Barbie entra em crise com o pr�prio corpo e tem medo de morrer em "Barbie"
Longa de Greta Gerwig que humaniza a boneca e tem Margot Robbie no papel principal estreia nesta quinta-feira (20/7) em 50 salas em BH; confira hor�rios
Acompanhada do Ken vivido por Ryan Gosling e instalado sempre no banco traseiro, Barbie (Margot Robbie) usa diversos luxuosos meios de transporte em sua expedi��o ao mundo real
Warner/divulga��o
Fato 1: “Barbie” � um filme de duas horas sobre o principal produto comercializado pela gigante dos brinquedos Mattel. Fato 2: “Barbie” � tamb�m um blockbuster irresist�vel, doce, divertido, ir�nico (de humor ora ing�nuo, ora �cido) e sentimental. Fato 3: “Barbie” � estrelado por Margot Robbie, mas � o coadjuvante Ken de Ryan Gosling o dono das melhores tiradas.
N�o � poss�vel fugir ao filme, mesmo que se queira. A pr�-venda de ingressos para a estreia � a maior da hist�ria da Warner Bros. Pictures no Brasil. Na Grande Belo Horizonte, “Barbie” entra em cartaz nesta quinta-feira (20/7) em todos os complexos de cinema, incluindo as salas dedicadas � produ��o independente.
S�o exatas 50 telas exibindo o filme a partir de hoje – a t�tulo de compara��o, “Miss�o: Imposs�vel” e “Indiana Jones”, os blockbusters mais recentes (e ambos vindo de franquias estelares e protagonizados por �cones de Hollywood) estrearam, na Regi�o Metropolitana, em 38 e 35 salas, respectivamente. Calculando por alto, j� que a maior parte das salas traz quatro sess�es, “Barbie” ser� exibido, a partir desta quinta, cerca de 200 vezes por dia na Grande BH.
A boneca que atingiu 64 anos neste 2023 n�o iria ganhar vida no cinema – e gastar US$ 100 milh�es para ter seu filme produzido – se n�o fosse para contar uma hist�ria que dialogasse com seu tempo. Greta Gerwig assina a dire��o e divide o roteiro com o marido, Noah Baumbach.
Atriz e roteirista, Greta estreou na dire��o solo com “Lady Bird”, filme independente sobre o rito de passagem para a vida adulta de uma jovem, lan�ado em 2017, mesmo ano da explos�o do #MeToo, e indicado ao Oscar. A cineasta foi devidamente recrutada para o movimento que combate o abuso em Hollywood - sobretudo por parte de homens poderosos.
Seu filme posterior, “Ador�veis mulheres” (2019), foi uma atualiza��o de uma narrativa cl�ssica americana, o romance “Mulherzinhas” (1868), de Louisa May Alcott, que j� tinha tido mais de uma bem-sucedida adapta��o para o cinema.
Diante disso, a “Barbie” que chega aos cinemas � uma com�dia feminista que n�o foge ao passado (visto sempre com uma veia cr�tica) da boneca, nascida no modelo (inating�vel para 99% das mortais) anglo-sax�o: cintura de vespa, olhos azuis, longos cabelos loiros, seios avantajados, p�s sempre em cima do salto. A aus�ncia de genit�lia (da Barbie e do eterno namorado Ken) n�o � esquecida no filme – e garante a melhor cena da hist�ria.
Margot Robbie com o visual da primeira boneca Barbie, lan�ada em 1959
Warner/divulga��o
Odisseia no espa�o
� dif�cil pensar em um filme em que a palavra patriarcado seja pronunciada tantas vezes. Mas, at� chegar l�, � preciso contar como a trama come�a. “Barbie” tem in�cio ao som de “Assim falou Zaratustra”, de Richard Strauss – que meio mundo conhece como a m�sica de “2001: Uma odisseia no espa�o”.
Com Helen Mirren (outro acerto) como narradora, o longa conta como todas as meninas viviam com bonecas que eram c�pias de beb�s. Ou seja, as meninas s� poderiam ser m�es. Com a chegada da Barbie, uma boneca adulta, elas viram que a mulher poderia ser qualquer coisa. Ou pelo menos � o que pensam as moradoras de Barbiel�ndia, o local m�gico onde todas as Barbies vivem.
Em seu mundo cor-de-rosa perfeito (e todo de pl�stico), a Barbie estereotipada (Margot Robbie), vive dia e noite festejando com outras Barbies. Presidentas, ju�zas, vencedoras do Nobel, elas podem tudo. Tamb�m fogem do modelo loiro: existem Barbies de todas as cores e tamanhos. Aos Kens (Ryan Gosling � apenas o mais loiro e forte do time que inclui uma mir�ade de machos castrados) resta apenas ser o companheiro da praia. Tudo corre nos conformes, at� que ela tem um terr�vel pensamento: a morte.
Isto vem seguido de outros fatos horr�veis: a apari��o da primeira celulite e dos p�s, chatos, que n�o mais se encaixam nos indefect�veis saltos altos. Barbie descobre, por meio da Barbie estranha (Kate McKinnon), que vive segregada das demais, que ela deve ir para o mundo real para resolver o problema. Ela deixa sua casa dos sonhos e viaja a bordo do carro da Barbie, do avi�o, da bicicleta, do foguete (o filme nunca nos deixa esquecer a s�rie de produtos que cercam o universo da boneca).
Greta Gerwig dirige o filme e � coautora do roteiro, escrito em parceria com o marido, Noah Baumbach
Warner/divulga��o
O mundo dos homens
S� que Barbie n�o viaja s�. Ken, que tem muitos gominhos no abd�men mas nada na cabe�a, vai com ela – n�o tem direito sequer a ir no banco da frente. A dupla chega a Los Angeles, o mundo real, e se surpreende. L� � tudo invertido!, a Barbie n�o se cansa de repetir. S�o os homens que dominam tudo – e as mulheres s�o sempre relegadas ao segundo plano (quando n�o s�o vistas como mero objeto). Na pr�pria Mattel, a protagonista n�o tarda a descobrir, s�o homens engravatados (capitaneados pelo presidente vivido por Will Ferrell) que ditam as regras.
Empolgad�ssimo com a mudan�a de perspectiva, Ken descobre o patriarcado e decide replic�-lo na Barbiel�ndia – suas tentativas, absurdas e anacr�nicas, tanto mais nos dias de hoje, garantem boas gargalhadas.
J� Barbie passa a contar com duas companheiras improv�veis: as humanas Gloria (America Ferrera), secret�ria na Mattel que brincava de Barbie na inf�ncia, e sua filha Sasha (Ariana Greenblatt), uma adolescente esperta e feminista.
Com intelig�ncia, “Barbie” n�o se furta a destacar bons e maus momentos do passado da pr�pria marca. Logo no in�cio, mostra Midge (Emerald Fennell), amiga da Barbie, gr�vida (“que foi descontinuada, quem vai querer uma boneca gr�vida?”). Tampouco uma Barbie esquisita, que carregava uma TV nas costas.
Allan (Michael Cera) � tamb�m um personagem �nico, pois se refere a um boneco criado pela Mattel nos anos 1960 e que durou poucos anos – na �poca, foi apresentado como melhor amigo de Ken. O filme tamb�m faz uma refer�ncia � sua criadora, Ruth Handler (1916-2002), colocando-a em cena na pele da atriz Rhea Perlman.
Mas n�o d� para esquecer que a Mattel � tamb�m produtora do filme. Na figura de narradora, Helen Mirren d� v�rias bolas dentro, como no momento em que quebra a quarta parede e fala da impossibilidade de se ver Margot Robbie feia. Tamb�m enumera v�rios trajes e objetos que comp�em o universo da Barbie, como num longo intervalo comercial da TV.
Ao sair do cinema, n�o sejamos ing�nuos de pensar s� na nostalgia e na divers�o. As lojas dos shoppings, que concentram o maior n�mero de salas de exibi��o, j� devem estar a toda, esperando a invas�o consumista cor de rosa.
“BARBIE”
EUA, 2023, 114min., de Greta Gerwig, com Margot Robbie e Ryan Gosling
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