O roteirista Lucas Paraizo e a diretora Luisa Lima, de pé, em paisagem urbana

A diretora Luisa Lima e o roteirista Lucas Paraizo planejam seguir com sua parceria e dizem ter o objetivo de "crescer juntos"

Paulo Belote/Divulga��o

"Esse roteiro foi potencializado por uma dire��o assertiva, com a narrativa sempre em primeiro plano, mas tamb�m com frescor com momentos de liberdade dos g�neros. E a gente precisa disso: exercer essa liberdade"

Jos� Luiz Villamarim, diretor de teledramaturgia da Rede Globo



Lucas Paraizo e Luisa Lima aparecem lado a lado na tela do computador. Por sugest�o de Lucas, ser�o entrevistados juntos sobre o sucesso da s�rie “Os outros”, que ele escreveu e ela dirigiu. Bastam alguns minutos de conversa para entender a escolha do roteirista. Muitas respostas come�am com as palavras de Lucas, terminam com as de Luisa. E vice-versa. 

� uma parceria de descobertas, afetos, projetos, vis�es de mundos partilhados e outros a construir na produ��o audiovisual brasileira. “A gente quer crescer juntos”, conta a diretora. “Eu n�o largo mais a Luisa de jeito nenhum”, complementa o parceiro. “Os outros’ n�o seria o que � se n�o fosse o encontro com uma parceira que topa o risco como a Luisa topou, de fazer uma s�rie muito ousada, muito arriscada.” 

E o que � “Os outros”? Uma s�rie dram�tica de 12 epis�dios sobre os conflitos de dois casais (Adriana Esteves e Thom�s Aquino, Maeve Jinkings e Milhem Cortaz), os filhos (Antonio Haddad e Paulo Mendes) e vizinhos (Eduardo Sterblitch, Drica Moraes) em um condom�nio de pr�dios fincados na natureza exuberante da zona Oeste do Rio de Janeiro. 

A primeira temporada � um dos conte�dos mais vistos nos �ltimos tempos no Globoplay e o epis�dio inicial obteve audi�ncia igualmente expressiva ao ser exibido em hor�rio nobre da Rede Globo. A segunda temporada est� em pr�-produ��o. As grava��es come�am em outubro e v�o durar quatro meses, com estreia no streaming prevista para o final do primeiro semestre de 2024.

Classe m�dia em crise

A “fa�sca” para “Os outros” veio do desejo de expor os impasses de fam�lias de classe m�dia a partir das consequ�ncias violentas do desentendimento de pais e m�es ap�s a briga dos filhos, como acontece em “O deus da carnificina”.
 
A ideia foi transportar o conflito novaiorquino do texto de Yasmina Reza, adaptado para o cinema por Roman Polanski, para o contexto brasileiro de vida apartada da cidade num condom�nio com piscina, algumas quadras esportivas e muitas frustra��es. 

“Barbados”, conto da atriz e escritora Fernanda Torres, tamb�m serviu de base para o primeiro epis�dio e j� apresentava alguns dos personagens desenvolvidos por Paraizo e impulsionados pela entrada em cena de um elemento inexistente em “O deus da carnificina”: uma arma de fogo, emprestada pelo miliciano S�rgio (Sterblitch, em atua��o impressionante) � vizinha Cibele (Esteves, outra performance irrepreens�vel).

“A arma tem um arco narrativo, � tamb�m um personagem”, observa Lucas. 

Ele e Luisa Lima j� haviam trabalhado em produ��es como “O rebu”, remake de George Moura e Sergio Goldemberg, e “Justi�a”, de Manuela Dias, ambas assinadas por Jos� Luiz Villamarim, atual diretor de dramaturgia da Rede Globo e considerado pelos dois como “nosso grande mestre”. 

Logo que Luisa finalizou a s�rie “Onde est� meu cora��o”, recebeu o convite do roteirista para um caf� e a leitura dos dois primeiros epis�dios de “Os outros” com a seguinte premissa: “Acho que voc� vai humanizar esses personagens”. “Na mesma hora eu quis fazer”, lembra a diretora. “Al�m das rela��es familiares me interessarem muito, gostei especialmente do texto pelo olhar contempor�neo do Lucas para quest�es emergentes do Brasil, como a intoler�ncia e a viol�ncia, e como ele faz o desenho da sociedade a partir desses elementos. E, nessa narrativa de estrutura matem�tica do Lucas, na qual as coisas s�o bem amarradas, eu tento entrar enxertando afetos e o meu olhar, o meu repert�rio.” 

Os dois partiram, ent�o, para a defini��o do elenco. O primeiro a ser convidado, a partir de sugest�o do roteirista, foi Milhem Cortaz, que nunca havia sido dirigido por Luisa. O ator paulista interpreta Wando, personagem que vive uma rela��o abusiva com a esposa, Mila (Maeve Jinkings), e monopoliza os conflitos da primeira metade da temporada. � uma das grandes performances da carreira do gigante Cortaz, em especial no epis�dio 7, ponto de hip�rbole da primeira temporada. 
 
“A escala��o do elenco � sempre um dos maiores desafios de uma produ��o audiovisual. N�o tem dire��o ou montagem que resolva um miscasting”, ressalta Jos� Luiz Villamarim, respons�vel por um dos tiros certeiros da s�rie: a indica��o do comediante Eduardo Sterblitch para o papel do deslizante (e assustador) S�rgio, que aparece como coadjuvante nos primeiros epis�dios e volta na segunda temporada na condi��o de protagonista.   
 
atores Milhem Cortaz, Maeve Jinkings, Paulo Mendes, Antonio Haddad, Adriana Esteves e Thomás Aquino

Os atores Milhem Cortaz, Maeve Jinkings, Paulo Mendes, Antonio Haddad, Adriana Esteves e Thom�s Aquino interpretam o n�cleo central de personagens da primeira temporada de "Os outros"

Paulo Belote/Divulga��o
 

Conceituado a partir de estudos como o do psicanalista Christian Dunker (do livro “Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros”), o condom�nio de “Os outros” � lugar de disputa de territ�rio e gatilho de instabilidades emocionais. Por isso, muitas cenas internas e externas s�o vistas pelo olhar de Luisa n�o pelo registro realista, mas de uma s�rie de g�nero, como as apocal�pticas “The walking dead” e “The last of us”. S� que os zumbis (ainda) est�o bem vivos. 

“Muitos que moram ali se endividaram, pagam presta��es altas, e essa � mais uma fonte da tens�o que os personagens enfrentam”, lembra Lucas. Assim, ele rebate uma das poucas cr�ticas surgidas nas redes sociais, com telespectadores apontando inverossimilhan�a entre as fontes de renda dos personagens (vendedores de concession�rios, lojas de eletrodom�sticos ou desempregados) e o endere�o imponente onde eles vivem.
 
 

“Falsa toler�ncia” na segunda temporada

Na segunda temporada, em pr�-produ��o, alguns personagens somem e outros mudam de endere�o. � a oportunidade para roteirista e diretora imprimirem a sua vis�o dos condom�nios horizontais, formados por casas de alto padr�o. “Continuamos com dramas familiares, mas estamos indo para um lugar de pessoas com mais grana, ent�o muda o recorte social”, destaca Lucas. “Estamos procurando os v�nculos formais com a primeira temporada; � onde eu entro com meu olhar de realiza��o com a minha equipe”, complementa Luisa.

Escrita antes da estreia, a nova temporada ter� a entrada de novos personagens, al�m de um tema ainda inexplorado na s�rie: religi�o. “Se a primeira temporada falava sobre intoler�ncia, agora eu acho que � sobre a falsa toler�ncia, com pessoas que s�o muito menos honestas do que aparentam ser”, antecipa o roteirista.
 

Enquanto a segunda temporada n�o chega, fica a certeza de que a soma de todas as partes – roteiro, dire��o, elenco, fotografia, dire��o de arte – fez da s�rie um produto audiovisual diferenciado, � prova de r�tulos. �s vezes parece cinema de festival, �s vezes parece melodrama (os dois criadores fazem quest�o de ressaltar a import�ncia das telenovelas na forma��o de ambos), �s vezes parece filme de terror, �s vezes parece teatro experimental, �s vezes um drama social. � o que parece – e um pouco mais. Espelho de ambi��es e frustra��es, conflitos e impasses, sintomas e doen�as da sociedade brasileira, “Os outros” tamb�m somos n�s. 
 
José Luiz Villamarim, diretor de teledramaturgia da Globo

Jos� Luiz Villamarim, diretor de teledramaturgia da Globo, diz que audiovisual brasileiro deve seguir o exemplo da Coreia do Sul

Jo�o Miguel J�nior/Globo
 

Villamarim destaca rela��o ‘passional’ com personagens

Diretor de teledramaturgia da Rede Globo, o mineiro Jos� Luiz Villamarim lembra de sua rea��o inicial � leitura dos epis�dios da primeira temporada de “Os outros”, escrita por Lucas Paraizo. “Foi a melhor s�rie que li em muito tempo. Tinha um arco longo e, em cada epis�dio, cada um dos personagens se destaca, como nas boas s�ries americanas. Esse roteiro foi potencializado por uma dire��o assertiva, com a narrativa sempre em primeiro plano, mas tamb�m com frescor com momentos de liberdade dos g�neros. E a gente precisa disso: exercer essa liberdade.”

Villamarim tem uma explica��o para o sucesso da s�rie. “As pessoas assistem passionalmente. Criam uma rela��o passional com os personagens: se identificam, reagem, se incomodam... A gente � formado pelo melodrama”, lembra o respons�vel pela defini��o das novelas e s�ries da Globo.

Respons�vel por produ��es que se tornaram grandes �xitos de p�blico e cr�tica, como “Avenida Brasil” e “Onde nascem os fortes”, Villamarim afirma que a repercuss�o positiva de “Os outros” refor�a sua convic��o sobre os rumos poss�veis para a internacionaliza��o do audiovisual brasileiro. 

“� preciso olhar para dentro. Ter as refer�ncias do que � feito l� fora, mas olhar para o Brasil. S� vamos avan�ar com a nossa identidade original. Foi o que a Coreia fez nos �ltimos anos e dever�amos fazer mais”, acredita. A primeira temporada de “Os outros” ser� inscrita pela Globo para tentar uma indica��o ao Emmy. 

Veio de Villamarim a sugest�o de escalar Eduardo Sterblitch para interpretar o miliciano S�rgio. “Em geral, todo grande comediante � tamb�m um �timo ator. A gente estava na fase de escala��o do elenco de ‘Os outros’ quando eu tive uma reuni�o com o Sterblitch e ele me contou sobre a carreira no teatro antes de fazer televis�o e me disse que queria fazer outros pap�is al�m da com�dia. E eu fiquei reparando durante a reuni�o que ele tem um olhar muito particular, ‘olhar de doido’, excelente para o papel. A� eu o indiquei para a Luisa (Lima) e para o Lucas (Paraizo)”, lembra o diretor.

Jos� Luiz Villamarim conta que o primeiro epis�dio de “Os outros” conseguiu n�meros expressivos de audi�ncia ao ser exibido na sess�o Tela Quente.
 
“Acredito que ir� muito bem tamb�m quando os outros epis�dios forem exibidos na tev� aberta. Mas estamos vendo se conseguimos exibir duas vezes por semana porque a hist�ria tem uma dramaturgia de escalada, de tens�o crescente, ent�o vai funcionar mais se for assim”, antecipa o diretor.