O bailarino Rui Moreira na Praça da Liberdade

Em visita a Belo Horizonte nesta semana, Rui Moreira citou os objetivos de reorganiza��o da Funarte, mas afirmou n�o ter "grandes expectativas de constru��o de carreira no campo da gest�o pol�tica"

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Rui Moreira completa 60 anos em novembro. Para muitos, ainda � dif�cil dissociar sua imagem do Grupo Corpo, onde ele atuou por 14 anos – a maior parte deles como a maior estrela da companhia de dan�a mineira. Mas j� s�o 23 anos desde que o paulista foi al�ar voo pr�prio, primeiramente na Ser�Qu�? (1992-2012), companhia tornada associa��o e, mais tarde, incubadora cultural, e, com o fim desta, na Rui Moreira Cia. de Dan�as.

Ele est� sempre em movimento – literal ou figurativamente. Em 2017, trocou Belo Horizonte, onde viveu por d�cadas, por Porto Alegre. Na capital ga�cha, al�m de continuar dan�ando, se tornou aluno. Graduou-se em 2022 em licenciatura em dan�a, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Todo o corpo docente o conhecia, alguns professores j� tinham tido aulas com ele.

Neste ano, outro grande movimento. Desde maio, Moreira � o diretor de Artes C�nicas na Funda��o Nacional de Artes (Funarte), o que o levou a viver no Rio de Janeiro. A experi�ncia na gest�o p�blica teve in�cio em BH, quando ele participou, junto � Funda��o Municipal de Cultura (FMC), de tr�s edi��es do Festival de Arte Negra (FAN).

Foi no papel de gestor p�blico que ele retornou � capital mineira nesta semana, como convidado do Festival de Inverno da UFMG – nesta universidade, vale dizer, est� em andamento o processo para conceder a ele o t�tulo de doutor em artes por not�rio saber. Bailarino, core�grafo, gestor, professor, aluno, Rui Moreira est� completando 45 anos de dan�a e falou ao Estado de Minas sobre sua trajet�ria, na entrevista a seguir.
 

Como se deu a sua entrada na Funarte?
Quando a Maria Marighella foi convidada (para presidir a institui��o), come�ou um movimento nacional da dan�a. Ent�o me perguntaram: ‘A gente acha que voc� precisa estar no governo. A gente pode te indicar?’ E come�ou todo um movimento, que chegou a umas 500 assinaturas de entidades de todo o Brasil, indicando meu nome para a Funarte. A Maria ent�o decidiu que eu poderia assumir a Diretoria de Artes C�nicas. 

O desmantelamento da Funarte, assim como o da Ag�ncia Nacional do Cinema (Ancine), se tornou um dos s�mbolos do descaso do governo federal anterior com a �rea cultural. O momento atual � de arrumar a casa?
Totalmente. N�s herdamos um buraco e ele envolvia saldar compromissos com pagamentos de editais. O or�amento que recebemos para este ano � o maior que a Funarte j� teve (em toda a sua hist�ria): R$ 160 milh�es. Desse valor, R$ 7 milh�es sa�ram para saldar d�vidas. Tem tamb�m a pr�pria estrutura��o da casa, n�o s� pelo prisma pol�tico, mas tamb�m humanit�rio. Os servidores da Funarte, alguns est�o h� 30 anos na casa, viram processos nascerem e s�o guardi�es de todo um acervo da mem�ria e da pol�tica. Essas pessoas foram aviltadas pelo processo anterior. Arrumar a casa n�o significa apenas lidar com quest�es administrativas, pol�ticas, mas tamb�m lidar com esse aspecto humano. A nossa chegada trouxe um dinamismo e esperan�a de dias melhores. 
 
Rui Moreira em 'Nazareth', espetáculo do Grupo Corpo

Rui Moreira em 'Nazareth', espet�culo do Grupo Corpo

Jos� Luiz Pederneiras/divulga��o
 

As artes c�nicas s�o a �rea mais vis�vel da atua��o na Funarte. Quanto compete � sua �rea no montante de R$ 160 milh�es?
N�o saberia dizer em valores, mas de 60% a 65 % do or�amento da Funarte � escoado atrav�s das rela��es das artes c�nicas.

Al�m de arrumar a casa, o que a Funarte pretende fazer neste primeiro ano da nova gest�o?
Quando se fala em arrumar a casa, tem tamb�m a reestrutura��o da pr�pria institui��o. H� um desejo e uma meta de transformar a Diretoria de Artes C�nicas em uma diretoria de dan�a, outra de teatro e outra de circo. � um pleito que veio no sentido da constru��o de pol�ticas paras as artes, entendendo que or�amento e estruturas diferenciadas para cada linguagem possibilitar�o articula��es pol�ticas e com uma especificidade maior para cada uma. Agora, o primeiro pacote (de a��es), que pegou o primeiro semestre, trouxe possibilidades para que as pessoas se enxerguem mais dentro dos editais. Um edital tem um linguajar que � quase juridiqu�s. Voc� precisa explicar o edital, colocar os mecanismos de maneira simplificada, pois da� abre-se a possibilidade de que mais pessoas se sintam capazes de concorrer. Outro dos cap�tulos � a incorpora��o das cotas, uma normativa do Minist�rio da Cultura, de ind�genas, negros, das rela��es de g�nero, de acessibilidade, tudo isso para que se amplie a possibilidade de participa��o e reconhecimento do produtor. Outro aspecto � provocador. A comunica��o, a partir das s�ries do Circula Funarte (encontros com a equipe da institui��o, como a que vai haver na pr�xima segunda-feira, na Funarte MG) que detalham as possibilidades para concorrer para os editais. Edital � um mecanismo de fomento para a constru��o de uma pol�tica, ele n�o � a pol�tica. 
 

Sua entrada na Funarte � uma novidade, assim como sua gradua��o recente em dan�a. Por que decidiu fazer?
Desde o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestrutura��o e Expans�o das Universidades Federais, criado pelo governo federal em 2007 para ampliar o acesso � educa��o superior), eu percebo a import�ncia do campo da educa��o se aproximar do campo do fazer, da arte. O curso que fiz em Porto Alegre nasceu desse movimento. De uma forma ou de outra, ele ampliou a no��o de nacionaliza��o desse conhecimento, que � muito euroc�ntrico, como base te�rica, mas que, como base pr�tica, principalmente na licenciatura, tinha que abordar outro lugar. Neste outro lugar entram a cultura popular, a afrobrasileira e ind�gena que entram na universidade, fazendo com que ela tamb�m tenha que se renovar. Junto a isso vieram as cotas, que tamb�m foram quebrando barreiras. A� eu falei: ‘Quero estar l� dentro.’

Ent�o voc� fez Enem?
Fiz e foi genial, porque fui acompanhando meus filhos. A minha mais velha, que se formou em artes visuais, eu fiz para acompanhar. Ela me fez estudar. A� veio o mais novo, e quando ele foi fazer, voltei a estudar. Estava mais bem preparado.
 
'Faça algum barulho', espetáculo da Rui Moreira Cia de Dança

'Fa�a algum barulho', espet�culo da Rui Moreira Cia de Dan�a

Daniel Protzner/divulga��o


Como foi o per�odo na universidade?
Achei maravilhoso, porque me atualizei muito. N�o s� me atualizei no sentido do meu fazer, mas no pensar pol�tico. Quando a gente pensa em crian�a, em inf�ncia e juventude, esse pensamento est� dentro de um lugar muito espec�fico que a licenciatura d�. Vivi uma experi�ncia linda com um menino chamado Felipe, de 5 anos. Estava fazendo est�gio e fui para uma aula para crian�as de 4 e 5 anos em Porto Alegre. A� a tia (a professora) chega e fala o seguinte: ‘Esse � o professor de dan�a de hoje. O nome dele � Rui.’ Esse menino olhou pra mim, saiu de onde estava, veio do meu lado, pegou na minha m�o e falou: ‘Gente, ele � o professor, t�? Quer ver?’ E come�ou a cantar uma ladainha de capoeira. Ou seja, ele provavelmente tem uma educa��o fora da escola na capoeira, convive com uma negritude e, quando chega um homem negro, alto, ele fez a rela��o imediata. Ele viu em mim uma porta para a cultura dele. Isso foi algo que a licenciatura me deu, de como sensibilizar o olhar.

Voc� come�ou a dan�ar aos 15 e completa este ano 60. O desgaste no corpo, inerente a qualquer bailarino, nunca o impediu de dan�ar? 
Parar de dan�ar, nunca. Muito antes pelo contr�rio: quando paro � que v�m todos os problemas. Meu corpo foi aculturado em diversas t�cnicas, como a express�o corporal, o bal�, a dan�a moderna. � muito legal perceber tamb�m como minha forma��o se d�. Comecei aos 15 e, aos 17, entrei em uma companhia de dan�a, o Cisne Negro, em S�o Paulo. Ou seja, j� convivia com o profissionalismo da dan�a. Tamb�m fui me aculturando nos processos de disciplina, ocupa��o da cena, reconhecimento da cena e do p�blico. Essas coisas todas s�o a minha vida, o que fa�o de melhor. O resto � adendo. Ent�o n�o tem muito como parar. � verdade que a dan�a vai se adequando... Tenho um desgaste no quadril, ele se manifestou e eu fa�o manuten��o. Mas � com esse desgaste que eu dan�o.
 
A “vida de escrit�rio” � complicada para quem passou a vida inteira trabalhando com o corpo?
Eu preciso encontrar um equil�brio. Quando passo a ser gestor da minha pr�pria carreira, passo muito tempo no escrit�rio. Escrever, pensar, coordenar equipes, isso j� faz parte. Agora, eu tamb�m tinha corporeidade muito ativa (quando tinha seus pr�prios grupos). Hoje (como gestor p�blico), preciso provoc�-la. Mas esta (o cargo na Funarte) � uma experi�ncia que quero viver e dar a minha maior contribui��o, mas n�o tenho grandes expectativas de constru��o de carreira no campo da gest�o pol�tica. Estou nesse momento. Quem sabe se depois eu n�o fa�o um bal� sobre isso?   
 
'Urucubaca', espetáculo da Cia Será Quê?

'Urucubaca', espet�culo da Cia Ser� Qu�?

Tereza Marinho/divulga��o
 

MARIA MARIGHELLA FAZ REUNI�O EM BH

Na pr�xima segunda-feira (31/7), �s 10h, Maria Marighella, presidente da Funarte, e a diretoria da entidade v�m a Belo Horizonte participar do Circula Funarte: Pol�ticas para as artes em di�logo. Das 10h �s 12h, na Funarte MG (Rua Janu�ria, 68, Centro), o gestores v�o conversar com o p�blico sobre os programas de fomento.
 
A ideia � abrir a conversa com produtores e artistas. A institui��o lan�ou no �ltimo dia 10 a primeira etapa de seus mecanismos de fomento para artes visuais, teatro, dan�a, circo e m�sica, com investimento de R$ 52 milh�es.
 
Entre os programas com inscri��es abertas est�o o Funarte Retomada (cinco editais, um para cada �rea art�stica), Bolsa Funarte de Mobilidade Art�stica 2023, Pr�mio Funarte Mestras e Mestres das Artes 2023 e Programa Funarte de Apoio a A��es Continuadas. Mais informa��es: gov.br/funarte.