Os atores Roderick Himeros (Felizardo), Ricardo Bittencourt (Pozzo), Tony Reis (Mensageiro), Marcelo Drummond (Estragão) e Alexandre Borges (Vladimir) durante ensaio em BH

Os atores Roderick Himeros (Felizardo), Ricardo Bittencourt (Pozzo), Tony Reis (Mensageiro), Marcelo Drummond (Estrag�o) e Alexandre Borges (Vladimir) durante ensaio em BH

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Esperar pelo grande amor, pela mudan�a de emprego, para ganhar mais dinheiro, para conseguir comprar a casa pr�pria. O ser humano, de maneira geral, vive de grandes esperas – a maioria delas n�o d� em nada, sejamos realistas.

“Sou muito antimessi�nico, n�o gosto de ficar esperando uma coisa que n�o vem. Temos que fazer acontecer.” Este � Jos� Celso Martinez Corr�a, do alto de seus 86 anos, o mais importante encenador teatral do Brasil em atividade. Apenas ele, dizem seus atores, poderia mexer em um c�none. “Esperando Godot” (1952), principal obra do dramaturgo irland�s Samuel Beckett (1906-1989), em montagem do Teatro Oficina, traz uma virada na parte final. Mas o texto integral est� em cena, vale dizer.

“A gente faz, de alguma forma, um ‘desesperando’ Godot. Isso tem a ver com a hist�ria de ou voc� faz alguma coisa, ou voc� dan�a”, afirma o ator Ricardo Bittencourt, int�rprete de Pozzo, palha�o tragic�mico que cruza o caminho da dupla Vladimir (Alexandre Borges) e Estrag�o (Marcelo Drummond), os palha�os vagabundos que esperam por algu�m que nunca vir�.

Pandemia

Primeira montagem do Oficina durante a pandemia, “Esperando Godot” ser� apresentada de hoje (12/5) a domingo (14/5), no Sesc Palladium. Esta vers�o, a segunda do texto de Samuel Beckett que Z� Celso dirige (a primeira foi 20 anos atr�s, no Rio de Janeiro), estreou no Sesc Pompeia, em S�o Paulo, em 30 de abril de 2022, o dia dos 85 anos dele. Houve uma segunda temporada, no pr�prio Oficina, tamb�m no ano passado.

A vinda a Belo Horizonte representa um desafio: pela primeira vez, a pe�a ser� encenada no palco italiano. O elenco chegou � cidade no in�cio da semana para os ajustes – Z� Celso apenas ontem, no fim da tarde, para acompanhar o ensaio geral.

Ele estar� na plateia nesta sexta-feira � noite, retornando a S�o Paulo amanh�. Ter� a companhia de patax�s, grupos de congado e de integrantes do M�es da Favela, programa da Central �nica das Favelas (Cufa).

Alexandre Borges se aproximou da Cufa durante a crise sanit�ria – esteve inclusive em BH, no ano passado, visitando os patax�s. “Como haver� distribui��o de cestas b�sicas, vamos trazer todos para assistir � pe�a”, conta o ator.
 

Em ess�ncia, “Esperando Godot” � um espet�culo muito simples. Estrag�o e Vladimir se encontram no fim do mundo, na encruzilhada entre a paralisia e a tomada da a��o. Enquanto esperam Godot, que nem sequer sabem quem ou o que �, se encontram com Pozzo e Felizardo (o Lucky do texto original, agora rebatizado, � interpretado por Roderick Himeros). O Mensageiro (Tony Reis) trar� a not�cia final que mudar� a todos.

“� uma pe�a at�pica do Oficina, que sempre tem uma multid�o no elenco. Mas como est�vamos retomando depois da pandemia, tivemos de fazer algo reduzido. O Oficina sempre trabalha para cima (no espa�o-sede projetado por Lina Bo Bardi, sem palco, o lugar da cena � como uma rua estreita e comprida, com arquibancadas laterais). Aqui, ser� outro �ngulo. Ent�o, estamos reaprendendo a fazer isso. Agora, s� vamos descobrir de fato com o p�blico”, diz Marcelo Drummond.
 
Ator Marcelo Drummond usa chapéu-coco e está sentado sobre mala na peça Esperando Godot

Ator Marcelo Drummond diz que ser� um desafio montar 'Esperando Godot' no palco italiano. 'Estamos reaprendendo a fazer isso. Agora, s� vamos descobrir de fato com o p�blico', diz ele

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
 

Conex�o com a plateia

Mesmo que “Godot” n�o tenha o “carnaval” t�pico das cria��es de Z� Celso – que veio � cidade pela �ltima vez em 2016, no mesmo Sesc Palladium, durante a Virada Cultural, com a pe�a “Para dar um fim no ju�zo de Deus” –, haver� alguma intera��o com o p�blico, em especial com o Felizardo de Roderick.

“Mas como � uma pe�a que fala muito da solid�o, a troca que existe � entre a solid�o da plateia e dos personagens. � importante a pessoa (o p�blico) se sentir tamb�m � espera”, comenta Borges.

O ator retorna a uma montagem do Oficina 30 anos depois de sua estreia com o grupo, em “Ham-Let” (1993), que tamb�m marcou a abertura do espa�o-sede tal como � hoje, no bairro Bela Vista. Na �poca, Borges interpretou o rei Cl�udio, tio de Hamlet, papel de Drummond.

“O Oficina mudou meu jeito no palco, foi uma virada muito grande. Eu vinha de outro grupo, Boi Voador, de origem mais cerebral. O Z� joga a gente, te p�e na roda. E ‘Esperando Godot’ sempre me fascinou. Sempre achei que ia fazer a pe�a, desde que vi o texto pela primeira vez num filme (franc�s, de 1989, dirigido por Walter D. Asmus), em que o (Roman) Polanski fazia o Lucky. Tem pe�as e personagens que a gente sente que ainda vai fazer”, afirma Borges.

Qual o sentido de montar “Godot” hoje? O elenco tem m�ltiplas respostas. “Faz sentido mont�-la em qualquer momento. Quando estreamos (h� um ano), era o momento pol�tico de esperar aquele neg�cio cair (o governo Bolsonaro) para vir outra coisa. Mas tamb�m n�o depende de uma situa��o pol�tica. � humano mesmo. Hoje, andando, encontro um monte de gente nas ruas esperando algo. S�o vidas e vidas que v�o indo sem nada acontecer de fato”, comenta Drummond.

Destrui��o do mundo

Borges observa que quando o texto foi lan�ado, a Europa vivia o per�odo p�s-2ª Guerra. “O Beckett pegou essa coisa no ar, da total destrui��o do mundo, e escreveu uma pe�a barata, simples, com cinco atores praticamente esfarrapados em uma eterna espera absurda. E o quanto � absurda a nossa vida no s�culo 21, com Guerra da Ucr�nia, a quantidade de sem teto em todas as cidades do Brasil depois da pandemia, dinheiro sendo desviado, pessoas invadindo escolas para matar crian�as. Se a gente quiser enxergar, as coisas est�o a� e v�m para real�ar o absurdo da nossa exist�ncia.”
 
Tony Reis aproveita a brecha deixada por seu personagem, o Mensageiro. “Se a gente n�o se tocar e fizer algo com nossos pr�prios p�s, nada vai acontecer, n�o haver� um salvador”, afirma o ator.

Roderick chama a aten��o para a intelig�ncia de Z� Celso ao lidar com esta montagem. “Minha personagem, o Felizardo, � como um servo de sua dupla (o Pozzo). Ele tem s� uma fala no espet�culo, um grande mon�logo. Diz que mesmo com os progressos da ci�ncia, da alimenta��o, as pessoas est�o definhando. O personagem entra em cena usando a mala do iFood. Isso mostra como, em um trabalho, a pessoa se destr�i para atender os desejos das minorias. Ou seja, a pe�a n�o fica no p�s-guerra, o Z� a colocou no agora, mas sem precisar mudar o texto, apenas fazendo isso no jogo entre os atores e na concep��o das personagens”, finaliza o ator.

Ind�genas no novo espet�culo

Os atores t�m vontade de levar o espet�culo para outras cidades mas, por ora, “Esperando Godot” ser� apresentada somente em BH. Z� Celso j� tem outra montagem na manga para o Oficina. Est� terminando de adaptar “A queda do c�u: Palavras de um xam� yanomami”, calhama�o de mais de 700 p�ginas de Davi Kopenawa e Bruce Albert. “Depois de terminar a montagem do texto, vamos dar in�cio � parte mais dif�cil, pois  parte do elenco ser�  ind�gena. Branco, s� tem garimpeiro, mission�rio e funcion�rio da Funai. Temos que encontrar bons atores (ind�genas) para fazer Kopenawa e os outros”, comenta Z� Celso. A montagem ser� dirigida por ele e Roderick Himeros.

“Esperando Godot”

Com Teatro Oficina. Dire��o de Jos� Celso Martinez Corr�a. Nesta sexta (12/5) e s�bado (13/5), �s 20h, e domingo (14/5), �s 18h, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Plateia 1: R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia). Plateia 2: R$ 100 e R$ 50. Plateia 3: R$ 80 e R$ 40. Ingressos � venda na bilheteria e no site sympla.com.br. Dura��o: tr�s horas e 30 minutos, com intervalo de 15 minutos.