Enrique Diaz (Casmurro) e Mariana Ximenes (Capitu) no filme dirigido por Julio Bressane

Enrique Diaz (Casmurro) e Mariana Ximenes (Capitu) no filme dirigido por Julio Bressane

Viviane Davila/divulga��o

Com dois anos de atraso, surge finalmente um dos mais recentes rebentos da valiosa obra de Julio Bressane: “Capitu e o cap�tulo”, livremente inspirado em “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. O atraso incomoda, mas n�o prejudica, ainda mais por ser constante quando se trata de um cinema mais desafiador. Tenhamos paci�ncia. Os filmes de Bressane n�o t�m prazo de validade, pois est�o alheios a modismos ou a respostas a este, ou aquele quadro pol�tico-social.

Forma

Isso n�o significa que o tema esteja ausente de seu cinema. Pelo contr�rio. O tema se fortalece pela excel�ncia da forma, e aqueles que insistem em separar forma de conte�do para ignorar a forma n�o se assanham a esse exerc�cio terr�vel com os filmes do cineasta, sob a pena de passar ao largo dos filmes. Por isso as melhores vers�es de Machado para o cinema s�o dele.

E qual seria ent�o o tema deste “Capitu e o cap�tulo”? Muito mais do que saber se Capitu traiu ou n�o Bentinho, o tema � Machado de Assis. E tamb�m a arte do s�culo 19, o que automaticamente significa ser a arte criada at� ent�o. Um filme sobre a cria��o art�stica.

De Machado vamos a Dostoi�vski, e deste a Shakespeare, passando por in�meros outros artistas: �lvares de Azevedo, Castro Alves, Junqueira Freire. Machado de Assis, cr�tico e historiador de arte.
 
 

E o cap�tulo? � uma brincadeira com a frase de Haroldo de Campos de que, em “Dom Casmurro”, o mais importante n�o seria Capitu, mas o cap�tulo, ou cada um dos 148 que comp�em o livro – na m�dia, praticamente um por p�gina. De fato, Machado j� nos d� esse caminho em seu livro mais c�lebre.

Ao dar esse t�tulo ao filme, Bressane parece ressaltar a veia fragment�ria de seu cinema, ao mesmo tempo em que estuda a maneira como uma protagonista sobrevive � opress�o do cap�tulo, sempre interrompendo a prosa j� naturalmente fragmentada de Machado de Assis.

Bressane disse, em entrevistas, que n�o se trata de adapta��o, mas de interpreta��o, ou melhor, uma distor��o. � como imaginar o contexto da cria��o do livro, ser mais fiel � poesia machadiana do que a uma obra espec�fica, ainda que tenhamos muitas das palavras de Dom Casmurro.
 

Atores brilham

Vladimir Brichta tem uma das interpreta��es mais engra�adas de sua carreira como o atormentado Bentinho, andando pela casa como zumbi ap�s ter sentimento estranho com o rosto do pr�prio filho. Enrique Diaz interpreta o alter ego de Machado, o pr�prio Dom Casmurro. Mariana Ximenes, Saulo Rodrigues e Djin Sganzerla completam o quarteto amoroso que Jean Renoir aprovaria. Todos os atores e atrizes podem brilhar.

Sendo mais fiel � poesia machadiana, Bressane � tamb�m, e como sempre, fiel a sua pr�pria po�tica. O teor fragment�rio permite o car�ter retrospectivo j� demonstrado em outros filmes, que continua em “Capitu e o cap�tulo”.

Imagens de “Br�s Cubas”, “Matou a fam�lia e foi ao cinema”, “Tabu”, “Mandarim” e outros filmes do cineasta invadem a tela, antecipando a rememora��o do monumental “A viagem do �nibus amarelo”, seu longa mais recente, que tamb�m aparece aqui, completando a espiral de refer�ncias.

Pintura em cena

� um filme do desabrochar. Flores invadem as cenas, misturando-se aos rostos das atrizes, desenhando, mesmo quando fora de foco, molduras em um espelho, enchendo um vaso, uma parede ou uma pintura. O desabrochar de uma flor como o de lindas imagens cinematogr�ficas. E ainda de quadros e enquadramentos. Portas, janelas, estantes e espelhos servem de molduras para quadros dentro de quadros, numa constru��o em abismo que espelha o mergulho na investiga��o das obras de arte.

E de muitas outras coisas: as rela��es entre as pessoas e entre essas e as artes, o espa�o delimitado pela moldura da tela e o que est� fora desse espa�o, os limites de toda adapta��o, o barulho e a energia do mar, chap�us, Capitus  mulheres e m�es.

Poucos cineastas conseguiram desafiar t�o frontalmente o p�blico. Quase todos eles j� n�o est�o entre n�s.  Julio Bressane carrega a chama desse cinema que n�o paparica o espectador com naturalismo viciado e poesia pr�-fabricada, levando a inquieta��o de filmar ao limite m�ximo.  

“CAPITU E O CAP�TULO”

Brasil, 2021. Dire��o de Julio Bressane. Com Mariana Ximenes, Vladimir Brichta e Enrique Diaz. Em cartaz na sala 1 do Centro Cultural Unimed-BH Minas, �s 18h15.