O pianista Jonathan Ferr, vestindo túnica, gesticula, apontando para cima com a mão direita, e encara a câmera com expressão séria

Em "Liberdade", o pianista Jonathan Ferr re�ne amigos convidados e coloca a voz em uma das faixas

Renan Oliveira/Divulga��o

“Nunca � alto o pre�o a se pagar pelo privil�gio de pertencer a si mesmo.” A frase do fil�sofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) tem v�rias nuances importantes, mas Jonathan Ferr a encontrou nos estudos sobre uma palavra que tem um sentimento e um significado muito espec�fico para o pianista de jazz: liberdade. O termo foi escolhido para dar nome ao mais recente disco do artista, que, mesmo estando em um nicho muito espec�fico e, por vezes, elitizado, come�a a cair no gosto do p�blico.

Jonathan chega ao terceiro disco e decidiu que era hora de dar mais um passo na carreira. Ele convidou nomes do calibre de Luedji Luna, Ka� Guajajara, Rashid, T�ssia Reis, Avu� e Tuyo.  E, mais importante, saiu apenas da parte instrumental e cantou em uma das m�sicas. Ap�s ganhar notoriedade com o antecessor “Cura”, foi a hora de, literalmente, se sentir mais livre em “Liberdade”. “O que vem depois da cura? Vem a liberdade”, afirma o jazzista.

O �lbum tem um car�ter colaborativo porque a vida de Ferr tamb�m vai nesta linha. Ele sempre viu a for�a na uni�o e na ancestralidade. “Ubuntu, uma palavra que ficou um pouco banalizada nos �ltimos tempos, mas eu acho ideal para esse momento. 

Esse disco � muito ubuntu”, pontua. O termo � das l�nguas zulu e xhosa e significa: “eu sou, porque somos”. “Eu sou porque minha m�e �, porque minha av� foi, meu bisav� foi. � uma obriga��o e um dever ancestral eu ser feliz e eu amo ser feliz com os meus”, explica.

O jazz me deu liberdade e no��o espacial diferente na m�sica e o hip-hop me deu liberdade pol�tica e consci�ncia espacial na sociedade. S�o dois lugares muito espec�ficos, que parecem distintos, mas que se complementam

Jonathan Ferr, pianista


Turma

Essa colabora��o foi feita com as pessoas que sempre estiveram em volta do artista, figuras que representam a forma dele de pensar. “Eu sempre fui um jazzista que andava com beatmakers, rappers, funkeiros e MCs. Essa � minha turma”, afirma o m�sico, que abriu esse projeto para os samples e as batidas que conversassem com o hip-hop, pois, dessa forma, se sentia mais representado. 

“Quando trago os meus para criar um grande extrato de felicidade registrado em uma obra,  estou dizendo que estou junto com os meus para reverberar alegria e falar de algo que � sobre o outro, mas � sobre n�s tamb�m”, diz.

“O hip-hop esteve comigo desde sempre, ele chegou com o jazz, mas de maneira diferente”, conta. O m�sico acredita que o jazz e o hip-hop combinam no disco porque andam lado a lado na pr�pria vida. “O jazz me deu liberdade e no��o espacial diferente na m�sica e o hip-hop me deu liberdade pol�tica e consci�ncia espacial na sociedade. S�o dois lugares muito espec�ficos, que parecem distintos, mas que se complementam”, observa, e vai al�m. 

“Eu descobri que era um homem preto ouvindo hip-hop, ouvindo MV Bill, Racionais. A consci�ncia racial e pol�tica do espa�o que eu movimentava foi o hip-hop que me trouxe. O jazz me trouxe o artista que sola, que improvisa e de coisas que eu podia fazer que estavam para al�m das can��es que ouvia naquele momento”, comenta.

O m�sico entende como miss�o fazer com que o pr�prio p�blico entenda o jazz fora da bolha branca e de elite na qual a m�sica foi colocada. afinal de contas, o jazz come�ou entre os negros norte-americanos. “Embora o jazz tenha se elitizado, tomei para mim a miss�o de tirar aqui do Brasil o lugar de elite dessa m�sica e colocar no ouvido de quem est� nas periferias e sub�rbios. O hip-hop  estava presente comigo e eu o utilizei para minha miss�o.”

A realidade � minha volta me dizia muitos n�os, tudo era n�o. Faltavam recursos, era dif�cil conseguir as coisas. Fui ter meu primeiro teclado seis anos depois que comecei a tocar, peguei o piano s� depois dos 30 anos

Jonathan Ferr, pianista


Cartas

Com o p� no presente, o olho no futuro e sem esquecer o passado, Jonathan Ferr tem o costume de enviar cartas para o pequeno Jonathan de 9 anos. Essa foi a idade em que ele come�ou a tocar piano. O artista pede para que o garoto passe pelos momentos dif�ceis e n�o desista, pois o futuro ser� melhor. 

“A realidade � minha volta me dizia muitos n�os, tudo era n�o. Faltavam recursos, era dif�cil conseguir as coisas. Fui ter meu primeiro teclado seis anos depois que comecei a tocar, peguei o piano s� depois dos 30 anos”, lembra o m�sico, que agora lida com o sucesso. “Fui construindo � medida que galgava e sempre ia falando para esse cara de 9 anos que isso era poss�vel. Afinal, s� sou hoje porque o Jonathan de 9 anos acreditou que era poss�vel”, afirma.

Por isso, ele advoga que � preciso sonhar para conseguir, � preciso almejar para conquistar. “N�s, seres humanos, precisamos das nossas f�bricas de ilus�es. Como n�s vamos acess�-las n�o importa, mas precisamos disso independentemente da profiss�o. N�s precisamos criar utopias”, diz Jonathan Ferr, que entende melhor o nome do pr�prio disco dessa forma. “As pessoas n�o se autorizam a acreditar nas pr�prias utopias. Se autorizar e permitir a viver utopias, ou o que chamo de f�bricas de ilus�es, � liberdade.”

Ferr se apaixonou pelo jazz ao ouvir o norte-americano John Coltrane (1926-1967), um saxofonista negro, e agora traz artistas negros para que, juntos, possam fazer um disco de jazz que marque pessoas, como “Love supreme” (1965) o marcou. 

“Quando Coltrane lan�ou esse disco, ele nunca imaginou que dali a 50 anos um jovem brasileiro, do Rio de Janeiro, de Madureira, ia ter a vida mudada por ele. Eu sou o legado de John Coltrane, da hist�ria dele tamb�m”, diz o artista, que quer que “Liberdade” seja para outros pequenos Jonathans uma ideia de futuro melhor. 

“As pessoas me chamam de artista afrofuturista porque eu estou falando de utopias a partir da minha viv�ncia como homem preto, ent�o eu penso em uma sociedade em que vejo pessoas como eu vivendo e sendo felizes”, diz.

“LIBERDADE”

• Jonathan Ferr
• Dispon�vel nas plataformas digitais