Encontro no supermercado � estopim de crise na pe�a "Gargalhada selvagem"
Montagem do texto de Christopher Durang em que personagens embaralham suas crises em sonhos e del�rios estreia nesta sexta-feira (9/6) em Belo Horizonte
Rodrigo Fagundes e Alexandra Richter protagonizam a pe�a, que tem sess�es hoje e amanh�, no Centro Cultural Unimed-BH Minas T�nis Clube
Leekyung Kim/Divulga��o
Chico Buarque apresentou em 1967 uma can��o que ficou marcada como um dos principais hinos de protesto contra a ditadura militar brasileira (1964-1985). Insatisfeito com os rumos que o pa�s seguia � �poca, ele decidiu iniciar “Roda viva” com os versos: “Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu / A gente estancou de repente / Ou foi o mundo ent�o que cresceu”.
Embora tenham um indissoci�vel car�ter pol�tico, os versos do compositor carioca caem como uma luva para descrever as ang�stias atemporais que vivem os personagens da pe�a “Gargalhada selvagem”, escrita pelo norte-americano Christopher Durang e cuja montagem brasileira ser� apresentada neste fim de semana em Belo Horizonte, com sess�es hoje (9/6) e s�bado (10/6), no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas T�nis Clube.
"O comediante, especialmente o que tem uma veia popular, tem uma caracter�stica maravilhosa que � n�o ficar psicologizando a cena. Ou seja, para subir em uma mesa, ele n�o fica imaginando a hist�ria pregressa do personagem e o que o levou a subir naquela mesa. Ele simplesmente sobe na mesa"
Guilherme Weber, diretor
Guilherme Weber � quem assina a adapta��o e a dire��o da encena��o. Escrita no final da d�cada de 1980, “Gargalhada selvagem” se filia ao chamado teatro camp ou teatro queer, subg�neros da dramaturgia caracterizados pelo tom par�dico e provocativo.
Na pe�a, um encontro fortuito e um tanto ou quanto desagrad�vel entre um homem e uma mulher (ambos sem nomes) num supermercado acaba fazendo com que um habite os sonhos e pesadelos do outro, de modo que se sintam, de fato, como que estancados de repente.
A pe�a tem in�cio com um mon�logo da mulher, interpretada pela atriz Alexandra Richter: “Quero falar sobre a vida. � muito dif�cil estar vivo, n�o �?”, diz a personagem. Sua percep��o est� relacionada ao fato de ela ser uma atriz fracassada, dependente de �lcool e com rompantes esquizofr�nicos, nos quais confunde del�rio e realidade.
R�TULO Em formato semelhante � com�dia stand-up, a personagem de Alexandra conta com detalhes sobre o encontro fortuito com o homem (vivido por Rodrigo Fagundes). Os dois estavam em um supermercado, ela tentava pegar uma lata de atum, mas foi impedida por ele, parado em frente � prateleira, lendo o r�tulo de uma das embalagens.
Ela espera, reclama e se queixa para que o homem escute. Mas nada de receber dele aten��o. Por fim, desiste e vai embora, mas n�o sem antes o acertar com um golpe na cabe�a, deixando-o at�nito, sem saber o que houve.
Depois do mon�logo da mulher, � a vez de o homem contar sua vers�o da hist�ria, tamb�m em formato que se assemelha ao stand-up comedy. O p�blico percebe, ent�o, que ele n�o � o babaca mesquinho descrito pela mulher, e sim algu�m completamente perdido, num estado de letargia decorrente de fracassos recentes em sua vida.
Ele � bissexual, casado com Beto (�nico personagem que tem nome, papel de Joel Vieira). E, assim como a mulher, � um ator em crise. No entanto, depois de fazer um “curso de personalidade”, decide viver movido por pensamentos positivos.
Ele � esfor�ado, � verdade. Mas, claramente, tem problemas para colocar em pr�tica sua atitude positiva em rela��o � vida. Seus pensamentos continuam girando em torno de medos, irrita��es e revolta com atos de injusti�a.
O reencontro dos dois protagonistas ocorre no segundo ato - � quando o personagem de Joel tamb�m entra em cena. Nesse momento, a pe�a assume um car�ter on�rico. Sonho e realidade se confundem em cenas recriadas pelos protagonistas no intuito de se reconciliarem, deixando a plateia sem saber se aquilo, de fato, ocorre ou � del�rio de algum personagem.
Inicialmente, os dois recriam a cena do supermercado, experimentando diferentes rea��es que poderiam ter tido no intuito de mudar o desfecho. No entanto, a cena sempre termina mal, com os dois em p� de guerra.
“O espet�culo vai sendo constru�do de uma maneira que quem est� assistindo fica naquela: ‘Isso est� realmente acontecendo ou � um pesadelo que eles est�o vivendo?’ Porque � sempre aquela coisa de um p� l� na realidade e outro fora”, afirma Fagundes.
O car�ter non sense da pe�a se intensifica quando o homem e a mulher contam os sonhos que est�o tendo - coincidentemente s�o os mesmos - e, em seguida, um come�a a habitar o sonho do outro. No meio dessa desordem, os conflitos v�o se desenrolando entre os dois, at� eles encontrarem um ponto de calma, que d� respiro ao ritmo da pe�a.
“Esse espet�culo � uma com�dia, mas � tamb�m uma pe�a provocante. � �cida, levanta quest�es pertinentes ao comportamento de hoje em dia, com essa busca de felicidade que a gente quer encontrar a todo custo, enquanto o mundo vai falindo ao nosso lado o tempo todo”, comenta Fagundes.
Os personagens s�o complexos. Enquanto o homem � uma pessoa depressiva que tenta assumir uma personalidade que claramente n�o � a dele, a mulher assume o papel de uma “Karen”, termo que os norte-americanos cunharam para se referir a mulheres de classe m�dia, loiras e cheias de preconceitos.
“A mulher da pe�a � uma Karen em estado de f�ria, em crise. Mas, como n�s somos provocadores e o mundo � feito de subjetividades e de contradi��es, ela �, ao mesmo tempo, hiper sedutora. � uma mulher que a gente ama na crise, porque a gente se projeta nela durante nossas crises. A�, de repente, a gente percebe que ela est� fazendo piadas homof�bicas e que � uma mulher desequilibrada”, diz Weber, o diretor da pe�a.
Para al�m da cr�tica social, “Gargalhada selvagem” �, ao mesmo tempo, uma par�dia do teatro do absurdo e uma homenagem a todos os subg�neros da com�dia. Em um �nico espet�culo, est�o condensados stand-up comedy, piadas de internet e as com�dias de vaudeville, de bord�o e de situa��o.
O elenco foi escolhido a partir dessa ideia de homenagem �s diferentes possibilidades narrativas que a com�dia prop�e. Fagundes e Alexandra, por exemplo, ganharam visibilidade com seus quadros no humor�stico popular “Zorra total”, da TV Globo - Fagundes foi quem criou e deu vida ao Patrick, do famigerado bord�o: “Olha a faca!”.
Joel Vieira, por sua vez, vem de outra vertente do humor. Come�ou na internet e, desde 2019, � ator convidado do Porta dos Fundos.
“Eu fiquei com esse fetiche de deslocar um int�rprete para outro lugar, ao qual ele n�o est� acostumado e no qual o p�blico tamb�m n�o est� acostumado a v�-lo. Esse encontro de tr�s comediantes dessas diferentes escolas populares me pareceu muito saboroso para uma com�dia queer e underground”, aponta o diretor.
Foi a primeira vez que Weber trabalhou com tantos comediantes reunidos. E, conforme afirma, notou neles uma caracter�stica que os diferencia dos demais atores. “O comediante, especialmente o que tem uma veia popular, tem uma caracter�stica maravilhosa que � n�o ficar psicologizando a cena. Ou seja, para subir em uma mesa, ele n�o fica imaginando a hist�ria pregressa do personagem e o que o levou a subir naquela mesa. Ele simplesmente sobe na mesa”, cita o diretor.
“� aquela coisa do palha�o, que n�o imp�e barreiras entre ele e a cria��o; entre ele e a comunica��o; e entre ele e a gargalhada. Se for para escorregar e cair, ou levar �gua na cara, ele topa. Isso acaba dando muito menos trabalho para o diretor e tamb�m inspirando muito mais o diretor”, conclui.
“GARGALHADA SELVAGEM”
De: Christopher Durang. Adapta��o e dire��o: Guilherme Weber. Com Rodrigo Fagundes, Alexandra Richter e Joel Vieira. Nesta sexta-feira (9/6), �s 21h; e s�bado (10/6), �s 20h. No teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas T�nis Clube (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos � venda por R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), na bilheteria do teatro e pelo site do Eventim. Mais informa��es: (31) 3516-1360.
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