Maria Sabrina sorri e segura discos do pai, o cantor e compositor Wando

Maria Sabrina se diz rom�ntica como Wando e interpreta sucessos do pai, como 'Mo�a', 'Fogo e paix�o' e o samba 'O importante � ser fevereiro', nos shows que faz com o veterano M�rcio Greyck

T�lio Santos/EM/D.A Press

Wando era superexigente. Em 1988, quando lan�ou o �lbum “Obsceno”, bateu de frente com os executivos da Polygram para manter o nome do disco e a foto da capa: ele de roupa branca, � beira da cama, com a ma�� na m�o. Para a gravadora, nem a foto nem o t�tulo do �lbum eram de bom gosto. Mas Wando foi inflex�vel, exibiu ali o lado determinado que poucos conheciam.

A �nica pessoa que podia contest�-lo e critic�-lo – ouvia calado, e at� dava certa raz�o – era a pequena Maria Sabrina, a filha ca�ula. “Quando era bem pequena, era fascinada pelo ‘S�tio do Pica Pau Amarelo’. A�, pedi para meu pai tocar a m�sica de abertura da s�rie, que o Gil cantava. Ele come�ou a tocar, mas pedi para ele parar, dizendo que estava tudo errado”, lembra ela.

Wando, claro, obedeceu. E n�o se atreveu mais a tocar aquela can��o – pelo menos, n�o na frente da ca�ula.

Hoje com 16 anos, Maria Sabrina Costa Lana Reis segue os primeiros passos na m�sica, muito influenciada pela obra do pai. Ainda na inf�ncia, j� demonstrava o desejo de ser artista. Nas apresenta��es de escola, ela n�o se intimidava ao pegar o microfone, cantando para os coleguinhas e os pais que iam l� prestigiar a garotada.

Contudo, o pontap� inicial na carreira art�stica da garota ocorreu em 2018, quando assumiu os vocais do bloco de carnaval Bei�o do Wando, em Belo Horizonte. Pela primeira vez, Maria Sabrina cantou para uma grande plateia.

O carnaval, inclusive, � um dos interesses em comum dos dois. “Tenho afinidade muito grande com o samba”, revela a jovem. “Minha m�e acha isso engra�ado, porque foi justamente no samba que meu pai come�ou a carreira dele”, diz Maria Sabrina, citando “Gl�ria a Deus no c�u e samba na Terra”, disco de estreia do cantor e compositor mineiro, lan�ado em 1973.
 
Maria Sabrina com foto de Wando

Maria Sabrina defende o pai da fama de 'sem-vergonha': 'A verdade � que ele n�o era nada disso. Pelo contr�rio, era um cara muito fam�lia, muito rom�ntico'

T�lio Santos/EM/D.A Press

'Tudo bem que as mem�rias que tenho do meu pai s�o cenas curtinhas. Mas elas aquecem meu cora��o'

Maria Sabrina, cantora e filha de Wando



Tachado como �cone brega por causa das letras que esbanjavam sensualidade, e, claro, estrat�gias nada elegantes – como lan�ar calcinhas para as f�s durante shows e se orgulhar da cole��o de 17 mil pe�as �ntimas femininas –, Wando tinha tamb�m forte veia po�tica (e at� mesmo contestadora), que extrapolava a verve rom�ntica.

O disco de estreia do cantor j� trazia a faixa “O ferrovi�rio”. Assim como “Comportamento geral”, de Gonzaguinha, lan�ada no mesmo ano, � uma cr�tica ao contexto social daquela �poca.

Na can��o de Wando, o trabalhador acorda todos os dias �s cinco da manh� “pensando na farm�cia que tem para pagar” e “no aluguel que n�o pode atrasar”. Mas “quando chega fevereiro, veste a fantasia” e “esquece o trem/ tudo que tem/ Est� feliz, � carnaval”.

Na faixa “Presidente da favela”, do disco “Ilus�o” (1977), Wando sugere que o fict�cio chef�o do morro se preocupa mais com a popula��o do que os representantes do poder p�blico.

O 'cara muito fam�lia'

Contudo, o tema preferido do mineiro era o amor. “As pessoas muitas vezes t�m a impress�o de que meu pai era um sem-vergonha, mas a verdade � que ele n�o era nada disso. Pelo contr�rio, era um cara muito fam�lia, muito rom�ntico”, conta Maria Sabrina, que mora no bairro Buritis, em Belo Horizonte, com a m�e, a psic�loga Renata Costa de Vasconcelos Lana Lage.
 

Em sua m�sica, Wando abordou o amor de diversas formas – do sexo mais expl�cito � paix�o mais avassaladora. Quem n�o se lembra de “Fogo e paix�o”, o grande hit do cantor e compositor? Aquela do “voc� � luz/� raio estrela e luar (…) quando t�o louca/me beija na boca/me ama no ch�o”.

At� romance entre homens Wando cantou nos anos 1970, tempos marcados por censura e repress�o pol�tica. Em “Ilus�es”, faixa do disco “Gosto de ma��” (1978), o eu l�rico assume a forma do rapaz que se apaixona por outro. O amor faz deles “t�o meninos, livres/ t�o vadios de tanto querer”.
 
A caracter�stica rom�ntica do pai � o que mais atrai Maria Sabrina. A preferida dela, o samba “O importante � ser fevereiro”, foi gravada por Jair Rodrigues em 1971 e respons�vel por al�ar Wando ao estrelato.
 
Maria Sabrina canta durante o desfile do bloco Beiço do Wando no carnaval deste ano, em Belo Horizonte

Maria Sabrina canta durante o desfile do bloco Bei�o do Wando no carnaval deste ano, em Belo Horizonte

Leandro Couri/EM/D.A Press
 

Este samba marcou a estreia de Maria Sabrina no Bei�o do Wando, em 2018, durante o carnaval de rua da capital mineira. Atualmente, � presen�a recorrente no repert�rio das apresenta��es que a cantora faz ocasionalmente na cidade. V�rias delas abrindo o show do padrinho art�stico, o cantor e compositor M�rcio Greyck, amigo pessoal de Wando.  A pr�xima apresenta��o est� marcada para 1º de setembro, no restaurante Maria das Tran�as, abrindo o show de Greyck.

No repert�rio da garota n�o faltam sucessos do pai. Al�m de “O importante � ser fevereiro”, ela canta “Mo�a”, “Chora cora��o” e “Mordida na ma��”. “Tem tamb�m ‘Fogo e paix�o’, porque n�o pode ficar de fora de jeito nenhum, n�?”, acrescenta.
 
Em primeiro plano, vê-se porta-retrato com a foto de Wando brincando com um violão com a filha pequena. Ao fundo e desfocada, está ela, com 16 anos, tocando violão

No Buritis, onde mora, a jovem mineira guarda lembran�as do carinho de Wando, seu companheiro de brincadeiras

T�lio Santos/EM/D.A Press
 

Brincando de boneca na sala

N�o s�o muitas as lembran�as de Wando, � verdade. Quando ele morreu, em fevereiro de 2012, Maria Sabrina havia acabado de completar 5 anos – faz anivers�rio em janeiro. No entanto, n�o se esquece das vezes em que brincava com alguma boneca na sala do apartamento da fam�lia, em Belo Horizonte, e o pai chegava para brincarem juntos. Ou das reuni�es dom�sticas que a av� materna promovia, terminando sempre em cantoria.

“A m�sica sempre esteve presente no meu cotidiano”, conta Maria Sabrina. “Nos encontros que minha av� promovia, al�m do meu pai, meus tios e primos tocavam”, revela.

A av�, conta a garota, foi – e ainda � – uma das principais entusiastas de sua carreira musical. Maria L�cia Costa e Souza e Renata Lana sempre fizeram quest�o de apresentar os mais diversos estilos e m�sicos para a neta e a filha. Por isso o repert�rio da jovem vai do samba ao jazz de Amy Winehouse.

“Teve uma �poca em que minha av� falou que a gente escutaria s� a Chiquinha Gonzaga. A�, todo santo dia que eu ia � casa dela, colocava Chiquinha Gonzaga para tocar. At� que um dia, me pediu para cantar Chiquinha”, emenda Maria Sabrina.
 
Maria Sabrina toca violão

Maria Sabrina e o viol�o que aprendeu a tocar durante o isolamento social, na pandemia

T�lio Santos/EM/D.A Press

'As m�sicas que ele cantava me agradam muito. Al�m disso, sinto que o fato de eu escrever sobre a mesma coisa � uma forma de manter a conex�o com ele'

Maria Sabrina, cantora e filha de Wando

 

Garota autodidata

Assim como Wando, a ca�ula � autodidata. Come�ou tocando flauta doce, depois se interessou pelo ukulele e, durante o confinamento social imposto pela pandemia, descobriu o viol�o esquecido num canto de casa h� quase 20 anos, faltando uma corda.

Sem nada para fazer, pois aulas e todas as atividades culturais estavam suspensas, resolveu aprender o novo instrumento. Come�ou por m�sicas de outros artistas at� se arriscar a compor.

N�o demorou para Maria Sabrina perceber que suas letras seguiam a tend�ncia rom�ntica do pai. “As m�sicas que ele cantava me agradam muito. Al�m disso, sinto que o fato de eu escrever sobre a mesma coisa � uma forma de manter a conex�o com ele”, destaca.

Outra forma que a filha encontrou de manter o v�nculo com Wando � o conv�vio com os padrinhos Margareth Telles e Rog�rio Maia. “Eles eram os melhores amigos do meu pai. De certa maneira, os dois lembram muito ele, na maneira como se comportam e se relacionam comigo”, afirma.

“Tudo bem que as mem�rias que tenho do meu pai s�o cenas curtinhas”, pondera Maria Sabrina. “Mas elas aquecem meu cora��o.”