diretor Amir Haddad Vestido de Dionísio

Vestido de Dion�sio em frente � sede do T� na Rua, na Lapa, no Rio, cujo grupo comanda h� 43 anos, diretor promove o 1� Festival de Teatro Amir Haddad

VidaFodona/Divulgacao


diretores de teatro Amir Haddad e Zé Celso Martinez

Amir Haddad diz que s� � poss�vel discorrer sobre a vida de Z� Celso Martinez, n�o sobre a morte. Com a mesma idade, o teatro chegou para os dois no mesmo momento

Instagram/Reprodu��o


Ningu�m queria ser advogado. Mas pelo menos no curso de direito n�o havia qu�mica, f�sica ou matem�tica, mat�rias que estariam presentes caso aquele grupo quisesse estudar engenharia civil ou medicina. Na USP, em meados dos anos 1950, n�o eram poucos os que estavam em busca de uma voca��o que fugisse � regra vigente.

Amir Haddad nem chegou ao terceiro ano da Faculdade de Direito. “A gente s� estava l� esperando para saber o que ia fazer da vida”, ele diz. Nesta turma tamb�m estavam Jos� Celso Martinez Corr�a, Renato Borghi, Moracy do Vale e Carlos Queiroz Telles.

Todos eles fizeram parte dos espet�culos iniciais que deram origem ao Teatro Oficina, mas s� os tr�s primeiros continuaram nos palcos. Moracy se tornou produtor e jornalista (lan�ou o Secos & Molhados) e Telles, escritor, poeta e dramaturgo.

SEM REPOSI��O 

''Ele (Z� Celso) sabia tanta coisa, era bem informado, ilustrado, lia muito mais do que eu''

Amir Haddad, diretor de teatro


A morte de Z� Celso, na quinta-feira (6/7), pegou Amir em meio �s comemora��es de seus 86 anos. O anivers�rio foi em 2 de julho, tamb�m o dia de lan�amento do 1º Festival de Teatro Amir Haddad que, at� o pr�ximo domingo (16/7), vai apresentar, na sede do grupo T� na Rua, na Lapa, Rio de Janeiro, espet�culos, shows, debates, workshops e exposi��o.

“O Z� Celso era bom demais, melhor do que eu. Ele sabia tanta coisa, era bem informado, ilustrado, lia muito mais do que eu”, comenta Amir, que acredita que “o teatro brasileiro n�o tem pe�a de reposi��o” para o encenador morto em decorr�ncia de inc�ndio em seu apartamento, em S�o Paulo.

Para Amir, s� � poss�vel discorrer sobre a vida de Z� Celso, n�o a morte. E o teatro chegou para os dois, ambos da mesma idade, exatamente no mesmo momento. Z� Celso chegou a S�o Paulo vindo de Araraquara e Amir de Rancharia, tamb�m no interior paulista – mas ele � mineiro de Guaxup�, Sudoeste do estado, onde viveu at� os 5 anos.

O diretor acha dif�cil explicar como o teatro surgiu na sua vida. “N�o havia televis�o, ent�o o teatro era muito importante. Se voc� quisesse fazer uma atividade art�stica, o teatro � que se apresentava mais fortemente para o jovem. E S�o Paulo tinha, na �poca, o TBC (Teatro Brasileiro de Com�dia), o S�rgio Cardoso.”

O teatro era um tema frequente das conversas dos alunos de direito. Renato e Amir eram atores, Z� Celso escrevia. Um dia resolveram fazer uma pe�a. “O Renato tinha estudado no Col�gio S�o Bento. Disse que l� tinha um audit�rio que poderia ser utilizado como teatro. Ele conseguiria com os padres do col�gio”, conta Amir. A oportunidade apareceu e o grupo resolveu montar “C�ndida” (1895), texto de Bernard Shaw sobre amor, casamento e identidade masculina. A estreia foi em 1957.

DIAMANTES 

''O Z� Celso queria dirigir tamb�m e n�o queria disputar dire��o com ele (ao explicar a sa�da do Oficina)''

Amir Haddad, diretor de teatro


“A pe�a tinha um papel bom para o Renato, outro para um amigo cujo nome esqueci. Mas n�o tinha papel para mim. Ent�o me falaram: ‘Voc� dirige’. Eu disse que estava bom, mas nunca tinha pensado em dirigir pe�a. Mas fiz direitinho, os atores se movimentaram bem em cena, ningu�m se atropelou e o espet�culo foi saudado como uma coisa que revelava talentos de pessoas muito jovens. Diziam que �ramos diamantes a serem lapidados. E fomos.”

Mas e o Z� Celso nesta hist�ria? “Na primeira pe�a ele n�o era nada, s� estava perto. Depois � que entrou escrevendo”, continua Amir. Ele refere-se a "Vento forte para um papagaio subir" (1958). A montagem, inspirada em uma hist�ria de Z� Celso e uma pipa perdida em Araraquara, estreou no Teatro Novos Comediantes, que fica no mesmo espa�o do Bairro Bela Vista, que � ocupado at� hoje pelo pr�prio Oficina.

“Como n�o sobrava papel de ator para mim, fui dirigindo naturalmente. A� gostei da fun��o”, acrescenta Amir, que dirigiu somente mais um texto de autoria de Z� Celso. “A incubadeira” (1959) acompanhava um jovem asm�tico que sofria com as tens�es familiares e a superprote��o da m�e neur�tica. O texto deu um pr�mio a Z� Celso de melhor autor no 2º Festival de Teatro de Estudantes, em Santos.

Pouco depois, Amir deixou o Oficina, naquela �poca ainda um grupo de teatro amador. “O Z� Celso queria dirigir tamb�m e n�o queria disputar dire��o com ele.” Acabou indo para Bel�m, onde passou tr�s anos para implantar a primeira escola de teatro universit�rio do Par�. “Foi muito bom para mim porque me abriu muito. Eu achava que o Brasil era S�o Paulo.”

Na volta, depois de formar a primeira turma da universidade, Amir resolveu parar no Rio de Janeiro em uma escala de sua passagem. Chegou numa sexta e retornaria para S�o Paulo tr�s dias depois. Nunca mais foi embora da capital fluminense.

DO PALCO PRA RUA 

Hoje, soma mais de 400 espet�culos sob sua dire��o ou supervis�o. Autodidata, aprendeu tudo na pr�tica. Al�m disto, h� 43 anos comanda o T� na Rua, que mudou radicalmente sua maneira de fazer teatro.

“Fiz muito teatro no palco tradicional. Fiz bem e com sucesso. Depois comecei a mexer na quest�o do espa�o. Tirei a quarta parede e os atores passaram a se dirigir para a plateia. Depois os atores desceram na plateia. Em determinado momento coloquei a plateia no palco e os atores na plateia. At� que um dia resolvi fazer no espa�o sem nenhuma defini��o, que � o espa�o aberto das ruas, para descobrir qual o limite que o meu espet�culo poderia ter sem paredes.”

Foi transformador, diz Amir. “Descobri o p�blico da rua, que eu n�o conhecia. Um p�blico heterog�neo, onde toda a estratifica��o social estava representada. Mesmo se voc� tivesse 10 pessoas numa roda, eram 10, cada um de um lado. Voc� poderia ter 200 em um teatro que seriam todas do mesmo grupo social. Na rua, n�o. Essa foi a melhor coisa que a rua me deu, pois tive que desenvolver uma linguagem que servisse a todos.”

A partir de 1980, como uma forma de ocupar a ent�o decadente e violenta regi�o da Lapa, casar�es foram cedidos para grupos culturais. O T� na Rua, com Amir � frente, se formou em uma das antigas edifica��es da Regi�o Central do Rio. A premissa do grupo � a de levar a locais p�blicos espet�culos em que a participa��o da plateia � parte da cena.

MONTAGENS 

''Fiz muito teatro no palco tradicional... at� que um dia resolvi fazer no espa�o sem nenhuma defini��o, que � o espa�o aberto das ruas... onde toda a estratifica��o social estava representada''

Amir Haddad, diretor de teatro


Como encenador, dirigiu tamb�m meio Rio de Janeiro. Tanto que o rec�m-estreado Festival de Teatro Amir Haddad nasceu disto. “Vi que havia muitos espet�culos dirigidos ou supervisionados por mim em cartaz. Mon�logos, principalmente. A� resolvemos botar tudo junto”, conta ele.

Entre as montagens est�o “Ant�gona”, com Andrea Beltr�o; “Virginia”, com Cl�udia Abreu; “A alma imoral”, com Clarice Niskier; e “Sombras no final da escadaria”, com Vanessa Gerbelli. “Trabalho muito, dia e noite. Mas o que me interessa hoje � o teatro em espa�os abertos, horizontal, popular, democr�tico. O teatro tradicional, fechado, � ultrapassado, n�o corresponde mais aos nossos tempos.”

Tanto que hoje ele dirige menos. “Atualmente, tenho muito pouca vontade de dirigir uma pe�a. Gosto de supervisionar. Algu�m tem o trabalho, me chamam, assisto os ensaios e dou meus palpites. Agora, eu ficar na sala de ensaio mandando o ator trabalhar? Faz tempo que n�o fa�o. Estou pronto � para dar palpite, igual Deus. Deus � assim, n�?”, brinca.

PROFESSOR 

Sala mesmo, ele gosta � de aula. Com uma atividade intensa como professor, Amir aguarda retornar, em breve, para os cursos no T� na Rua. “� uma coisa que me renova, me desafia, e me coloca em contato com jovens atores. � bom estar ativo, �til, importante. Seria muito ruim se eu estivesse aposentado ou n�o tivesse trabalho. ‘Ah, o Amir t� velho!’ Seria horr�vel isto. Mas meu trabalho faz sentido, ent�o estou na crista da onda”, conclui.