
Ela � do litoral de Santa Catarina, ele do interior de S�o Paulo. Ela est� acostumada com a farinha de mandioca, ele cresceu comendo a de milho. Toda vez em que iam cozinhar juntos, em eventos ou um simples almo�o, os s�cios Daniela Narciso e Danilo Rolim tentavam provar que a sua receita era a melhor. Em vez de continuar a disputa, eles se juntaram para escrever o livro “Farofa”, mostrando como os preparos podem ser diversos e igualmente saborosos.
A hist�ria do livro come�a quando os chefs se d�o conta da infinidade de farofas que existem no Brasil. A diversidade n�o tem a ver apenas com os tipos de farinha, mas tamb�m em rela��o �s gorduras usadas no preparo, os ingredientes e as fun��es da farofa, que, al�m de ser acompanhamento, pode ser aproveitada para empanar ou rechear uma carne.
Durante a pesquisa, que durou dois anos, Daniela e Danilo catalogaram e testaram incalcul�veis receitas. “Quando contava que ia fazer um livro sobre farofa, algu�m sempre falava de alguma receita que n�o podia faltar, ent�o tentamos ser o mais abrangentes poss�vel. Foi dif�cil achar um fim, tanto que brinco que deveria ter uma p�gina em branco para o leitor escrever as suas receitas”, conta Daniela, que vem de uma fam�lia que consome muita farofa. No fim, eles inclu�ram receitas cl�ssicas, regionais, de fam�lia, sugest�es de conhecidos e cria��es pr�prias.
A farofa de pato com ma�� e repolho � uma inven��o com sotaque franc�s. Tem a carne confitada, a pele crocante e a gordura, que os chefs consideram uma das mais saborosas entre as de origem animal. Daniela e Danilo tamb�m transformaram em farofa a receita de bacalhau com gr�o-de-bico, cl�ssico da cozinha portuguesa. No lugar da crosta de broa de milho torrada por cima do peixe, eles usaram farinha de milho biju para dar liga ao preparo.

Do lado doce, destaque para a farofa de suspiro com nibs de cacau e frutas secas. “Pensamos em fazer uma receita que lembrasse panetone, Natal, e quando fizemos os testes, achamos frutas vermelhas cristalizadas. Ficou deliciosa”, comenta Daniela. A farofa pode complementar qualquer sobremesa, desde pudim, sorvete, sagu, cheesecake, manjar branco at� simplesmente um iogurte.
"Limite � a criatividade"
O jeito de multiplicar as receitas foi mostrar as possibilidades de variar os ingredientes. A farofa de avi� pode ser feita com camar�o m�dio seco e picado, enquanto quiabo ou abobrinha substituem o maxixe na de carne seca. O livro acaba servindo como base para o leitor se aventurar na cozinha. “O limite � a criatividade de cada um, tanto que cada receita tem dicas e sugest�es para variar.
Pegando a t�cnica b�sica, descobrindo o ponto da torra, o tempo de coc��o, o balan�o entre gordura, prote�na e farinha, voc� consegue explorar muitas variedades”, aponta Danilo.
Farofa � uma receita simples, mas que pode ser bastante complexa, tanto do ponto de vista das t�cnicas quanto das sensa��es que provoca. “Farofa d� uma textura diferente, que nenhum outro alimento tem, leva croc�ncia para o prato. Isso � muito bom, porque croc�ncia estimula tanto o paladar quanto a audi��o. Al�m disso, traz um sabor tostado, que � muito interessante. N�o � � toa que costumamos colocar farofa em tudo”, aponta Danilo.

N�o pense que, para fazer farofa, basta misturar os ingredientes na panela. Os chefs ensinam que t�cnica e paci�ncia s�o essenciais para se chegar a um bom resultado. “Embora todo mundo pense que � um preparo r�pido, farofa precisa de tempo e carinho, sen�o vira farinha misturada com um monte de coisa”, observa Daniela.
Fique atento ao momento de tostar a farinha na gordura. Deixe o fogo baixo e v� mexendo devagar, por cinco ou seis minutos (esse tempo pode variar bastante). “Para a farofa ficar crocante e saborosa, voc� n�o pode usar fogo alto, porque ela vai queimar e n�o vai chegar ao ponto ideal”, diz Danilo, refor�ando como � importante saber controlar o calor. Na regi�o dele, al�m da farinha de milho, o mais comum � usar banha de porco como gordura.
S� acrescente os outros ingredientes quando sentir uma aroma de castanha tostada (no caso da farinha de mandioca). “Uma das mem�rias mais antigas na cozinha envolve farinha. Lembro-me de a minha tia-av� me colocando em um banquinho para sentir o cheiro de tostado. Ficava de 'castigo' esperando a hora de colocar mais farinha e os outros ingredientes”, conta Daniela. Outra dica � n�o adicionar nenhum l�quido durante o preparo. Recomenda-se fazer o ovo mexido primeiro e depois mistur�-lo com a farofa. Assim como o repolho, que solta �gua.

Deixe para coloc�-lo na panela quando j� tiver terminado. Tudo isso para n�o transformar a farofa em pir�o. Os chefs ainda enfatizam no livro que se deve tirar a farofa imediatamente da panela; o calor residual pode queim�-la sem voc� nem perceber.
Areia temperada?
Farofa � um �cone da cultura brasileira. Faz parte do churrasco do ga�cho e tamb�m acompanha o peixe do amazonense. Pode transitar facilmente entre o caf� da manh� e o jantar. T�o popular no pa�s, o h�bito de comer farofa chega a causar estranhamento em estrangeiros. No livro, Daniela e Danilo contam que, quando provou farofa pela primeira vez, o chef franc�s Laurent Suaudeau sentiu que estava comendo areia temperada.
Apesar de ser unanimidade entre os brasileiros, os s�cios sentem que a farofa n�o � t�o valorizada como merece. Ela est� presente em quase toda refei��o, mas sempre como acompanhamento. Danilo a enxerga como um patinho feio da gastronomia. “Farofa � t�o brasileira e t�o �nica que n�o deveria ficar relegada a mero acompanhamento”, defende o chef.

No livro, eles invertem a l�gica e colocam a farofa como estrela, tanto nas fotos quanto nas receitas. “Fizemos as fotos sem que outros pratos tirassem o protagonismo da farofa, que normalmente � a coadjuvante da mesa. Por isso, escolhemos os fundos pretos, que mostram as v�rias texturas e d�o todo este destaque que ela merece”, explica Danilo.
H� um cap�tulo dedicado �s farofas de farnel, consideradas prato �nico. S�o comuns em todo o pa�s pela facilidade de preparar e transportar e por aumentarem a durabilidade das carnes. “S�o comida de viagem, colocadas na marmita, que existem no Brasil inteiro, independentemente da cultura”, pontua Daniela. Os tropeiros fazem hist�ria com o roupa-velha, � base de carne de panela desfiada e ovos mexidos, e o nosso feij�o-tropeiro. J� a farofa de peixe seco com banana-da-terra � a que os pescadores levam para se alimentar no barco.
Uma receita, em especial, tem sabor de mem�ria afetiva para Daniela. Nas f�rias de ver�o, a fam�lia dela se reunia na serra para descer em comboio para o litoral catarinense. A comida da viagem era galinha com farofa, preparada pela av�. “No meio do caminho, a gente parava e armava acampamento debaixo das arauc�rias para fazer um grande piquenique. Esperava o ano inteiro por esse momento”, relembra a chef.

Em Itapeva, cidade onde Danilo nasceu, � muito comum fazer virados, que s�o farofas um pouco mais �midas, de todo tipo, feij�o, chic�ria etc. “Lembra um pouco o que voc�s chamam de tutu, mas um pouco mais seco. Virado � paulista virou um prato muito paulistano, � o nosso PF de segunda.” Conta-se que os viajantes costumavam transportar feij�o cozido, farinha de milho e carne que, no chacoalhar do caminho, iam se misturando e revirando, da� o nome virado.
A pesquisa de Daniela e Danilo n�o se encerra com o “Farofa”. Os s�cios j� pensam em mais livros, um com um detalhado levantamento de todas as casas de farinha do pa�s e outro sobre pir�o.
Farofa de bacalhau com gr�o-de-bico
Ingredientes
250g de gr�o-de-bico; 1 folha de louro; sal a gosto; 2 cebolas m�dias fatiadas; 4 dentes de alho fatiados; 1 pimenta dedo-de-mo�a picada; 50ml de azeite de oliva; pimenta-do-reino mo�da a gosto; 500g de bacalhau desfiado e dessalgado; 300g de farinha de milho biju; salsinha picada a gosto; 2 colheres de azeite de oliva extravirgem
Modo de fazer
Deixe o gr�o-de-bico de molho na v�spera. Cozinhe em uma panela de press�o com �gua e a folha de louro at� que esteja bem cozido, sem deixar os gr�os desmancharem. Escorra, tempere com sal e reserve. Em uma panela grande, frite a cebola, o alho e a pimenta dedo-de-mo�a no azeite at� que comecem a dourar. Adicione o bacalhau dessalgado e refogue at� quase secar. Junte a farinha de milho e o gr�o-de-bico escorrido e continue fritando at� que a farofa esteja bem cozida. Finalize com a salsinha picada e o azeite extravirgem.