Em "Dominguinhos: isso aqui t� bom demais", tr�s m�sicos vivem o sanfoneiro
A montagem, que estreou no ano passado, em S�o Paulo, ter� duas sess�es neste fim de semana em Belo Horizonte; Liv Moraes, filha do homenageado, est� no elenco
Cosme Vieira e Liv Moraes, filha de Dominguinhos, cantam no musical que homenageia o g�nio do forr� e da sanfona
Priscila Prade / divulga��o
Uma homenagem que se relaciona com uma amizade estreita est� na g�nese do musical “Dominguinhos: isso aqui t� bom demais”, que estreou em S�o Paulo, em outubro do ano passado, fez escala em Santos e chega a Belo Horizonte neste fim de semana, com duas apresenta��es no Grande Teatro do Sesc Palladium, dentro da programa��o do festival Teatro em Movimento.
O espet�culo, idealizado pela diretora musical Myriam Taubkin e pelo encenador Gabriel Fontes Paiva, tem texto criado pela dramaturga e jornalista Silvia Gomez e conta com elenco formado por m�sicos de destaque no cen�rio nacional: Z� Pitoco, Jam da Silva, Cosme Vieira, Hugo Linns, Wilson Feitosa, Luiza Fittipaldi e Liv Moraes, que � filha de Dominguinhos.
O in�cio da hist�ria que desembocou no musical remonta aos anos 1990 e est� intrinsecamente ligado ao projeto Mem�ria Brasileira, que Myriam Taubkin dirige h� 35 anos e que consiste na realiza��o de shows com recortes em determinados instrumentos ou segmentos, que ganham registros audiovisuais para a posteridade.
Foi por meio dessa iniciativa que a diretora musical do espet�culo conheceu o homenageado. Ela conta que estava elaborando para o projeto o especial “Brasil da sanfona”, dedicado ao instrumento. “Convidei Dominguinhos para que ele pudesse me dar um panorama dos grandes mestres da sanfona do Nordeste. Ele acabou se tornando um grande amigo meu e da minha fam�lia, nos frequent�vamos nos momentos de alegria e de tristeza”, diz.
A partir daquele primeiro contato, no fim da d�cada de 1990, Dominguinhos participou diversas outras vezes de apresenta��es concebidas no bojo do Mem�ria Brasileira. Em 2004, Gabriel Paiva se juntou ao projeto e passou a assinar a dire��o dos espet�culos juntamente com Myriam. Ele se recorda do conv�vio com Dominguinhos.
“N�s o convidamos algumas vezes para participar, porque ele sempre foi uma unanimidade, as pessoas tinham um carinho muito especial por ele”, afirma, destacando o que considera o tra�o mais marcante do m�sico nascido em Garanhuns (PE), em 1941. “Dominguinhos tinha uma enorme sofistica��o musical, e aprendi com ele que a simplicidade acompanha a sofistica��o, faz parte dela. Por ter uma ess�ncia sofisticada, ele era uma pessoa simples”, aponta o diretor.
Myriam conta que se criou uma intimidade, um la�o afetivo estreito entre os tr�s e, quando Dominguinhos morreu, em 2013, logo a dupla de diretores teve a ideia de prestar uma homenagem. “Pensamos num show, convidando v�rias pessoas, e o Gabriel veio com essa ideia de fazer um musical. Com o Mem�ria Brasileira, tenho um hist�rico de 35 anos de espet�culos, mas musical eu nunca tinha dirigido”, comenta.
Ela, no entanto, considerou uma boa proposta, que resultaria de uma somat�ria de saberes, j� que a forma��o e a experi�ncia de Gabriel est�o mais ligadas ao teatro. “Dominguinhos: isso aqui t� bom demais” �, dessa forma, um espet�culo c�nico-teatral que, em boa medida, tem ares de show, em fun��o do elenco de cantores e instrumentistas presente no palco.
“Diferentemente de um musical usual, em que atores ficam � frente, cantam, dan�am, com uma banda de apoio colocada atr�s, neste caso o elenco � de m�sicos; s�o eles que atuam, tocam, cantam e dan�am, ent�o � muito genu�no, n�o tem artif�cios. � uma homenagem sincera a Dominguinhos”, diz Myriam.
Elenco canta, dan�a e toca instrumentos no musical 'Dominguinhos: isso aqui t� bom demais'
Priscila Prade/divulga��o
Paiva ressalta que este � um ponto distintivo do espet�culo. “A diferen�a deste para outros do g�nero � justamente o apuro musical. N�o foi feita uma audi��o para escolha do elenco; a gente, que j� trabalha na curadoria do Mem�ria Brasileira, foi garimpando”, diz. Myriam destaca que o elenco � formado principalmente por conterr�neos de Dominguinhos, alguns contempor�neos e outros representantes de uma nova gera��o da m�sica pernambucana.
Ela observa que Z� Pitoco, por exemplo, tocou com Dominguinhos e era amigo pessoal dele. O paulista Cosme Vieira, de 25 anos, tem, segundo a diretora musical, uma trajet�ria que come�a similar � do homenageado. Ambos, quando crian�a, tocaram para �cones que foram seus padrinhos. No caso de Dominguinhos, ele tocou para Luiz Gonzaga, j� conhecido como o Rei do Bai�o. Cosme, por sua vez, teve como mestre o pr�prio Dominguinhos.
'Dominguinhos tinha uma enorme sofistica��o musical, e aprendi com ele que a simplicidade acompanha a sofistica��o, faz parte dela. Por ter uma ess�ncia sofisticada, ele era uma pessoa simples'
Gabriel Fontes Paiva, diretor
Herdeira direta
“A Liv Moraes, que � filha, � o maior acervo de Dominguinhos, come�ou cantando com o pai, ent�o � herdeira direta em todos os sentidos”, sublinha Myriam. Com rela��o a Hugo Linns, Jam da Silva e Luiza Fittipaldi – todos de Pernambuco –, ela diz que trazem a experimenta��o e t�m flu�ncia na linguagem da eletr�nica. “Essa jun��o � maravilhosa, porque a� a gente d� uma cara nossa para o espet�culo”.
Z� Pitoco, Cosme Vieira e Wilson Feitosa – �nico nome do elenco que, al�m de m�sico, tem tamb�m forma��o efetiva como ator – se revezam no papel de Dominguinhos. Paiva observa que o musical n�o � realista, n�o h� um Dominguinhos caracterizado, e que, assim, os tr�s podem estar em cena ao mesmo tempo dando vida ao c�lebre sanfoneiro.
'H� um certo lugar delirante em minhas dramaturgias e, aqui, pude express�-lo no recorte escolhido como procedimento narrativo: em seu �ltimo momento de vida, Dominguinhos � visitado pelas hist�rias que marcaram sua carreira, como se tudo se passasse numa fra��o de segundo infinita do pensamento e da mem�ria'
Silvia Gomez, dramaturga
O diretor do espet�culo � mineiro – integra o Grupo 3 de Teatro, ao lado de D�bora Falabella e Yara de Novaes –, assim como Silvia Gomez. Ele a considera uma refer�ncia da dramaturgia e destaca que seu trabalho para “Dominguinhos: isso aqui t� bom demais” � repleto de poesia.
“N�o � um drama, � uma linguagem mais narrativa, mais l�dica e po�tica, tanto em termos de texto quanto de encena��o”, explica Paiva.
Segundo ele, o musical at� segue certa ordem cronol�gica, mas se constitui de recortes de momentos que os realizadores consideraram marcantes na trajet�ria do homenageado. “Por exemplo, essa hist�ria de ele, ainda crian�a, tocar para Luiz Gonzaga, sem o conhecer. Gonzaga ficou impressionado com o que ouviu e, depois, o levou para o Rio de Janeiro para tocar com ele”, cita.
Sobre o processo de constru��o da dramaturgia, Silvia Gomez conta que o texto foi escrito ao longo de dois anos, a partir de entrevistas com pessoas que conviveram com Dominguinhos, como a cantora e compositora Anast�cia e Liv Moraes, al�m dos pr�prios Gabriel Fontes Paiva e Myriam Taubkin. Al�m disso, o jornalista especializado em m�sica Lucas Nobile cuidou de fazer uma pesquisa documental que apoiou a escrita dramat�rgica.
Fontes de pesquisa
“Lucas trouxe um material vasto de linha do tempo, m�sicas, motiva��es, not�cias e casos da vida desse mestre. O mergulho na obra incluiu programas, document�rios, entrevistas e reportagens de jornais e revistas de �poca, al�m de livros como ‘O Brasil da sanfona’, de Myriam Taubkin. N�s os baseamos em fatos reais e em depoimentos p�blicos de Dominguinhos”, comenta a autora.
Ela diz que a dramaturgia explora a combina��o entre o documental e o po�tico. “H� um certo lugar delirante em minhas dramaturgias e, aqui, pude express�-lo no recorte escolhido como procedimento narrativo: em seu �ltimo momento de vida, Dominguinhos � visitado pelas hist�rias que marcaram sua carreira, como se tudo se passasse numa fra��o de segundo infinita do pensamento e da mem�ria”, acrescenta.
Myriam chama a aten��o para o espa�o que o musical reserva a Anast�cia. Ela diz que a coautora de grandes sucessos gravados por Dominguinhos e por outros nomes da MPB segue completamente desconhecida do grande p�blico. “O musical tem um foco profundo nela, achamos importante dar a Anast�cia a visibilidade que ela merece”, diz.
Anast�cia e Dominguinhos fizeram hist�ria no forr�
Youtube/reprodu��o
Casal f�rtil
Ela pontua que muitas m�sicas que as pessoas atribuem a Gilberto Gil, por exemplo – como “Eu s� quero um xod�” ou “Tenho sede” –, s�o parcerias de Anast�cia e Dominguinhos, “o casal mais f�rtil da m�sica brasileira”, nas palavras da diretora. Eles mantiveram um relacionamento por 12 anos, entre 1966 e 1978, e foi gra�as a ela que Dominguinhos come�ou a compor, segundo Myriam.
“Antes de conhec�-la, por volta de 1965 ou 1966, ele n�o se sabia compositor. Dominguinhos improvisava na sanfona, j� acompanhava Luiz Gonzaga, fazia parte do Trio Nordestino, tocava com v�rios outros artistas, mas ele n�o se sabia compositor, se colocava no lugar de m�sico acompanhante”, conta.
O desabrochar para a cria��o veio durante uma turn� de Luiz Gonzaga em que ambos integravam a banda que o acompanhava. “Anast�cia ouviu Dominguinhos tocando um tema e fez a letra, ‘Um mundo de amor’, que ficou uma coisa maravilhosa. Foi a� que ele sacou que compunha, e a partir da� fizeram centenas de m�sicas. Uma delas, ‘Eu me lembro’, do in�cio da parceria, foi o primeiro sucesso de Dominguinhos no Nordeste”, diz a diretora.
Ela pontua, a prop�sito, que o roteiro musical do espet�culo inclui, naturalmente, os grandes sucessos do homenageado, mas tamb�m composi��es pouco conhecidas – como “Um mundo de amor” – e temas instrumentais, que considera “uma loucura de maravilhosos”. Para Myriam, o repert�rio do musical d� a dimens�o da diversidade da obra de Dominguinhos, que, al�m de forr�, xote e bai�o, inclui sambas, valsas, choros e can��es.
“Ele saiu do Nordeste e ampliou sua cria��o para o universo da m�sica brasileira. Quisemos, com esse espet�culo, mostrar as m�sicas conhecidas – que muita gente n�o sabe que s�o dele –, as desconhecidas, as instrumentais, enfim, a paleta de cores musicais de Dominguinhos, com sua varia��o de ritmos”, afirma, ressaltando que se tratou de um trabalho colaborativo.
“O que eu curto nesse trabalho de dire��o � fazer junto com os m�sicos, e isso foi o mais legal, todo mundo criou, todo mundo deu palpite e, assim, todo mundo se sente um pouco dono, o que � muito bacana. Todo mundo tem espa�o para criar, se inspirar e tocar a cada dia de um jeito diferente. Dominguinhos era isso: um criador que tocava com espontaneidade, cada dia de um jeito.”
“DOMINGUINHOS: ISSO AQUI T� BOM DEMAIS”
Neste s�bado (1º/4), �s 20h, e no domingo (2/4), �s 19h, no Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, 31.3270-8100). Classifica��o indicativa: livre. Dura��o: 110 min. Ingressos para plateia 1 a R$ 80 e R$ 40 (meia), plateia 2 a R$ 70 e R$ 35 (meia) e plateia 3 a R$ 50 e R$ 25 (meia). � venda na bilheteria do teatro e no site Sympla.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine