Os roteiristas Mariana Bardan e Eduardo Melo em uma das locações de 'Cangaço novo', no sertão nordestino

Os roteiristas Mariana Bardan e Eduardo Melo em uma das loca��es de 'Canga�o novo', no sert�o nordestino

Acervo pessoal

Hist�rias familiares ajudaram Eduardo Melo e Mariana Bardan, os roteiristas da s�rie “Canga�o novo”, a criar caracter�sticas e situa��es dram�ticas dos protagonistas Ubaldo (Allan Souza Lima), Dinorah (Alice Carvalho) e Dilv�nia (Thain� Duarte). “Quem a gente foi, quem a gente � agora, de onde veio, o que estudou... Nossa origem se reflete completamente no roteiro, mas definitivamente n�o � uma hist�ria sobre n�s”, ressalta Mariana, nascida em uma fam�lia predominantemente feminina no interior de S�o Paulo. “Dinorah, Dilv�nia e Zeza (Marc�lia Cartaxo) s�o uma mistura de todas as mulheres ao meu redor”, conta.

Nesta entrevista, os criadores da s�rie de maior repercuss�o da atualidade lembram os momentos mais dif�ceis que passaram antes da realiza��o, revelam como a pol�tica e a religi�o aparecem nos oito epis�dios da primeira temporada e detalham o que chamou a aten��o deles na modalidade de assalto que ficou conhecida como “novo canga�o”.
 
“Devido �s dimens�es continentais do nosso pa�s, n�o h� efetivo policial especializado em condi��o de dar resposta para todas as cidades e, al�m disso, n�o � poss�vel reagir em meio a tantos ref�ns. S�o caracter�sticas �nicas que fizeram desses assaltos algo espec�fico e recorrente em cidades do sert�o brasileiro”, lembra o paulistano Eduardo Melo, que � filho de pai cearense e m�e baiana.

O casal tamb�m revela influ�ncias n�o somente de cl�ssicos do cinema novo, a exemplo de “Vidas secas” e “Deus e o diabo na terra do sol”, como tamb�m da literatura brasileira. Ubaldo, o protagonista masculino de “Canga�o novo”, ganhou esse nome depois que Mariana terminou a leitura de “Di�rio do farol”, romance do baiano Jo�o Ubaldo Ribeiro. E Dinorah foi moldada a partir da for�a de personagens como Diadorim, de Guimar�es Rosa, e Luzia-Homem, de Domingos Olimpo.
 
Os irmãos Dilvânia (Thainá Duarte), Dinorah (Alice Carvalho) e Ubaldo (Allan Souza Lima) protagonizam a série 'Cangaço novo'

Os irm�os Dilv�nia (Thain� Duarte), Dinorah (Alice Carvalho) e Ubaldo (Allan Souza Lima) protagonizam a s�rie 'Canga�o novo'

Amazon Prime
 

Como as origens de voc�s se refletiram nos roteiros dos oito epis�dios de “Canga�o novo”?
Eduardo: A fam�lia da minha m�e vem do interior da Bahia e todos migraram para S�o Paulo nos anos 1970. Retirantes nordestinos, deixaram o �nico bem da fam�lia que era um terreno de 60 alqueires. Vinte anos depois, parte da fam�lia voltou para reconhecer o lugar ou saber alguma informa��o sobre o terreno e meus tios foram amea�ados. Tiveram que deixar a cidade com urg�ncia. Esses eventos certamente nos inspiraram para construir motiva��es tanto em Ubaldo quanto em Dinorah. Quando meu av� chegou em S�o Paulo sem nenhum recurso e sete filhos para criar, ele n�o conseguiu emprego devido � idade j� avan�ada (na �poca, f�bricas contratavam at� 40 anos e ele tinha 55). A lenda familiar � que ele voltou para a Bahia, invadiu um cart�rio durante a noite e mudou sua idade: a cena da invas�o do cart�rio est� no primeiro epis�dio da s�rie. Meu av� chamava-se Paulino e acabamos batizando o candidato da oposi��o com o nome dele.

Meu pai � do interior do Cear�, de um distrito chamado Sucesso. Ele chegou em S�o Paulo aos 14 anos para trabalhar em uma padaria e morou nos fundos do estabelecimento por um ano at� conseguir ir para o corti�o. A maioria da minha fam�lia paterna manteve-se no Cear�, situa��o que nos fez visit�-los e sermos visitados a vida toda. Esse choque cultural, sem d�vida, est� impresso nas rela��es da fam�lia Vaqueiro. Sucesso � um distrito de Tamboril, mas a cidade mais pr�xima � Crate�s, que foi inspira��o para Cratar�. Um dos meus tios se candidatou a vereador, mas logo depois sofreu um atentado e desistiu da vida pol�tica.

Mariana: Sendo uma hist�ria criada por mim e pelo Edu, acho que n�o tem como descolar de quem a gente �. Venho do Vale do Para�ba, interior de S�o Paulo, sou filha de m�e solo. Meus av�s maternos viveram uma vida rural, cat�lica e rodeada por mulheres. Tiveram onze filhos, sendo dois adotivos. Minha av� queria estudar e ter seu com�rcio, mas se dedicou a cuidar da casa, dos filhos, dos netos, vizinhos e de quem mais aparecesse. Meu av� foi da lavoura, da planta��o de cana de a��car, de caf� e do gado. Perdeu um bra�o em um choque el�trico aos 33 anos e nunca parou de trabalhar. Morreu velhinho, mas � querido at� hoje por todos da comunidade do Registro, bairro rural de Taubat� (SP). Conto tudo isso para responder que a gente usa tudo o que a gente tem. Quem a gente foi, quem a gente � agora, de onde veio, o que estudou, os livros que leu, as m�sicas, os traumas, as felicidades... E a� aplicamos uma das ferramentas mais importantes do roteirista: a criatividade, que, por sua vez, tem muito a ver com as experi�ncias que tivemos ao longo da vida e que nos proporcionaram desenvolver o lado criativo. Ent�o, no resumo, nossa origem se reflete completamente na hist�ria e no roteiro, mas, definitivamente, n�o � uma hist�ria sobre n�s.
 
 
 
Nos dez anos de cria��o at� o lan�amento em streaming, quais foram os momentos mais dif�ceis e os mais decisivos?
Mariana: Quando voc� n�o tem experi�ncia de carreira ou apadrinhamento audiovisual, todo momento � dif�cil e decisivo. Muitas foram as vezes em que eu pensei: Ser� que agora � hora de desistir? Ser� que isso vai dar p�? Ser� que a gente vai conseguir vender esse projeto? Mas trazendo para a cronologia do tempo, acho que um dos momentos mais decisivos foi apresentar o projeto para o Fabinho (Mendon�a, um dos diretores da s�rie), l� em 2015. Porque com ele veio a (produtora paulista) O2 e a chance de o projeto acontecer aumentou consideravelmente. E um momento dif�cil � o da espera. Pela aprova��o, pelo retorno de uma resposta. Faz parte do processo, mas � um momento dif�cil. A espera � ansiosa, cheia de expectativas, �s vezes angustiada. Lembro que a gente estava para come�ar a rodar quando chegou a pandemia e tivemos que replanejar tudo. Foi muito dif�cil.

Eduardo: Foram muitos momentos dif�ceis, h� muita ansiedade e todo e qualquer movimento dentro do projeto leva muito tempo. N�s chegamos a uma situa��o financeira muito delicada: j� est�vamos casados h� tr�s anos e voltamos a morar com meus pais quando veio mais uma resposta negativa em rela��o ao andamento do projeto. Ent�o eu duvidei da minha capacidade. Foi o momento mais duro para mim, mas eu n�o estava sozinho. Mariana, a mais pessimista de n�s dois, foi quem me levantou. 
 
Alice Carvalho como Dinorah na série Cangaço novo

Diadorim e Luzia-Homem, mulheres fortes da literatura, inspiraram a Dinorah de 'Canga�o novo', papel de Alice Carvalho

Amazon Prime
 

Mariana, poderia explicar como foi a cria��o do protagonismo feminino de Dinorah? Quem � essa mulher sertaneja e como Alice Carvalho interpreta o que voc�s escreveram?
Mariana: Sou filha de m�e solo. Mas fui criada, al�m da minha m�e, por mais oito tias, uma av� e um av�. Durante toda minha vida, eu vi todas essas mulheres fazerem tudo: plantar, capinar, dirigir, trocar pneu, limpar a casa, costurar, rezar, matar galinha, fazer pamonha, dan�ar, beber, amar, estudar, sofrer, trabalhar, casar, separar, ter filho. Dinorah, Dilv�nia e Zeza s�o uma mistura de todas as mulheres ao meu redor. Mas Dinorah tem uma ira exposta, que faz o que eu – e acho que muitas mulheres tamb�m – gostariam de fazer e n�o fazem. Neste sentido, Dinorah � a mulher que eu queria ser. Da a��o e da sensibilidade pr�tica. � uma tentativa – muito ambiciosa, eu sei – de alcan�ar ao menos uma c�lula de Diadorim, de Guimar�es Rosa. Al�m dela, eu tinha tamb�m um desejo de ver a for�a de “Luzia-Homem”, de Domingos Olimpo. Mas, claro, eram desejos, sonhos de uma menina caipira completamente apaixonada por essas personagens. Quando essa Dinorah, que j� era viva, mas estava no papel, encontra Alice, ela ganha sangue, suor e independ�ncia para seguir seu caminho. Eu agrade�o demais � Alice. Sinto que Dinorah encontrou seu corpo. Sei l� por que me lembrei de um dia em que Alice me escreveu perguntando de refer�ncias audiovisuais para Dinorah. Eu fiquei pensando, pensando, e me dei conta de que n�o tinha ou que eu n�o conhecia, infelizmente. A� o Edu falou: ‘N�s � que vamos criar’. E deu no que deu.
 

'Dinorah, Dilv�nia e Zeza s�o uma mistura de todas as mulheres ao meu redor. Mas Dinorah tem uma ira exposta, que faz o que eu - e acho que muitas mulheres tamb�m - gostariam de fazer e n�o fazem. Neste sentido, Dinorah � a mulher que eu queria ser. Da a��o e da sensibilidade pr�tica. � uma tentativa - muito ambiciosa, eu sei - de alcan�ar ao menos uma c�lula de Diadorim, de Guimar�es Rosa'

Mariana Bardan, roteirista

 

O que chamou a aten��o de voc�s no notici�rio a respeito dos crimes cometidos pelo chamado “novo canga�o” na �ltima d�cada? Como levar a realidade para a fic��o?
Mariana: O car�ter da espetaculariza��o que os assaltos t�m: �s vezes duram mais de uma hora no meio do dia, ref�ns amarrados no cap� do carro, muitos carros, motos, vinte pessoas “produzindo” um assalto, � muito megaloman�aco – e foi justamente isso o que a gente trouxe para a fic��o. Na vida real, � o horror. A cidade fica desolada, � um trauma, um luto coletivo.

Eduardo: Chamaram muito a minha aten��o a organiza��o do crime e a coragem dos assaltantes. Um assalto no modelo ‘dom�nio de cidades/novo canga�o’ necessita de planejamento, de uma equipe grande, de armas de grosso calibre e de experi�ncia. Essas caracter�sticas fazem dos bandidos n�o s� criminosos comuns, mas realmente profissionais do crime. Para uma atividade criminosa chegar a esse ponto, � porque muitas outras quest�es sociais falharam no caminho. Revela de forma dram�tica a situa��o do pa�s frente ao crime organizado.
 
Bando de criminosos da serie Novo cangaço

Cangaceiros do s�culo 21: profissionais do crime

Amazon Prime

'Chamaram muito a minha aten��o a organiza��o do crime e a coragem dos assaltantes. Um assalto no modelo 'dom�nio de cidades/novo canga�o' necessita de planejamento, de uma equipe grande, de armas de grosso calibre e de experi�ncia'

Eduardo Melo, roteirista

 

Eduardo, voc� costuma dizer que o crime praticado pelo novo canga�o � 100% brasileiro. Poderia detalhar o que torna �nica essa modalidade de assalto? O que diferencia a din�mica de cada um dos assaltos mostrados na nova s�rie? 
Eduardo:O m�todo denominado ‘novo canga�o’ consiste em um banditismo interiorano com grupos entre seis e 15 integrantes usando metralhadoras e fuzis que subjugam a for�a policial local em n�mero menor e menos armada, fecham as entradas e sa�das das pequenas cidades, fazem ref�ns os clientes das institui��es financeiras, explodem o cofre, roubam o dinheiro e partem levando diversos ref�ns, alguns inclusive amarrados nos cap�s ou teto dos ve�culos. As a��es duram em torno de uma hora e mant�m as cidades em estado de s�tio. Devido �s dimens�es continentais do nosso pa�s, n�o h� efetivo policial especializado em condi��o de resposta para todas as cidades e, al�m disso, n�o � poss�vel reagir em meio a tantos ref�ns. S�o caracter�sticas �nicas que fizeram desses assaltos algo espec�fico e recorrente em cidades do sert�o brasileiro. Em 2013, segundo a Febraban (Federa��o Brasileira de Bancos), 136 assaltos a banco nessa modalidade aconteceram s� no Cear�. Ao pesquisar o perfil desse tipo de assaltante, encontramos mais peculiaridades, para al�m de criminosos com extensas fichas criminais, tamb�m foram presos ou mortos, vereadores, empres�rios, ex-militares, ex-policiais e at� engenheiros, uma gama de perfis que atuam em outras tarefas espec�ficas dentro do bando: planejamento, financiamento, execu��o e fuga. De forma geral, s�o montados pelo menos dois per�metros de seguran�a e uma equipe t�cnica trabalha dentro da ag�ncia. Nessas equipes j� foram encontrados explosivistas da constru��o civil e pessoas que foram for�adas a praticar assaltos. Na s�rie, tentamos ser fi�is ao m�todo, mostrando em cada assalto uma parte dos processos. Os dois primeiros foram representados na modalidade “novo canga�o” e o �ltimo na modalidade “canga�o noturno”. Os �ltimos assaltos que chocaram o pa�s, como, por exemplo, o assalto ocorrido em 2021 em Ara�atuba (SP), t�m recebido outro termo pelas autoridades competentes. Est�o sendo denominados como “dom�nio de cidades”. Esses crimes podem envolver at� 60 integrantes, h� a participa��o ou a idealiza��o por fac��es criminosas. E suas a��es n�o s�o apenas roubo a banco, mas tamb�m resgates de presos e o roubo de empresas de valores. Na s�rie, n�s nos concentramos no “novo canga�o”.
 

Quais foram as cenas mais dif�ceis de escrever e de se realizar nas filmagens? O que teve de ser alterado e/ou adaptado por causa da pandemia?
Mariana: Tem uma cena que eu gosto muito de ter escrito com o Fernando Garrido, que � a cena em que Ubaldo conhece as irm�s. A gente debateu muito em sala de roteiro, mas depois ainda quebramos a cabe�a para resolver quando fomos para a escrita de fato. Foi uma cena com muitas tentativas at� encontrar a curva dram�tica ideal. Ent�o, foi dif�cil, porque demorou para sair. E o Fabinho foi incr�vel na dire��o. Mas, de longe, foi mais f�cil de realizar do que as cenas de a��o e o inc�ndio. A gente construiu uma igreja para queim�-la no final, � uma loucura! 

Ajustes e adapta��es s�o sempre comuns quando come�a a filmagem. As loca��es e a log�stica das filmagens ditam as condi��es e o roteiro precisa se adequar a isso. A pandemia n�o foi um impeditivo, mas foi um complicador que tamb�m demandou ajustes, mas nada que ferisse a hist�ria.  

Alguns sites e podcasts compararam a s�rie a “Breaking bad”. A cria��o de Vince Gilligan foi uma refer�ncia? Ou as refer�ncias vieram mais do Brasil que de produ��es estrangeiras?
Mariana: Vince Gilligan � uma refer�ncia, sem d�vida. As refer�ncias vieram de fora e daqui. Tem John Ford, Nelson Pereira dos Santos, Scott Frank (criador de “Godless”). Acho que, enquanto estrutura seriada, a gente tem mais refer�ncia estrangeira, mas enquanto conte�do a gente olha mais pra dentro, inclusive para refer�ncias n�o audiovisuais. “Grande Sert�o: Veredas”, de Guimar�es Rosa, “A ess�ncia da bala”, de Rafael Rosa e Paulo Nascimento, “Luzia-Homem”, de Domingos Olimpo. Ouso dizer que at� C�mara Cascudo � uma refer�ncia. E m�sica, muita m�sica. Ednardo, Fagner, Xangai, Z� Ramalho, Maria Beth�nia, Quinteto da Para�ba, Tom Z�, Dominguinhos, Rosinha de Valen�a, Jo�o Gomes, Fl�vio Jos�. Vou parar aqui, mas tem muita gente. 

Eduardo: Al�m do filme que nos inspirou (“O profeta”, de Jacques Audiard), as refer�ncias s�o muitas. Seria imposs�vel n�o levar em considera��o “Vidas secas” de Nelson Pereira dos Santos, “O cangaceiro” de Lima Barreto, “Deus e o diabo na terra do sol” de Glauber Rocha, “O assalto ao trem pagador” de Roberto Farias, “Cabra marcado para morrer” de Eduardo Coutinho, e mesmo “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles. Em n�s h� uma paix�o pelos faroestes de John Ford, principalmente pela obra “O homem que matou o fac�nora” (''The man who shot Liberty Valance''), al�m de “Tr�s homens em conflito” (“The good, the bad and the ugly”), de Sergio Leone. Nas refer�ncias mais atuais, dois filmes foram muito importantes: “A qualquer custo” (“Hell or high water”), de David Mackenzie, e “Sic�rio”, de Stefano Sollima, ambos com roteiro de Taylor Sheridan.
 
Cena da série Cangaço novo

Universo feminino da s�rie traz um pouco da m�e, das oito tias e da av� que criaram a roteirista Mariana Bardan

Amazon Prime
 

Como a pol�tica e a religiosidade brasileira aparecem em “Canga�o novo”?
Mariana: N�o � novidade na hist�ria do Brasil que campanhas pol�ticas s�o financiadas pelo crime. Maleiros versus Vaqueiros � um exemplo disso. T�o poderosa quanto a pol�tica no pa�s � a f�. Mais que uma religi�o espec�fica, a gente buscou destacar o poder da f� atrav�s da Irmandade das Tr�s. Uma igreja que mistura catolicismo com o culto ao patriarca Vaqueiro. Na minha fam�lia, apesar de muito cat�lica, s�o comuns as simpatias, garrafadas e outros rituais. No altarzinho da casa da minha m�e, ao lado da Nossa Senhora Aparecida, tem uma foto do meu av�. � a cren�a, � a f�, � a fam�lia.

Eduardo: Em muitas cidades do interior do Nordeste, mais precisamente no Cear�, de onde vem a fam�lia do meu pai, a elei��o � uma esp�cie de esporte. Envolve a cidade inteira que em geral se divide entre dois candidatos. As rela��es de esquerda e direita n�o s�o t�o claras como nas grandes cidades, elas s�o mais estreitadas em rela��o � qual fam�lia est� se candidatando. N�o tinha como ignorar essas informa��es embebidas na polariza��o da pol�tica nacional. Al�m disso, est�vamos cansados de ver o tr�fico de drogas como o elenco criminoso principal. Trabalhar essa chave nos trouxe personagens com motiva��es pessoais mais interessantes para al�m de quererem apenas ficarem ricos. 

O que tem sido mais surpreendente na repercuss�o alcan�ada pela s�rie?
Mariana: Claro que eu queria que a s�rie fosse um sucesso, mas quando percebi que conseguimos agradar pessoas extremamente diferentes, a� me surpreendi. Minhas tias assistiram e gostaram na mesma intensidade que meus primos, mas por motivos diferentes. D� pra assistir com o amigo do futebol e com a sogra.    

Al�m de Guimar�es Rosa, poderiam citar outros autores brasileiros que est�o entre os preferidos de voc�s? O nome de um dos protagonistas, Ubaldo (Allan Souza Lima), � homenagem a Jo�o Ubaldo Ribeiro, autor de livros como “Viva o povo brasileiro”?
Mariana: Eu amo literatura brasileira. Acho essa gente que escreve livro, prosa, poesia, talentosa demais. Igual a m�sica brasileira. � alt�ssima qualidade. Al�m de Guimar�es Rosa, tenho outros cl�ssicos: Machado de Assis, Ariano Suassuna, Ana Cristina Cesar, Clarice Lispector... Mas acho que n�o tem conex�o com o 'Canga�o novo'. Sobre o nome Ubaldo: N�o sei dizer se foi uma homenagem ou casualidade ou as duas coisas. A escolha aconteceu porque quando eu e Edu tivemos a ideia, eu tinha acabado de ler “Di�rio do farol”, do Jo�o Ubaldo Ribeiro. A� pegamos o nome dele “emprestado”.
 
Eduardo: Logo no in�cio do projeto, um colega me mandou um v�deo em que Maria Bethania lia Guimar�es Rosa e declamava: “Sert�o � onde manda quem � forte com as ast�cias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado.” Aquilo nos arrebatou e essa cita��o passou a ser a primeira coisa a ser apresentada no projeto. Para n�s, era um norte sobre o esp�rito da s�rie. 


H� mais hist�rias a serem contadas no sert�o imaginado por voc�s em “Canga�o novo”?
Mariana: Com certeza h� mais hist�rias, d� para falar de tudo no sert�o. Ele � infinito. Palco do drama, da a��o, da com�dia, do medo e da humanidade em sua forma mais complexa.