ali dentro. Se voc� n�o se limita ao aqu�rio, tem o mar inteiro, formado por diferentes f�s, para se aventurar. “N�o tenho religi�o, mas tenho prote��o forte”, diz.
Tamb�m n�o acredita em coincid�ncias, acredita que tudo em sua vida “j� estava escrito”. No mesmo dia em que se demitiu no est�gio da Prefeitura de Belo Horizonte, sentindo-se rejeitado pela maioria dos colegas na se��o, se encontrou com o rapper BP, que lhe deu a oportunidade de participar de evento no espa�o Growers, no Bairro Anchieta.
Sidoka cantou, Djonga ouviu e um tempo depois o chamou para gravar a faixa “Ufa” do disco “Menino que queria ser Deus”, em 2018.
O disco de Djonga estourou. E meio mundo quis conhecer o menino daquele flow impressionante, autor da letra dizendo que ningu�m bota algema em seu verso.
No mesmo dia da demiss�o e do show, dona Ana havia ligado para o filho, preocupada com a amea�a de despejo, precisando urgentemente de saldar o compromisso.
Sidoka cantou no hist�rico show de Djonga que lotou a Pra�a da Esta��o, em 2019, no encerramento da Virada Cultural
Leandro Couri/EM/D.A Press/21/7/19
Funk, rap, trap e bom humor
Dali em diante, a carreira do garoto do Aglomerado da Serra, criado pela m�e com muita dificuldade, deslanchou. Cria tamb�m do funk e do rap, Sidoka aposta no bom humor. � desbocado, craque no free style, letras improvisadas.
O que mais impressiona � o talento para encaixar versos, rimas e palavras no ritmo veloz de seu canto falado. Costuma ser t�o r�pido que deixa o ouvinte “l� atr�s”. Ali�s, f�s fazem memes divertid�ssimos com o jeito dele de cantar.
Sidoka conta que sempre buscou a sua forma particular de fazer m�sica. Diz que a base de seu trap, de seu rap e de seu flow est� no falar do mineiro, que “come” s�labas, quando n�o a metade das palavras. Ou seja, construiu seu estilo customizando o bom e velho mineir�s, temperado com as g�rias de favelas e periferias de BH. Um de seus bord�es parece at� coisa de vov�: Credo!!!
Na verdade, chamar o trap de subg�nero do rap n�o traduz o que vem ocorrendo no mundo inteiro. “O trap cresceu de forma absurda”, comenta Sidoka, orgulhoso de fazer parte da cena mineira que chama a aten��o do pa�s e at� do mundo – em 2020, Djonga foi o primeiro brasileiro indicado ao respeitado Bet Hip Hop Awards, nos EUA.
“Meu trap � o funk do rap”, resume. H� algum tempo, cantar trap em baile funk de BH era problema. “O pessoal ouvia a nossa m�sica e se afastava”, relembra. Mas as coisas mudaram. “� bonito ver o trap e o funk coligados”, diz ele. “O Brasil precisava desta versatilidade”. E completa: “Tenho orgulho de fazer parte disso. Pode falar que a gente � trapper. No fim de tudo, n�s (sic) � tudo rap.”
Treino no escuro
O flow veloz de Sidoka, o estilo e as rimas s�o fruto de trabalho duro, “de muito treino”, garante. Ele costuma criar de madrugada, de prefer�ncia com o capuz sobre os olhos. Sente liberdade assim. “Gosto de rimar no escuro.”
A conex�o entre pensamento e rimas � t�o veloz que ele pr�prio se intriga com o significado do que escreveu. Gosta de inventar palavras. F�s brincam que nem Sidoka, �s vezes, decifra o que rimou. “Foda-se o Aur�lio/ Inventei dicion�rio”, diz a letra de sua “Hoje eu n�o me sinto mal mais”.
O trapper passou dificuldade na vida, fome. Dona Ana penou para criar os dois filhos no Aglomerado da Serra. Mas Sidoka n�o faz m�sica de coitadinho. Diz que tudo o que cantou, l� atr�s, se transformou em realidade.
Tem casa e carro, pode ajudar a m�e, usa as roupas que quer, viaja. Afirma que a filha n�o passar� pelo que ele enfrentou. No Aglomerado, viu meninos como ele morrerem por causa das drogas e da viol�ncia. Perdeu o melhor amigo assassinado a tiros ao ser confundido com um garoto metido em confus�o.
Nicolas estudou no Pandi� Cal�geras e no Estadual Central, deixou o col�gio no segundo ano. Trabalhou para ajudar em casa, viveu a realidade das ruas. “O rap bateu na minha porta”, diz. “Posso ir pra Su��a, mas sempre serei underground, lan�ando minhas m�sicas no Soundcloud”, afirma, referindo-se � plataforma voltada para artistas independentes que abrigar o que h� de novidade.
Fl�rida e Calif�rnia
Em fevereiro, Sidoka se apresentou em Miami, Orlando e San Francisco, nos Estados Unidos. Planeja agora ir a Nova York, rimar em ingl�s, quem sabe se aventurar no reggaeton.
A “gringa”, como ele diz, est� de olho no mo�o. O rapper Gucci Mane, pioneiro do trap, prop�s que fizesse parte do cast de sua gravadora. O mineiro recusou, pois o americano queria 70% dos ganhos, restando s� 30% para ele, o autor.
Diz ter respeito por Mane, mas vender seu trabalho assim, “nem para o Papa”. Com sete anos de estrada, aprendeu a gerenciar a carreira, por meio da produtora Intactoz, depois “de tomar tapa na cara demais”.
“Vou simplificar/ Eu num tinha nada/ E quem nada conhece o mar”, rima Sidoka em uma das faixas de “Sensitivo”.
Foto com Renatinha em 17 de fevereiro de 2022, dia do nascimento da menina. Imagem viralizou na web e foi parar no programa de F�tima Bernardes
Reprodu��o
Beb� a bordo
Foi bonito de ver o mar de gente ovacionando o trapper no festival Planeta Brasil, no Mineir�o, em 2022, quando ele subiu ao palco com a filha Renatinha, de meses, no colo.
Foi o show mais emocionante de sua vida, confessa. A plateia cantava “Louis V, menina linda”, que ele fez para a mulher, Mariana.
J� � de lei: a multid�o virtual de f�s de Sidoka vai passar a madrugada do pr�ximo dia 10 de olho na telinha, pois ele adora soltar as novidades em hor�rios inusitados.
Tem can��o de ninar para Renatinha? N�o vale spoiler. Mas a beb� � estrela: seu nascimento “bombou” no Twitter, ganhando parab�ns de F�tima Bernardes no programa “Encontro”. O bord�o “que isso renatinha” viralizou, virou hashtag e at� p�gina de f�s no Instagram...
Coruj�ssimo, Sidoka n�o se encabula ao ser perguntado se deixar� a filhota ouvir letras de funk e trap calientes, como as dele, quando ficar maior. Diz que vai conversar com ela sobre tudo, mas sem proibi��es. “Agora, namoradinho entrar em casa de sapat�nis, isso n�o entra n�o”, avisa o senhor Nicolas Paolinelli.
Multid�o foi ver Sidoka cantar no Palco Urban, no Festival Planeta Brasil, realizado na Esplanada do Mineir�o em setembro de 2022
Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press/24/9/22
DOKA EM N�MEROS
1,6 milh�o
de ouvintes mensais no Spotify
1,8 milh�o
de inscritos no YouTube
360 milh�es
de plays de “Louis V, menina linda”, “N�o me sinto mal mais” e “Mi'adama” no YouTube e Spotify
569 milh�es
de visualiza��es no YouTube
�LBUNS
“Elevate” (2018)
“Doka language” (2019)
“Merci” (2020)
“Futuruz” (2020)
“Espelho infinito” (2020)
“SHH..” (2021)
"Sensitivo" (2022)
O pr�prio Sidoka ilustrou a capa do �lbum Sensitivo
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