A artista plástica Luciana Hermont sentada em frente a obras com buchas nas quais sobressaem linhas vermelhas, que remetem à violência doméstica. Ao fundo vê-se o belo cenário do Museu de Artes e Ofícios

Na exposi��o "Tecendo a dor", no Museu de Artes e Of�cios, Luciana Hermont d� novo significado � linha vermelha para abordar a viol�ncia contra a mulher

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


No meio da pandemia, quando todos estavam confinados em casa, a artista visual Luciana Hermont viu a amiga entrar em depress�o. “Fiquei pensando no que poderia fazer para ajudar. Decidi dar um caderno para ela fazer o que quisesse: escrever, desenhar, rabiscar, at� mesmo rasgar. Era para p�r para fora tudo o que estava sentindo”, conta.

Pessoas que conviviam com Luciana gostaram da ideia e lhe pediram cadernos. Cada um recebeu o seu, mas com uma condi��o: passados alguns meses, todos teriam que devolv�-lo para que a artista pudesse ver o que havia dentro dele.

Grande foi a surpresa de Luciana ao perceber que v�rias mulheres haviam retratado epis�dios de viol�ncia. “Ali, decidi que deveria desenvolver um trabalho s� sobre este tema”, revela.

Assim nasceu a mostra “Tecendo a dor”, que segue em cartaz no Museu de Artes e Of�cios, em Belo Horizonte, at� o pr�ximo s�bado (29/4). Todas as cria��es de Luciana Hermont trazem � tona sentimentos femininos diante da viol�ncia.
 
Palavras de conforto bordadas em linhas vermelhas em buchas vegetais, obra da artista Luciana Hermont

Buchas vegetais remetem � limpeza, supera��o e autoestima

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
 

Viol�ncia aumentou 203%

A partir dos relatos, Luciana partiu para ampla pesquisa sobre maus-tratos dom�sticos. Descobriu que, no ano passado, uma mulher foi agredida a cada quatro horas no Brasil. Em 2021, a viol�ncia contra elas aumentou 203% em rela��o ao ano anterior, de acordo com o F�rum de Seguran�a P�blica.

“Por que em uma sociedade mais esclarecida, mais desenvolvida, ainda ouvimos relatos de tanta agressividade contra a mulher?”, questiona a artista.

No intuito de levar essa reflex�o para a sociedade, ela criou pe�as que remetem a abusos e maus-tratos. “Minha inten��o � encorajar e dar for�a �s v�timas. Dizer que elas n�o est�o sozinhas”, explica.

“Sei que n�o � no primeiro momento que elas v�o conseguir se separar dos companheiros e dar um basta na situa��o. Por�m, procurar ajuda � o primeiro passo. J� considero um ganho dar este primeiro passo”, acrescenta.
 

As pe�as de “Tecendo a dor” foram produzidas com materiais do cotidiano – tecidos crus, buchas vegetais, azulejos e linhas de croch�. O bordado � uma constante nas cria��es da artista. De acordo com Luciana, o ato de tecer ajuda a ingressar no estado meditativo que leva ao conhecimento interior.

“Quando tecemos, cada ponto � um passo � frente”, observa. Diz que ela pr�pria enfrenta, tecendo, os desafios que surgem – desde a linha embolada ao ponto que n�o ficou no lugar certo.

Presentes em quase todas as obras, os bordados v�o ressignificando cada pe�a. Buchas com pontos em linha vermelha, por exemplo, remetem �s bruxas condenadas ao fogo.

O tran�ado no tecido cru, por sua vez, d� forma a palavras e frases agressivas ouvidas constantemente por mulheres v�timas de viol�ncia.
 
Pequenos quadros criados por Luciana Hermont retratam cenas de violência doméstica, como homem enfiando cabeça de mulher em vaso sanitário

Pequenos quadros retratam a rotina de maus-tratos

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
 

"J� � um tema t�o pesado, vou tratar de forma agressiva? N�o d�"

Luciana Hermont, artista visual

Retratos do desamor

Em 20 pequenos quadros, Luciana Hermont retrata cenas de diferentes abusos. “Neles, tamb�m inseri o bordado. Depois, veio a ideia de colocar a bucha, material que nos remete, entre outras coisas, � ideia de limpeza. � como se eu quisesse fazer uma limpeza, clarear as coisas.”

A �nica obra que foge � est�tica predominante da mostra � a fotografia da porta colocada atr�s de um tijolo de vidro. Com ela, Luciana pretende mostrar �s v�timas que, embora dif�cil, � poss�vel p�r fim ao relacionamento abusivo.

A autora observa que o tijolo n�o � completamente transparente. Embora emba�ado, ele deixa vis�vel a sa�da por tr�s daquela “situa��o turva” enfrentada pelas mulheres submetidas � viol�ncia dom�stica.
 
“� muito dif�cil as v�timas sa�rem do relacionamento abusivo. Pelos relatos a que tive acesso e pelas pesquisas que fiz, parece que h� certo padr�o de comportamento dos agressores. No in�cio, eles se mostram simp�ticos, sedutores e at� carinhosos. Mas, de repente, partem para a agress�o. Depois, pedem perd�o, voltam a se comportar como antes e falam que nunca mais v�o fazer aquilo de novo. Contudo, acabam repetindo tudo. � um ciclo, e a pessoa se alimenta daquilo”, afirma.
 
Frase ninguém vai te amar como eu, bordada em linha preta sobre algodão cru, peça criada pela artista Luciana Hermont

Linha preta, em algod�o cru, revela o ciclo vicioso dos relacionamentos abusivos

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
 

Ainda que aborde tem�tica t�o delicada e sens�vel, Luciana explica que o faz sem agressividade, justamente para que as mulheres se identifiquem com as obras.

“J� � um tema t�o pesado, vou tratar de forma agressiva? N�o d�. Ent�o, tentei dar certa delicadeza e suavidade a um assunto t�o s�rio”, conclui.

“TECENDO A DOR”

Trabalhos de Luciana Hermont, em cartaz at� o pr�ximo s�bado (29/4). Museu de Artes e Of�cios (Pra�a Rui Barbosa, 600, Centro). Aberto de ter�a a sexta-feira, das 11h �s 16h30, e aos s�bados, das 9h �s 17h. Entrada franca. Informa��es: Instagram (@museudearteseoficiossesi) e (31) 3248-8600.