Dublador Mario Filio fala ao microfone

Mario Filio, dublador do l�mure de 'Magadascar' e do Ursinho Puff, teme a extin��o da profiss�o

Alfredo Estrella/AFP
 

'Estamos lutando contra um monstro muito grande'

Mario Filio, dublador e locutor



O advento da intelig�ncia artificial generativa, capaz de criar vozes sint�ticas que se diferem muito pouco das humanas, amea�a o emprego de locutores, dubladores e narradores de audiolivros que, ironicamente, alimentam essa tecnologia que poderia acabar com o seu sustento.

“Estamos lutando contra um monstro muito grande”, diz o dublador e locutor Mario Filio, cuja criatividade ficou imortalizada na trilha sonora da anima��o “Madagascar”, com seu refr�o pegajoso “Eu me remexo muito!”, na vers�o em portugu�s.

O verso original e t�tulo da can��o era “I like to move it”, em ingl�s. Mas Filio, que dublou a voz do festeiro l�mure Rey Julien na vers�o em espanhol para a Am�rica Latina, e a respons�vel musical do filme idealizaram a adapta��o, que se transformou em hit.
 
Este mexicano, que deu voz a Will Smith e a personagens como Obi-Wan Kenobi (“Star Wars”), Ursinho Puff e Miss Piggy (“Muppets”), afirma que nunca recebeu royalties por aquele sucesso. Mas isso � uma quest�o menor diante do desafio que representa a IA generativa, que cria textos, imagens, v�deos e vozes utilizando conte�do existente, sem interven��o humana.

Sob o lema “N�o roubem nossas vozes”, 20 associa��es e sindicatos de Europa, Estados Unidos e Am�rica Latina criaram a Organiza��o das Vozes Unidas (OVU), que incentiva projetos de lei para harmonizar a intelig�ncia artificial (IA) e a cria��o humana.

“O uso indiscriminado e n�o regulamentado” de IA pode extinguir um “patrim�nio art�stico de criatividade que as m�quinas n�o podem criar”, adverte a OVU.

Artistas da voz contra a m�quina

Os artistas da voz j� competiam com a ferramenta Text To Speech (TTS), que faz a locu��o de textos, mas com dic��o robotizada, utilizada em assistentes como Alexa e Siri.

Por�m, a IA adicionou o machine learning (aprendizagem de m�quina), com o qual um software pode comparar uma amostra de voz com milh�es existentes, identificando padr�es que geram um clone.

“Ela se alimenta com vozes que estivemos gravando por anos”, explica Dessiree Hern�ndez, presidente da Associa��o Mexicana de Locutores Comerciais.

“Falamos do direito humano de usar a voz e a interpreta��o sem o seu consentimento”, acrescenta.
 

'Quero ser parte desta revolu��o, mas n�o a qualquer pre�o'

Maclovia Gonz�lez, locutora mexicana

 

Plataformas como o revoicer.com oferecem ampla gama por mensalidades de US$ 27 (cerca de R$ 129), uma fra��o do que cobrariam os profissionais. Em seu site, alega que “n�o pretende substituir as vozes humanas”, mas oferecer uma alternativa vantajosa.

Embora as empresas tecnol�gicas continuem contratando int�rpretes, profissionais do setor suspeitam que isso seja apenas para alimentar arquivos, buscando ferramentas para rastrear suas vozes diante da pirataria cada vez mais sofisticada.

Os profissionais da voz defendem a cria��o de leis que impe�am que seus registros sejam usados para treinar a IA sem o seu aval e imponham “cotas de trabalho humano”, detalha o locutor colombiano Daniel S�ler de la Prada, que liderou o lobby da OVU nas Na��es Unidas e na Organiza��o Mundial de Propriedade Intelectual.

M�xico e Argentina se mobilizam

No M�xico, meca da dublagem na Am�rica Latina, tamb�m foi apresentado um projeto de lei para regulamentar essa tecnologia.

Na Argentina, lei limita a locu��o a pessoas com diploma, o que a m�quina n�o tem, observa Fernando Costa, que luta contra o slogan “N�o utilize mais locutores, n�o gaste” junto do Sindicato Argentino de Locutores e Comunicadores.

Por�m, a IA abre infinitas possibilidades. No futuro, por exemplo, a voz real de Will Smith poderia ser ouvida em diversos idiomas, mas com a entona��o de um dublador, aponta Filio, ap�s conversas com executivos do setor. N�o seria ruim se gerasse emprego e o p�blico ganhasse com isso. “Mas precisamos receber de forma justa”, assinala Filio.

A AFP fez contato com seis empresas de servi�os de voz sint�tica, sem obter respostas. 

Uma cl�usula contratual indica que a cess�o de direitos inclui “meios e m�todos que n�o existam ou n�o sejam conhecidos (...) e possam surgir no futuro”, o que os trabalhadores do setor consideram abusivo.

'Falamos do direito humano de usar a voz e a interpreta��o sem consentimento'

Dessiree Hern�ndez, presidente da Associa��o Mexicana de Locutores Comerciais

 
Maclovia Gonz�lez, locutora mexicana para marcas renomadas, negocia com uma companhia de IA. Ela tem feito muitos questionamentos para n�o colocar em risco o ganha-p�o, caso assine o contrato, mas n�o obteve informa��es completas, a n�o ser uma promessa de royalties.

Desde que a contataram h� cinco meses, outros locutores foram contratados. “Quero ser parte desta revolu��o, mas n�o a qualquer pre�o”, explica.

Procura por vozes sint�ticas deflagra alerta 

O alarme tamb�m soou em Art Dubbing, onde s�o feitas dublagens de conte�dos crist�os, depois que quatro clientes solicitaram or�amentos para utilizar vozes sint�ticas no audiovisual.

Seu fundador, o mexicano Anuar L�pez de la Pe�a, agora est� diante de um dilema: “Ou me adapto ou vou desaparecer”.

Mario Filio deixou de gravar para muitos clientes por se negar a ceder “tudo”. “� hora de apoiar meus colegas”, afirma, com a certeza de que a IA n�o poder� substituir as pessoas “porque simplesmente n�o tem alma”.