Martinho da Vila criou sua �pera sob inspira��o de "Pell�as et Melisande", composta por Claude Debussy
Miro/divulga��o
A bela faixa orquestral que abre “Negra �pera”, novo �lbum de Martinho da Vila, � variada e contrapont�stica. Nada faz supor no clima dessa “Abertura”, entretanto, a tem�tica que viria a se tornar central no disco.
N�o apenas a presen�a de uma introdu��o instrumental, mas igualmente o fato de Martinho remeter a certa ideia de �pera, faz o disco apostar em uma continuidade que perpassa as can��es antigas e atuais encadeadas ao longo de suas 12 faixas.
A �pera negra de Martinho � tr�gica. Sua ess�ncia est� na s�tima faixa, que poderia ser o prel�dio de seu “segundo ato”. Transformada em “�ria popular” para “tenor” e “bar�tono”, tendo ao fundo apenas o viol�o de Cl�udio Jorge, “Acender as velas”, de Z� Keti (1921-1999), tem interpreta��o arrasadora de Martinho em dueto com Chico C�sar.
No morro, “n�o tem autom�vel pra subir”, “n�o tem telefone pra chamar”, “n�o tem beleza pra se ver”, e “a gente morre sem querer morrer”. “Negra �pera” � um �lbum sobre a morte fortuita, gratuita, desnecess�ria.
Alegria melanc�lica e ir�nica
Essa abordagem em que o poeta se desdobra sobre destino, vida e morte – muitas vezes a partir de uma alegria melanc�lica, a seu modo ir�nica – n�o deveria surpreender os ouvintes de samba: ela est� na raiz do g�nero, de Cartola e Noel Rosa a Ivone Lara, Paulinho da Viola e Martinho da Vila.
Com as filhas Mart'n�lia no vocal e Ma�ra Ferreira em performance sofisticada ao piano, “Malvadeza Dur�o” (tamb�m de Z� Keti) narra hist�ria de crime passional no morro, em que “o criminoso ningu�m viu”. Z� Keti cantou um dia “eu sou o samba”, que Martinho cita; Mart'n�lia, por�m, tira as aspas e, num giro lingu�stico, escuta a voz sussurrante-ressoante do pai como pura a��o: “o samba � tu”.
N�o apenas do drama cantado, das “�rias”, vivem as �peras, mas tamb�m de “recitativos”, trechos de canto falado que fazem andar a a��o teatral. Em “Negra �pera”, Martinho faz isso de duas maneiras: antes de tudo, pela “�pera dentro da �pera”, isto �, quando explicita, como narrador, o contexto por tr�s das personagens cujas hist�rias nos s�o ofertadas.
Mas n�o s�: algumas faixas rompem com o melodismo h�brido do samba. A harmonia tonal � praticamente retirada, atabaques a agog�s emergem ao primeiro plano, e o coro vocal vira protagonista.
Duas composi��es in�ditas refor�am esse car�ter recitativo: “Exu das sete”, cantada com seu filho Preto Ferreira, e “Dois de ouro”, que se assemelha a cantigas de capoeira antigas – “�, berimbau/ Uma corda de a�o e um arco de pau”, ele canta.
O estilo recitado surge tamb�m em sua vers�o de “M�e solteira”, de Wilson Batista e Jorge de Castro, hist�ria do suic�dio da porta-bandeira Maria da Penha – com sonoridade vazia, a voz em di�logo com o solit�rio contrabaixo ac�stico tocado com arco por Jo�o Rafael.
Embora escrita h� 60 anos, “Diacu�” permaneceu in�dita at� aqui. O poeta assume, em primeira pessoa, a triste voz do sertanista que se casou com a ind�gena do povo kalapalo, morta aos 20 anos como consequ�ncia de um parto.
Martinho ainda regrava duas can��es autorais, “Linda Madalena”, samba rural presente em “Nossas palavras”, de 1983, em que a protagonista acaba ficando com Chico Pacato ap�s a morte misteriosa do Z� do Amarrado, e “A Serra do Rola Mo�a”, do disco “Cora��o malandro”, de 1987, aqui em dueto com Renato Teixeira, feita a partir de poema de M�rio de Andrade.
Completam o �lbum o c�lebre samba enredo “Her�is da liberdade”, de Mano D�cio da Viola, Manoel Ferreira e Silas de Oliveira, censurado no carnaval de 1969, a sensacional “Timb�”, de Ramon Russo, em modo menor, com sabor marajoara e participa��o do rapper Will Kevin, gravada por Jamel�o em 1957, e “Iracema”, opus tragicus de Adoniran Barbosa (1910-1982), que fecha o disco.
Inspirado em seu livro autoral “�pera negra”, de 2001, e na experi�ncia de ter assistido em Paris a “Pell�as et Melisande”, a �nica �pera escrita por Claude Debussy (1862-1918), “Negra �pera” mostra Martinho da Vila – nome fort�ssimo da exitosa gera��o octogen�ria da MPB – pensante, criativo, s�bio.
capa do disco Negra opera tem anjos barrocos negros sobre fundo azul
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