Marco Ant�nio Ara�jo foi o primeiro m�sico contratado pela Sinf�nica de Minas, gravou discos de rock e comp�s trilha para o Grupo Corpo
Acervo pessoal
O multi-instrumentista mineiro Marco Ant�nio Ara�jo morreu jovem, aos 36 anos, v�tima de aneurisma cerebral, em 1986. O Brasil ficou chocado diante de perda t�o prematura. Primeiro m�sico contratado pela Orquestra Sinf�nica do Pal�cio das Artes, em 1977, ele chamava a aten��o com suas composi��es que transitavam por rock progressivo, jazz, modinhas e serestas, al�m dos universos erudito e barroco. Ganhou o apelido de “Egberto Gismonti da d�cada de 80”.
A biografia deste artista que fez hist�ria na m�sica instrumental brasileira ser� lan�ada nesta quinta-feira (3/8), �s 20h, na Casa Gonzaga, durante a abertura do Festival Tudo � Jazz em Ouro Preto.
Desafio e prazer
Escrever sobre o compositor, violonista, guitarrista e violoncelista significou um desafio e, ao mesmo tempo, um prazer, conta Paulo Roberto de Andrade, autor de “Marco Ant�nio Ara�jo – Entre a m�sica e o sil�ncio”.
Andrade resgata tanto a trajet�ria do mineiro na cena musical quanto a trajet�ria do jovem inconformado com a repress�o � criatividade e o cerceamento da liberdade em tempos de ditadura e obscurantismo.
“Trata-se do in�cio da estrada de entendimento sobre algu�m que permanece como uma figura altamente influente na m�sica instrumental brasileira”, destaca o bi�grafo.
A ideia surgiu durante conversas de Andrade com o guitarrista Alexandre Ara�jo, irm�o de Marco Ant�nio. “Disse-lhe que havia a necessidade de escrever algo sobre Marco Ant�nio. A trajet�ria dele � relevante, assim como a sua contribui��o � m�sica de Minas Gerais e do Brasil. Alexandre concordou, pegou os arquivos de sua m�e e me passou para para tirar c�pias”, diz.
A partir da�, Paulo Roberto pesquisou a m�sica instrumental brasileira e estrangeira. “Li v�rias biografias, procurei a editora e produtora cultural Marcela Bertelli e lhe apresentei o projeto. Ela achou interessante, tamb�m fez pequisas e levantamentos, al�m da leitura do texto, ainda bem inicial. Fez observa��es importantes, posso dizer que � a madrinha do livro. Marcela me orientou na abordagem de narrativa, no sentido de evitar confundir secund�rio e principal.”
Editora experiente, Bertelli publicou livros sobre os m�sicos Heraldo do Monte e Elomar, participa do projeto de organiza��o e digitaliza��o do acervo da compositora Marlu� Miranda. De 2007 a 2014, foi gestora do projeto de restaura��o do �rg�o da Igreja do Carmo, em Diamantina.
Detalhe de partitura deixada por Marco Ant�nio Ara�jo
Acervo pessoal
Paulo Andrade escreveu o texto em seis meses. “O trabalho demandou tempo n�o s� de pesquisas, mas tamb�m com entrevistas. Entrevistei v�rias pessoas que conviveram no dia a dia com o Marco Ant�nio, sendo que algumas at� trabalharam com ele, como a escritora Alda Stutz”.
Como n�o foi poss�vel continuar o trabalho com Marcela Bertelli, Paulo prosseguiu sozinho para viabilizar o livro, produ��o independente. Os principais entrevistados, al�m de Alexandre Ara�jo, foram D�a M�rcia de Souza, ex-mulher e m�e dos filhos de Marco Ant�nio; o artista pl�stico Fernando Fi�za, amigo pessoal dele; a escritora Alda Stutz; Helo�sa Elvira Lemos de Melo, a Nena, a primeira esposa do m�sico; e a modelo Neneca Moreira, amiga dele.
Gismonti, Paulo Moura e Caetano
Apaixonado por m�sica instrumental, Paulo Roberto de Andrade teve em Egberto Gismonti uma conex�o com Marco Ant�nio Ara�jo, a quem n�o conheceu pessoalmente e n�o viu tocar.
“Ouvi muito Egberto Gismonti. Quando conheci o trabalho de Marco Ant�nio, percebi semelhan�as entre eles. � claro que os temas eram diferentes, assim como a forma de compor e de se apresentar, mas as propostas dos dois guardavam certa similitude. Fiquei sabendo depois que Marco Ant�nio tamb�m era apaixonado pelo trabalho de Gismonti”, conta o autor. Outras refer�ncias de Marco foram o compositor, arranjador, saxofonista e clarinetista Paulo Moura (1932-2010) e Caetano Veloso.
Ligado � �rea de hist�ria, o bi�grafo decidiu fazer o livro ao perceber que n�o existe material sobre a trajet�ria de Marco Ant�nio Ara�jo, que morreu h� 37 anos. “Existem pessoas interessadas em saber sobre ele”, comenta.
A biografia ficou pronta h� cerca de um ano. “Procuramos financiamentos, mas n�o conseguimos. Ent�o, resolvi bancar sozinho os custos da produ��o”, explica. “Acho que o livro ficou interessante. N�o falei somente dele, mas tamb�m de sua gera��o, que, de certa forma, recebeu a influ�ncia dos Beatles e dos Stones. A �poca em que ele viveu era de agita��o, transforma��o e conflitos. No Brasil, t�nhamos uma ditadura. A juventude brasileira, de uma forma ou de outra, se opunha a ela.”
Paulo Roberto lembra que parte daquela juventude se envolveu com pol�tica, sindicatos e luta armada, enquanto outros jovens se voltaram para psicodelismo, transforma��o cultural e a chamada revolu��o dos costumes.
“Fiz quest�o de mostrar que o rock caminha paralelamente com a juventude. Ele � militante e luta tamb�m contra todas as opress�es, a guerra, o imperialismo, autoritarismo, machismo. Marco Ant�nio caminha com esse movimento do rock que come�a l� com os Beatles at� realizar a sua m�sica.”
Marco Ant�nio desenvolveu projeto com colegas da Sinf�nica de Minas Gerais
Acervo pessoal
Na Londres dos Beatles e dos Stones
Marco Ant�nio saiu Brasil em 1971, auge dos chamados anos de chumbo, e foi para a Inglaterra. “Ficou l� por mais de um ano, acompanhando os grupos musicais e vivendo aquela atmosfera de transforma��o que acontecia l�”, lembra Paulo Roberto. “Temos, naquele momento, a aproxima��o da m�sica negra com a branca”, comenta, destacando que “o rock que � o resultado do blues, do jazz e do tempo”. Na Inglaterra, Beatles e sobretudo os Rolling Stones estouraram com trabalhos influenciados por jazz, blues e folk.
O jovem compositor mineiro foi testemunha desse processo cultural. “O rock psicod�lico vai se tornar rock progressivo. Marco Ant�nio bebe na fonte, sorve a influ�ncia do rock desses grupos. Volta ao Brasil e fixa resid�ncia no Rio de Janeiro, onde vai estudar m�sica erudita e desenvolver seu trabalho”, relembra Paulo Roberto.
“Em quatro anos, ele se tornou excepcional instrumentista tocando cello. Mas tocava tamb�m viol�o cl�ssico. Voltou para Belo Horizonte, prestou concurso e passou na Orquestra Sinf�nica do Pal�cio das Artes. Foi o primeiro m�sico contratado da Sinf�nica, em 1977.”
Paralelamente � orquestra, Marco desenvolveu carreira solo. “Por�m, ele n�o conseguiu gravar sua m�sica. Alguns achavam que n�o era popular e outros j� achavam isso, uma confus�o. No Brasil, sempre houve dificuldade para gravar instrumental. Com isso, ele fundou a Strawberry Fields que passa a produzir seus shows e a gravar discos dele.”
Na opini�o de Paulo Roberto, Marco Ant�nio Ara�jo n�o foi apenas m�sico de express�o, mas tamb�m s�mbolo da juventude cabeluda e rebelde que teve o rock como instrumento e arma para combater o sistema capitalista.
“Ele gravou cinco discos e tem import�ncia hist�rica n�o s� para a m�sica mineira, mas tamb�m para a nacional. Em v�rias ocasi�es, o jornalista e cr�tico Zuza Homem de Mello teceu elogios a Marco Ant�nio e � sua m�sica, que considero interessante, contempor�nea e atual�ssima”, diz o bi�grafo.
Marco Ant�nio se dedicou � m�sica desde a adolesc�ncia, em BH. Fez parte de diversas bandas na d�cada de 1970, entre elas o grupo de rock progressivo Patrulha do Espa�o. Com a banda Mantra, lan�ou quatro discos: “Influ�ncias” (1981), “Quando a sorte te solta um cisne na noite” (1982), “Animal racional” (1983), “Entre um sil�ncio e outro” (1984) e “Lucas” (1985) – todos produzidos e gravados por seu selo Strawberry Fields.
Trilha para Grupo Corpo
Em 1978, o mineiro comp�s a trilha do espet�culo “Cantares”, espet�culo do Grupo Corpo. Criado em 1979, o Grupo Mantra era formado por Marco Ant�nio Ara�jo (viol�o), Alexandre Ara�jo (guitarra), Ivan Corr�a (baixo), S�rgio Matos (bateria), Eduardo Delgado (flauta) e Ant�nio Viola (violoncelo).
Com a banda Vox Populi, ele lan�ou, em 1969, o disco “Spassomanguim”, pelo selo Bemol, raridade disputada atualmente em sites. Esse grupo contava com Z� Rodrix, Tavito e Frederyko, o Fredera, que mais tarde formariam o Som Imagin�rio, banda que fez hist�ria ao lado de Milton Nascimento.
Marco Ant�nio Ara�jo tamb�m produziu o projeto de resgate da obra do maestro, compositor mineiro Jos� Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746-1805), lan�ando tr�s LPs da s�rie “Barroco mineiro”, de 1982 a 1985.
Marco Ant�nio com o Grupo Mantra. Alexandre Ara�jo, irm�o dele, est� ao fundo, � esquerda
Acervo pessoal
Marco deixou in�ditas suficientes para tr�s discos
O guitarrista, violonista e compositor Alexandre Ara�jo, conta que a ideia do livro sobre o irm�o, Marco Ant�nio, � antiga. “V�rias vezes quis fazer o resgate da obra dele e a biografia, mas nunca encontrava parceria. Ent�o, o Paulo Roberto se disp�s a escrever o livro. H� cerca de tr�s anos, antes da pandemia, ele foi juntando o material que fui lhe mandando, como as cartas que Marco Ant�nio escrevia de Londres para a minha m�e.”
A obra de Marco Ant�nio continua inacabada, ressalta Alexandre Ara�jo. “H� material para mais tr�s CDs, al�m de partituras escritas, m�sica de c�mara e rock progressivo” revela.
“H� uma obra dedicada ao maestro Sergio Magnani, composta em 1978. Na �poca, at� fizemos um show com banda formada pelos m�sicos estrangeiros da Sinf�nica. Nessa mesma �poca, ele estudava com o maestro Magnani. Ent�o, a gente montou essa banda”, diz.
O trabalho se chamava “Influ�ncias” e foi apresentado no extinto espa�o La Taberna, no Bairro Funcion�rios, e em Curitiba, no Paran�.
“Essas pe�as n�o chegaram a ser gravadas e logo depois disso alguns estrangeiros foram embora para seus pa�ses. Marco Ant�nio, ent�o, montou um grupo que passou a ser mais el�trico. Foi quando entraram o baixista Ivan Corr�a e o baterista M�rio Castelo. Assim surgiu o Mantra em sua primeira edi��o, virando depois o Marco Ant�nio Ara�jo Grupo.”
Projetos dependem de parcerias
Alexandre diz que a biografia de Marco Ant�nio chega para sensibilizar a cultura mineira a respeito da import�ncia de seu irm�o.
“Precisamos encontrar parcerias para fazermos o resgate e a eterniza��o da obra de Marco, sobretudo a edi��o e a grava��o das in�ditas dele. Isso vir� por meio deste livro, que espero que sensibilize a todos. Buscamos parceiros e patroc�nios para que possamos dar continuidade ao projeto”, diz Alexandre.
A maioria das pessoas de BH n�o sabe que o teatro de arena do Parque das Mangabeiras tem o nome de Marco Ant�nio Ara�jo, lamenta Alexandre Ara�jo, de 66 anos. “Ele caiu no esquecimento e somente minha gera��o se lembra do Marco.” Al�m de material suficiente para tr�s CDs, “h� tamb�m v�rias m�sicas inacabadas”, informa.
Capa do livro Marco Ant�nio Ara�jo, entre a m�sica e o sil�ncio
Reprodu��o
“MARCO ANT�NIO ARA�JO – ENTRE A M�SICA E O SIL�NCIO”
• Livro de Paulo Roberto de Andrade
• Edi��o independente
• 147 p�ginas
• R$ 70
• Lan�amento nesta quinta-feira (3/8), �s 20h, na Casa Gonzaga, em Ouro Preto
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