Rita Lee

A cantora Rita Lee faleceu nesta ter�a (9/5); comunicado foi feito pela fam�lia nas redes sociais da artista

Grupo Tom Brasil/Flickr

Rainha do Rock Brasileiro, Rita Lee foi muito mais do que mera roqueira. Certa vez, a cantora e compositora tachou de “cafona” esse reinado do rock que lhe deram – preferia ser a “Padroeira da Liberdade”. Rita morreu nessa segunda-feira (8/5), aos 75 anos, em S�o Paulo.
 
Com efeito. Ao longo de sua carreira, iniciada aos 19 anos, a paulistana transitou pelo rock, MPB, pop e bossa nova. Cantou com Jo�o Gilberto (1931-2019), a convite dele, e gravou com o g�nio baiano. Foi tropicalista e deixou sua marca registrada no cancioneiro rom�ntico nacional.

Tropicalista de carteirinha

De ascend�ncia norte-americana e italiana, Rita come�ou a carreira musical na banda Os Mutantes, expoente da Tropic�lia, movimento liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil que revolucionou a cultura brasileira nos anos 1960.

No disco de estreia dos Mutantes, lan�ado em 1968, ela participou da composi��o de cinco das 11 faixas. A garota loura n�o era, definitivamente, coadjuvante dos irm�os Arnaldo Baptista e S�rgio Dias. Rita foi coautora de “O rel�gio”, “Senhor F”, “Trem fantasma”, “Tempo no tempo” e “Ave Gengis Khan”.
 
Ver galeria . 3 Fotos Em 9 de setembro de 1975, o fotógrafo Evandro Santiago registrou para o EM show de Rita Lee em BHEvandro Santiago/Arquivo EM
Em 9 de setembro de 1975, o fot�grafo Evandro Santiago registrou para o EM show de Rita Lee em BH (foto: Evandro Santiago/Arquivo EM )
 

Quando o grupo lan�ou o LP “Mutantes” (1969), Rita contribuiu em nove das 11 faixas. Grande parte delas em parceria com Arnaldo, com quem se casaria em 1971.

A parceria se manteve no �lbum “Mutantes e seus cometas no pa�s dos baurets”, no ano seguinte.

Em 1972, Rita se separou de Arnaldo e, em seguida, foi convidada a se retirar da banda.

“O grupo rompeu por v�rios motivos. O Gil e o Caetano tinham sido exilados. Nossos gurus tinham ido embora. Falei para fazermos nosso som. Afinal, eles tinham nos ensinado tudo. Ensinaram a compor em portugu�s, fazer arranjo, cantar o Brasil. Mas o pessoal da banda decidiu ir para outro lado. Decidiram fazer m�sica progressiva tipo Yes, Emerson, Lake & Palmer. Eles eram �timos m�sicos e eu era a intuitiva da coisa.
Eu achava que podia tocar por intui��o. Comprava meus tecladinhos e tudo. Mas a� n�o podia. Tinha de ser uma coisa mais t�cnica”, contou Rita em entrevista ao programa “Gente de Express�o”, da extinta TV Manchete.

“A�, de repente, eles me convidaram a me retirar dos Mutantes. Comigo, acho que saiu o humor”, afirmou ela. Tampos depois, drogas e problemas psicol�gicos levaram Arnaldo a se atirar da sacada de um hospital onde estava internado, em 1982.

“O Arnaldo sempre foi o mentor dos Mutantes”, disse ela � Manchete. “Mas, na verdade, o S�rgio Dias e o Dinho Leme eram excelentes tamb�m. Eu era excelente tamb�m! (risos). Depois que os Mutantes terminaram, comecei meus pr�prios shows.

A� o Arnaldo aparecia na primeira fila e ficava fazendo sinal de negativo para mim. Dizendo que estava odiando. Ele me dinamitava. Eu j� n�o tinha muita seguran�a. Ele tinha um lado louco. Eu n�o sabia at� que ponto ele gostava de mim com uma obsess�o ou se era uma competi��o”.

Fato � que Rita foi ao hospital, chorando, quando o ex ficou entre a vida e a morte. Mas n�o fez segredo da rela��o conturbada com o ex-marido. Arnaldo “vende sua imagem de coitadinho, t�o apreciada pelas vi�vas e cr�ticos de m�sica”, escreveu a cantora em “Rita Lee: Uma autobiografia”, lan�ado em 2016 pela Globo Livros.

Com Lucinha e Tutti-Frutti

A ex-mutante montou a banda Tutti Frutti com a amiga Lucinha Turnbull, cujas primeiras apresenta��es foram mornas. “Atr�s do porto tem uma cidade” (1974), �lbum de estreia do grupo, n�o causou maiores impactos.

Mas as coisas mudaram com “Fruto proibido” (1975), LP que chamou a aten��o para Rita Lee. “Agora s� falta voc�”, “Esse tal de roque enrow” e “Ovelha negra”, faixas do �lbum, se tornaram cl�ssicos do rock nacional.

“Se n�o cantar ‘Ovelha negra’, n�o me deixam sair do palco”, brincou ela em entrevista ao Estado de Minas, em 2011.

Em 1976, come�ou o relacionamento de Rita com Roberto de Carvalho, com quem ficou casada at� o fim da vida. Foi com ele que a cantora e compositora passou a se apresentar depois que o Tutti Frutti se dissolveu, em 1979.
Na pris�o com Elis

Em 1976, Rita foi presa com as empres�rias e oito integrantes do Tutti-Frutti. De acordo com a vers�o da pol�cia, agentes foram � casa dela depois de receber den�ncias sobre uso de drogas, encontrando 300g de maconha, restos de cigarros e um narguil�.
 
Ver galeria . 6 Fotos Os Mutantes, em turnê feita em 1969O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas
Os Mutantes, em turn� feita em 1969 (foto: O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas )
 

Rita, por�m, garantiu que tudo n�o passou de arma��o do governo militar, pois n�o usava drogas e havia parado de fumar porque estava gr�vida de tr�s meses de Beto Lee.

O juiz, convencido pela promotoria de que a cantora feria a “moral e os bons costumes”, condenou-a � pris�o com o intuito de dar “exemplo para a juventude”.
Na cadeia, Rita recebeu apoio de muita gente. Elis Regina foi visit�-la, levando pela m�o o filho Jo�o Marcello B�scoli.

“Na �poca dos festivais da Record, Mutantes e Tropicalismo, Elis passava pela gente virando a cara. Ela fez parte daquela passeata contra a guitarra el�trica na m�sica brasileira. A �ltima pessoa que esperava que fosse me visitar na cadeia era a Elis”, contou Rita na live com o amigo Ronnie Von, em 2020.

“Quando o carcereiro falou: '�, Ovelha Negra, tem uma cantora famosa rodando a baiana, dizendo que vai chamar a imprensa. Ela quer te ver'. Fiquei esperando, n�o sei, uma Nossa Senhora do Rock, e, de repente, vejo a Elis com o Jo�o Marcelo. Ela soltou a m�o do filho e me deu um abra�o. Perguntou como eu estava, disse que estava muito magra. A� come�ou a falar duro com os policiais: 'O que voc�s est�o fazendo com ela?'", relembrou Rita.

“O que ela berrou, o que ela aprontou l� dentro! Voc� pensa que os caras falavam alguma coisa? N�o falavam nada. Ela, baixinha, cobrando: 'Eu quero um m�dico j�.

Se n�o vier j�, chamo a imprensa'. Ningu�m mexia com a Elis. Ela era do Olimpo. Que m�ezona! Mandou que comprassem comida para mim, deu dinheiro e ainda pediu troco (risos). Me ajudou como se fosse uma amiga de inf�ncia.”
Rita n�o ficou muito tempo na cadeia. No oitavo dia de reclus�o, apresentou-se � 20ª Vara Criminal para o julgamento. Foi condenada a um ano de pris�o domiciliar e multa de 50 sal�rios m�nimos.

Liberada para sair de casa a partir das 7h, n�o podia ser vista na rua ap�s as 19h. Eventualmente, podia fazer shows durante a noite, mas tinha de se submeter a exames toxicol�gicos depois de se apresentar.

Durante a pris�o domiciliar, comp�s “X 21”, inspirada em seus dias de c�rcere (a cela se chamava Xadrez 21). A can��o foi proibida pela censura.

Depois de cumprir pena, seguiu carreira com o Tutti Frutti. Em 1977, lan�ou com Gilberto Gil o disco “Refestan�a – Gilberto Gil e Rita Lee ao vivo”, gravado a partir da s�rie de shows que os dois fizeram juntos com as respectivas bandas (Tutti Frutti e Refavela). O disco foi o primeiro com a participa��o de Roberto de Carvalho, rec�m-aceito como tecladista do grupo.

O rompimento do Tutti Frutti ocorreu em 1979, quando o guitarrista Lu�s S�rgio Carlini, respons�vel por registrar o nome, decidiu abandonar os companheiros e levar a marca Tutti Frutti para seu novo projeto.

Dupla de sucesso com Roberto

Restou a Rita a partir para nova jornada com o marido. Foi um estouro. Ela e Roberto lan�aram o �lbum “Rita Lee” (1979), com os hits “Mania de voc�” e “Arrombou a festa II”. No ano seguinte, outro disco intitulado “Rita Lee” chegou cheio de sucessos – “Lan�a-perfume”, “Caso s�rio” e “�rra meu”.

Em 1980, a cantora recebeu um convite inusitado. A TV Globo preparava um epis�dio da s�rie “Grandes nomes” em homenagem a Jo�o Gilberto.

O pai da bossa nova, sem ter qualquer contato com ela, ligou e a convidou para gravarem “Jou jou Balangandans”, de Lamartine Babo.

Pensando se tratar de trote, Rita n�o deu a menor confian�a. Por pouco, n�o desligou o telefone na cara de Jo�o. S� se convenceu de que realmente falava com Jo�o Gilberto quando ele, com aquele jeito minimalista de cantar, come�ou a interpretar “Chega mais” ao telefone.

N�o havia mais d�vidas. Era, de fato, Jo�o do outro lado da linha. Mesmo insegura, ela aceitou o convite.

Da d�cada de 1980 a 2000, a carreira foi de vento em popa. No LP “Rita e Roberto” (1982), o casal sorridente parece estar dentro do mar. Vieram “Flerte fatal” (1987), “Zona zen” (1988), “Santa Rita de Sampa” (1997) e “Ac�stico Rita Lee” (1998), entre outros �lbuns.

Rita Lee vendeu mais de 55 milh�es de discos, ganhou o Grammy Latino de Melhor �lbum de rock em l�ngua portuguesa com “3001” (2001). Anos depois, em 2022, foi homenageada na cerim�nia do Grammy Latino, nos Estados Unidos, por sua contribui��o � m�sica.

A face feminista de Sampa


Com sua l�ngua afiada, personalidade forte e esp�rito libert�rio, Rita � a mais completa tradu��o da cidade de S�o Paulo, conforme escreveu Caetano Veloso em “Sampa”. Desde muito jovem, ela deixou claro em suas composi��es o apoio � independ�ncia feminina. Durante a ditadura militar, n�o se dobrou ao conservadorismo.

“Eu hoje represento a loucura/ Mais o que voc� quiser/ Tudo que voc� v� sair da boca/ De uma grande mulher/ Por�m louca!”, cantou ela em “Luz del fuego” (1975). “Toda mulher � meio Leila Diniz”, decretou em 1993.

Viol�ncia sexual


Em 2013, Rita anunciou a aposentadoria dos palcos. Mudou-se para um s�tio com o marido, em S�o Paulo, para “viver em paz e de forma an�nima”.
Contudo, em 2016 voltou aos holofotes para lan�ar “Rita Lee: uma autobiografia”. No livro, revelou ter sofrido viol�ncia sexual aos 6 anos.

Em 2021, ela mandou para as plataformas o single “Change”, parceria com Roberto.

Em 2022, juntou-se ao marido e ao filho Beto Lee para comp�r “Caos”, faixa do �lbum “Olho furta-cor”, dos Tit�s, banda em que Beto toca.

Ano passado, Rita anunciou em suas redes sociais que estava totalmente curada do “Jair” – nome dado ao c�ncer no pulm�o diagnosticado em 2021, alus�o ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em remiss�o desde ent�o, a cantora continuava a batalha para se recuperar das limita��es que os tratamentos contra a doen�a haviam causado em seu corpo.
 
Aos 75 anos, a artista veio a falecer em sua resid�ncia, em S�o Paulo, no fim da noite de ontem (8/5). Rita Lee deixa o marido e tr�s filhos, Beto, Jo�o e Ant�nio.

DISCOS


COM OS MUTANTES

Os Mutantes – 1968
Tropicalia ou Panis et circencis – 1968
Mutantes – 1969
Jardim el�trico – 1971
Mutantes e seus cometas no pa�s do baurets – 1972

COM TUTTI-FRUTTI


Atr�s do porto tem uma cidade – 1974
Fruto proibido – 1975
Entradas e bandeiras – 1976
Babil�nia – 1978

COM GILBERTO GIL

Refestan�a – 1977

COM ROBERTO CARVALHO


Rita Lee – 1979
Rita Lee – 1980
Sa�de – 1981
Rita Lee e Roberto de Carvalho – 1982
Bom Bom – 1983
Flerte Fatal – 1987
Zona zen – 1988
Rita Lee em Bossa'n Roll – 1991
Rita Lee –1993
Love Lee Rita – 1996
Santa Rita de Sampa – 1997
Ac�stico MTV – 1998
3001 – 2000
Aqui, ali em qualquer lugar – 2001
Balacobaco – 2003
MTV ao vivo Rita Lee – 2004
Multishow ao vivo – 2009
Reza – 2012