Diretor Roberto de Oliveira

Roberto de Oliveira diz que era 'deposit�rio de um momento importante da cultura brasileira' e tinha de dividi-lo com o Brasil

Ci�a Neder/divulga��o
 

'Eu me sinto privilegiado. N�o � uma situa��o normal voc� ter a ideia de um projeto - eu tinha 24 anos - e depois de 50 anos estar contando essa hist�ria que voc� come�ou'

Roberto de Oliveira, diretor

 

“Era um encontro improv�vel mas, ao mesmo tempo, inevit�vel”, afirma Roberto de Oliveira, diretor (com Tom Job Azulay) de “Elis & Tom - S� tinha de ser com voc�”, o document�rio que estreia nesta quinta (21/9) nos cinemas. 


Foi de Oliveira a ideia de “juntar o compositor brasileiro mais importante no mundo naquele momento, um m�sico absurdamente incr�vel, com a cantora que fazia mais sucesso”. Mas entre eles havia “diferen�as de estilo”, que afloraram durante as grava��es do �lbum. 

Detentor dos registros desse encontro, Oliveira diz que se sabia “deposit�rio de um momento importante da cultura brasileira” e que precisava dividi-lo. Na entrevista a seguir, ele explica por que o faz agora. 
 
No filme, Roberto Menescal afirma n�o compreender por que voc� guardou esse material por quase 50 anos. Por qu�?
Essa hist�ria do tempo est� t�o engra�ada. Todo mundo estranha. N�o sei se vamos ganhar muitos pr�mios (com o filme), mas para o (livro) “Guinness” (dos recordes) de filme mais demorado a ser feito certamente vamos entrar. A gente estava fazendo um making of na �poca em que nem existia muito essa coisa do making of. O est�dio n�o estava preparado para receber uma equipe de cinema. Sorte de ter o Jom Tob Azulay, jovem diplomata que trabalhava no consulado e era estudante de cinema na UCLA. Ele fez som direto e foi fundamental na montagem da equipe, foi o motorzinho que fez as coisas funcionarem. A gente captou esse material sem roteiro, sem nada, porque eu sabia que era um momento  hist�rico, tinha que ser registrado. Depois era outra hist�ria. Eu n�o sabia bem o que fazer com o filme. O tempo foi passando, muita gente me cobrando, mas eu percebia que o tempo fazia bem para essa hist�ria. As hist�rias da Elis e do Tom j� estavam resolvidas. O disco tamb�m fez sua hist�ria. Se eu fizesse o filme dois anos depois dos acontecimentos, n�o seria t�o bom. Acho que o tempo fez muito bem para essa hist�ria. 
 

'Ela (Elis) passou a vida inteira enfrentando os moinhos'

Roberto de Oliveira, diretor

 

Nessa mirada em retrospectiva dos acontecimentos, algo mudou na forma como voc� os via?
Eu me sinto privilegiado. N�o � uma situa��o normal voc� ter a ideia de um projeto - eu tinha 24 anos - e depois de 50 anos estar contando essa hist�ria que voc� come�ou. Isso me d� uma posi��o privilegiada para contar essa hist�ria. Por outro lado, eu sabia que era deposit�rio de um momento importante da cultura brasileira e tinha que dividir. Tive o cuidado de fazer a montagem sem muita censura ou autocensura. As fam�lias foram muito compreensivas. Viram que era uma obra s�ria.
 
 

Andr� Midani diz na entrevista para o document�rio que Elis Regina “se matou, ela interrompeu o curso da sua carreira e o fez de uma maneira consciente e determinada”. Pouco depois dessa declara��o, voc� comenta que ela tinha horror � perspectiva da decad�ncia. Voc� acha que a morte de Elis foi suic�dio?
Acho que ele est� falando ali um pouquinho no sentido figurado, n�o no acontecimento da morte dela, mas um pouco da situa��o que ela vivia. Ela estava muito sem perspectiva. Isso deve ter mexido com a cabe�a dela. Minha interpreta��o � que o Andr� quis falar que ela se jogou num buraco sem volta, a droga seria esse buraco. Andr� acha que havia um desencanto porque ela n�o conseguia fazer novos discos e novos projetos como os de antes. Ela passou a vida inteira enfrentando os moinhos. Era muito desamparada, desde o in�cio, n�o tinha uma estrutura familiar com recursos. Ela tinha que se virar sozinha desde pequenininha. E era um fen�meno, desde pequenininha. Come�ava a cantar e vinha o bairro inteiro em volta para ouvir. Para se defender, ela foi muito agressiva, mas na defesa. Era uma pessoa doce a Elis. Mas estava sempre sozinha, sofrendo todo tipo de ass�dio que se possa imaginar nesse ambiente muito hostil do mercado. A segunda coisa � que, depois do (disco com) Tom, ela chegou num n�vel de perfei��o da obra dela que n�o tinha como ficar melhor. Chegou no limite dos recursos dela. Conseguiu tudo o que ela queria em termos de performance. O disco � uma perfei��o. Para onde uma mulher que chegou nessa situa��o pode ir? Havia um conflito entre essa batalhadora que estava sempre querendo pular obst�culos com o fato de que mais do que isso ela n�o conseguia, bateu no teto. Pode ter acontecido alguma situa��o depressiva que ela talvez tenha caminhado para uma autodestrui��o com as drogas, e ali foi um momento em que aconteceu um acidente. N�o acho que foi proposital.
 
Elis Regina

O diretor comenta no filme que um ind�cio de como o clima tenso das grava��es afetava Elis era o fato de ela roer as unhas

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� arriscada a decis�o do filme de mostrar Elis no caix�o. Como foi tomada?
A gente trata da morte dela no filme um pouco como o grande paradoxo. Ela com seus 36 anos, no auge da beleza, do talento, da fama, ir embora. At� hoje o Brasil n�o se recuperou desse impacto, como n�o tinha se recuperado da (morte de) Carmen Miranda (1909-1955). Acho que aquela situa��o de choque da popula��o os caras tinham que ver, para entender o paradoxo. Essas gera��es que testemunharam a morte, as pessoas todas lembram onde estavam quando aconteceu. Essas coisas me levaram a mostrar um pouco do sepultamento. Coloquei no in�cio do filme para as novas gera��es saberem que essa mulher maravilhosa que eles ver�o morreu cedo. 
 

'Era uma pessoa doce a Elis. Mas estava sempre sozinha, sofrendo todo tipo de ass�dio que se possa imaginar nesse ambiente muito hostil do mercado'

Roberto de Oliveira, diretor

 

Qual � sua cena preferida do filme?
“Chovendo na roseira”. Aquilo ali � uma obra-prima. Voc� viu que a gente preferiu colocar o ensaio (e n�o a cena da grava��o que valeu). Est� tudo ali, o Tom ironizando o Cesar (Camargo Mariano), “tocar em d� � f�cil”, o (violonista) Oscar Castro-Neves, m�sico brasileiro t�o importante que nem trabalhava no Brasil. A descontra��o da Elis. No ensaio ela � perfeita, ela n�o desafina, ela n�o erra. 

Recentemente houve uma pol�mica em torno da recria��o da imagem de Elis Regina com uso de Intelig�ncia Artificial para uma pe�a publicit�ria. Qual � sua opini�o sobre esse assunto?
Acho que Intelig�ncia Artificial, quando usada para o bem, funciona, � incr�vel, � o m�ximo. Toda a ambienta��o sonora do filme � feita com Intelig�ncia Artificial. Com esse recurso, voc� consegue fragmentar, tirar um instrumento sozinho. Por isso recomendo a quem puder ir ao cinema (ver o filme) que v�, porque voc� tem uma sonoriza��o muito interessante, voc� percebe o tempo todo o ru�do do est�dio. A gente conseguiu uma condi��o t�cnica excepcional para esse filme. Gravamos em Los Angeles, onde os est�dios estavam a anos-luz dos daqui. O filme ficou muito preservado, est� com �tima qualidade, sem perder em nada para qualquer produ��o sofisticada. A tecnologia era um vento a favor nessa hist�ria. 
 
Mas eu me referia � recria��o da imagem. O que voc� acha disso?
Teve um pouco de conversas, de discuss�o (sobre o comercial)... Quando surge uma nova tecnologia, ela aparece e logo o mercado, a sociedade resolve se vai adotar ou n�o. Teve coisas que pareciam grandes avan�os e as pessoas acabaram n�o usando, como o tel�grafo. As pessoas n�o adotaram, acharam chato aquilo. � sempre assim, a tecnologia chega, � aceita ou n�o, e, quando � aceita, s� depois vem a regula��o. Releitura de obras art�sticas � uma coisa que existe desde a Antiguidade. A Intelig�ncia Artificial vai ser isso: poder juntar determinados artistas que n�o estiveram juntos. Agora, tem que ter o crit�rio do bom senso e regula��o para respeitar principalmente direito autoral. O risco � os criadores perderem tudo o que conquistaram de direito autoral. Sou a favor de que se discuta tudo. A Intelig�ncia Artificial tem que ser regulada para n�o ser usada de maneira criminosa. Mas n�o me preocupo muito com isso, acho que vai se resolver bem.
 
Tom Jobim

Depois de dissipada a tens�o entre Tom Jobim e a banda de Elis Regina, o maestro fez coment�rios elogiosos aos instrumentistas

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VINICIUS DE MORAES: O PR�XIMO FILME

O pr�ximo projeto de cinema do produtor e diretor Roberto de Oliveira � um filme ficcional sobre a participa��o do poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) no Circuito Universit�rio, nos anos 1960. Oliveira era produtor do Circuito e conta que percorreu com Vinicius 60 cidades brasileiras, numa situa��o de “muita tens�o” no pa�s sob ditadura militar, mas de “muita emo��o”.

 
Oliveira pretende dar tratamento ficcional ao filme e diz que desta vez n�o vai “levar 50 anos” para concluir o projeto. Num recente jantar informal, o diretor recebeu de Fernanda Montenegro a sugest�o de um ator para interpretar o poeta. Mas ele n�o revela quem � nome pelo qual Fernandona torce. “A gente conta o milagre, mas n�o diz o nome do santo”, brinca. 
 

“ELIS & TOM - S� TINHA DE SER COM VOC�”

(Brasil, 2023. 100 min.) Dire��o: Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay. Em cartaz a partir desta quinta-feira (21/9), no UNA Cine Belas Artes, Centro Cultural Unimed-BH Minas, Cineart Ponteio, Cineart Cidade 6, Cinemark P�tio Savassi e Cinemark Diamond Mall.