Rita Lee

Rita era considerada a "rainha do rock nacional", embora ela n�o gostasse do r�tulo

Marcos Hermes/Divulga��o
“Ainda n�o havia para mim Rita Lee/ A tua mais completa tradu��o”, declarou Caetano Veloso nos versos de “Sampa”, citando a cantora e compositora nascida na Vila Mariana, em S�o Paulo, como �cone maior da rica miscigena��o que caracteriza a cena cultural da capital paulista.

Morta nessa segunda-feira (8/5), aos 75 anos, Rita Lee passou a maior parte de sua trajet�ria art�stica sendo chamada de “rainha do rock”. Com raz�o, j� que a artista foi n�o apenas o maior expoente do g�nero no pa�s, como tamb�m lan�ou m�o de sua intelig�ncia musical para emprestar ao estilo trejeitos mais brasileiros. Mas reduzi-la a esse t�tulo � pouco para os feitos de Rita, cujo toque deixou marcas fundamentais na m�sica popular brasileira.

O pai da bossa nova, Jo�o Gilberto, encantou-se pelo cantar de Rita Lee - atributo do qual ela mesmo duvidava. “Jo�o Gilberto me ensinou que eu era uma roqueira com voz de bossanoveira. Jamais vou esquecer como ele foi generoso comigo”, comentou a artista quando Jo�o morreu, em 2019. 

Em 1980, Jo�o Gilberto convidou Rita para cantar com ele em um especial de tev�. A dupla dividiu o microfone em “Jou Jou Balangandans”, cl�ssico de Lamartine Babo, em uma performance repleta de sussurros e sutilezas. Dois anos depois, quando comp�s “Brasil com S” com Roberto de Carvalho, Rita convidou o mestre para gravar a faixa com ela. A can��o est� no �lbum “Rita Lee e Roberto de Carvalho”, de 1982.


“A gente fez (a m�sica) pensando nele mesmo. Eu sou t�mida � be�a e at� chegar nele foi um custo. Mas ele disse: ‘� l�gico’. Eu mandei a fitinha, ele gostou, achou parecido com ele, com a gente, a roqueira e o bossanoveiro, e foi bom demais. Ele gravou um viol�o que ‘sai da frente”, declarou Rita � �poca. Os versos dizem: “Que terra linda assim n�o h�/ Com ticos-ticos no fub�/ Quem te conhece n�o esquece/ Meu Brasil � com S”.

S� pra deitar e rolar com voc�


Ao longo da vida, Rita Lee manteve amizades e parcerias musicais com os nomes mais incensados da MPB. Um dos encontros mais lembrados - e inesperados - foi com a cantora Elis Regina, morta em 1982. Representante da ala mais conservadora da m�sica brasileira nos anos 1960, e avessa �s guitarras el�tricas do grupo de roqueiros e tropicalistas do qual Rita fazia parte, Elis demonstrou sua sororidade ao visitar a paulistana na pris�o em 1976.

A roqueira estava gr�vida de seu primeiro filho, Beto, e havia sido detida supostamente por porte de maconha. Elis levantou a voz contra a pris�o da colega, em plena ditadura militar, e a cumplicidade das duas seguiu at� o fim da vida da int�rprete ga�cha. Ap�s alguns dias no c�rcere, Rita acabou condenada a um ano pris�o domiciliar, acrescido de pagamento de multa.


Foi para Elis que o casal Rita e Roberto de Carvalho comp�s a can��o “Doce de pimenta”. Tamb�m da dupla, a irreverente “Al�, al�, Marciano” foi feita sob encomenda para Elis, que a transformou em um de seus maiores hits no alvorecer dos anos 1980. Filha ca�ula de Elis, nascida em 1977, Maria Rita foi batizada em homenagem � cantora.

Em 1998, Rita convidou o amigo de longa data Milton Nascimento para dividir com ela uma das can��es de seu “Ac�stico MTV”. A escolhida foi “Mania de Voc�”, parceria com Roberto e um dos maiores sucessos da carreira da artista. Rita deixou Milton deitar e rolar em sua interpreta��o, dando � m�sica uma roupagem completamente nova. O clima de amizade e cumplicidade dos dois rendeu um dos duetos mais poderosos e marcantes daquela d�cada. Nas redes sociais, Milton escreveu: “Muito triste com a partida da minha querida amiga Rita Lee”.

Em ritmo de festa


Outro medalh�o da MPB que manteve forte rela��o afetiva com Rita Lee foi Gilberto Gil. Em 1967, ano da eclos�o do tropicalismo comandado por ele e Caetano Veloso, Gil convidou Os Mutantes, banda de Rita com os irm�o Arnaldo Baptista e S�rgio Dias, para dividirem com ele a interpreta��o de “Domingo no Parque”, no 3º Festival de M�sica Popular Brasileira, da TV Record, com arranjo modernista do maestro Rog�rio Duprat. Adicionando elementos do rock e pitadas de psicodelia a uma atmosfera profundamente brasileira, a can��o levou o segundo lugar no certame, colocando os tropicalistas para sempre em evid�ncia. 

No �lbum “Tropic�lia ou Panis et Circencis”, de 1968, a jovem Rita, com 20 anos, aparece na capa ao lado de Gal Costa, Tom Z�, Caetano, Gil e Os Mutantes, consolidando a rela��o musical simbi�tica com o tropicalismo que perdurou por toda a sua trajet�ria.


Tanto que, anos mais tarde, ela e Gil voltaram a se encontrar na turn� conjunta “Refestan�a”, que gerou �lbum ao vivo lan�ado em 1977. Tanto Rita quanto Gil haviam sido presos no ano anterior por porte de drogas. “Comadre Rita, Anibal, cabrinha, caprichosa capricorniana, amiga... Descansa, minha irm�. Amo voc�”, lamentou Gil nas redes sociais.

Com seu deboche �nico, Rita Lee provocou a MPB em sua “Arrombou a festa”, parceria com Paulo Coelho que cita com bastante ironia nomes como Wilson Simonal, Martinho da Vila, Raul Seixas, Roberto Carlos, Odair Jos� e Celly Campelo. “Ai, ai, meu Deus/ O que foi que aconteceu/ Com a M�sica Popular Brasileira?”, diz a letra da faixa, que ganhou uma segunda vers�o em 1979, trazendo para a festa Alcione, Cauby Peixoto, Faf� de Bel�m e Ney Matogrosso, entre outros.

A provoca��o era uma homenagem: Rita Lee admirava os colegas e emprestou sua aura para a MPB. Ela cantou com Roberto e Erasmo, Gal e Beth�nia, comp�s com Cazuza, Ed Motta e Z�lia Duncan, desaguou em Marina Lima, Paula Toller, Tit�s, Marisa Monte, C�ssia Eller e todos os que vieram depois dela. Rita Lee n�o foi apenas a mais completa tradu��o de S�o Paulo: � a compositora feminina mais prestigiada e referencial do pa�s ao longo das gera��es. Saudades do Brasil de Elis Regina, Jo�o Gilberto, C�ssia Eller, Gal Costa, Erasmo Carlos e Rita Lee.