
Poucos s�o os chefs que conseguem fazer verdadeiramente o que acreditam, sem se preocupar com press�es comerciais. Rafa Costa e Silva � um deles. O seu restaurante Lasai, no Rio de Janeiro, chega aos sete anos sem desvios. Continua a seguir o conceito de cozinha baseada em vegetais e menu degusta��o. “Somos um restaurante autoral, que serve o que eu gosto. Consequentemente, agradamos as pessoas”, diz o carioca, com a firmeza de quem sabe que est� no caminho certo.
O plano de Rafa, que havia acabado de voltar da Espanha, era come�ar o projeto do restaurante bem devagar. Mas o reconhecimento chegou muito mais r�pido do que imaginou. Com nove meses, o Lasai entrou na lista dos 50 melhores da Am�rica Latina. Em seguida, foi eleito um dos 100 melhores do mundo. Depois veio a estrela Michelin. Nos tr�s primeiros anos, todos os dias eram de lota��o m�xima. Para conseguir uma mesa, esperava-se mais de um ano.
O que explica o sucesso quase instant�neo? A ousadia do chef de fazer comida brasileira com produtos do dia a dia do carioca. Na cozinha, s� entram insumos do Rio de Janeiro, com rar�ssimas exce��es, como os queijos mineiros. “N�o uso caviar, foie gras, trufa. N�o porque n�o goste, mas quero mostrar que, com produtos cultivados aqui, muitas vezes colhidos pelas nossas pr�prias m�os, conseguimos fazer uma gastronomia bem pensada e com t�cnicas super modernas.”

Uma das maiores satisfa��es de Rafa � ouvir algu�m sair do restaurante falando: n�o sabia que gostava de chuchu (ou quiabo, jil�, br�colis).
A cozinha do Lasai tem como estrelas os vegetais, apesar de n�o ser vegetariana. Tudo o que se usa � comprado em feiras de org�nicos ou colhido em duas hortas pr�prias. Nelas, s�o cultivadas esp�cies mais ex�ticas, que produtores locais n�o fornecem. Por exemplo: pepino mel�o, cenoura branca, quiabo roxo, raiz de aipo e beterraba amarela. Fora as mais de 200 galinhas que abastecem o restaurante com ovos caipira. Rafa gosta de mexer com a terra e se conectar com a natureza.
Da horta para o cozinha, o trabalho � muito din�mico. A equipe s� monta o menu quando sabe o que tem de melhor no dia. Ou seja, s�o poucas horas para elaborar as receitas. Os produtos selecionados chegam de manh� � cozinha e o servi�o come�a �s 19h. Se amanh� o mesmo ingrediente n�o estiver dispon�vel, o prato tem que ser outro. “Podia deixar o mesmo prato no card�pio por 10 anos, muita gente ia achar melhor, mas isso nos faria ficar c�modos, exatamente o que n�o quero”, pontua.

O prato que ficou mais tempo no menu, n�o por coincid�ncia, virou �cone do restaurante e contribuiu para dar visibilidade ao chef, l� no in�cio. � um “falso” ovo frito. A gema de ovo caipira � envolvida por um creme de inhame com leite de coco, que faz as vezes da clara, e ganha sabor com um p� de carne seca. At� hoje clientes lembram e pedem o prato.
Ele n�o segue receita
Mas a regra l� � n�o ter ficha t�cnica de nenhum prato. Rafa pode se dar ao luxo de n�o seguir receita. Cria, prova, modifica um detalhe, serve, no dia seguinte faz outro ajuste, e assim vai construindo t�cnicas e sabores. Precis�o, para ele, n�o significa fazer tudo sempre igual. � gostar do que est� servindo. “Talvez os sabores n�o sejam exatamente iguais, coloque um pouco mais de azeite ou de lim�o, mas tudo bem ser diferente de ontem para hoje. Para mim, o principal � que eu goste do resultado.”

H� 10 dias, depois de duas semanas de fechamento em fun��o da pandemia, o restaurante voltou a funcionar. O menu � 100% novo, mas segue com a miss�o de valorizar os ingredientes locais. A ab�bora, que est� em um �timo momento, tem sido muito explorada. Pelo mesmo motivo, a vagem foi escolhida para acompanhar chuchu e pimenta-de-cheiro em uma salada. A not�cia de que pescadores est�o conseguindo encontrar lula no mar tamb�m direciona o trabalho.
Passados sete anos, Rafa est� feliz por poder fazer o que realmente gosta, que � cozinhar. Os dois subchefs, um que est� desde o in�cio e outro com cinco anos de casa, gerenciam a equipe e ele pode investir seu tempo na cria��o. “Estou na cozinha, n�o por obriga��o, mas porque gosto de estar com os meus cozinheiros. Como n�o tenho que gerenciar as pessoas, fico mais livre para cozinhar”, comemora.
O que ele espera para os pr�ximos anos? Continuar a fazer o que acredita. “Temos que caminhar com muito cuidado na linha t�nue entre o comercialmente aceit�vel e o que queremos fazer. Espero conseguir me manter com as portas abertas fazendo o que gosto e n�o me curvando �s press�es comerciais”, pontua. Como um restaurante autoral, o Lasai fala muito sobre quem est� no comando da cozinha e os pratos s�o eficientes em mostrar isso para o p�blico.
Todos felizes
Rafa nunca pensou em ser cozinheiro. Quando ainda trabalhava no mercado financeiro (ele � formado em administra��o), planejava ter um bar ou restaurante. O carioca se enxergava mais como dono do que chef. Estudou gastronomia para entender melhor o que se passa numa cozinha e acabou mudando de profiss�o. “Quando percebi, j� estava em um restaurante respeitado em Nova York, subindo de posi��es. Hoje n�o me vejo mais fora da cozinha.”

Depois de morar cinco anos em Nova York, Rafa foi para a Espanha trabalhar no Mugaritz, com duas estrelas Michelin. O est�gio de seis meses se estendeu para uma temporada de cinco anos. No fim, ele era chef do restaurante, hoje o s�timo melhor do mundo. “Sempre falo que, em Nova York, aprendi a ser cozinheiro de verdade, a ter senso de urg�ncia. Quando fui para a Espanha, aprendi a administrar a cozinha e as rela��es. Esta transi��o entre ser cozinheiro e chef � muito dif�cil, ningu�m te ensina.”
Rafa e a mulher, a norte-americana Malena Cardiel, trabalharam juntos no Mugaritz, ele na cozinha e ela no sal�o. N�o fosse por ela, que n�o gostava muito de morar em San Sebastian, no Pa�s Basco, ele teria continuado por l�. “Para qualquer cozinheiro do mundo, � o trabalho dos sonhos. Amava o restaurante e n�o me via feliz em qualquer outro lugar do mundo. Tinha 45 cozinheiros sob meu comando, pessoas do mundo inteiro, e toda a estrutura.”
O chef n�o tinha nenhum trabalho em vista quando retornou ao Rio de Janeiro. Tanto que acabou se envolvendo primeiro com a horta da fam�lia, que viria a se tornar parte importante do Lasai, palavra que significa “tranquilo” em euskera, l�ngua do Pa�s Basco.

“Quando abri, pensei que fosse ter resist�ncia por causa do menu degusta��o, mas fomos muito bem aceitos”, comenta. Desde ent�o, o restaurante est� quase sempre lotado de cariocas e turistas (brasileiros e internacionais), o que n�o � f�cil, considerando que o ticket m�dio � de R$ 650. Em 2019, 65% das pessoas eram de fora do Brasil. Na pandemia, naturalmente, a situa��o mudou: a maioria s�o clientes fi�is, principalmente do Rio, S�o Paulo e Minas, que a equipe conhece pelo nome.
O Lasai j� ganhou mais de 30 pr�mios nestes sete anos. Mas Rafa n�o se deixa levar pelas conquistas. “Pr�mio n�o me guia em nada. O Michelin j� veio aqui v�rias vezes e nunca perguntei se a comida estava boa, porque sei que estava, eu provei”, dispara. O seu desejo n�o � ganhar mais uma estrela, � ver a satisfa��o do p�blico. “N�o quero ser o melhor restaurante do mundo, n�o quero ter milhares de pr�mio, quero que as pessoas se divirtam, comam comida boa e sejam felizes.”
Palmito assado, vagem e castanha-do-par�
Ingredientes
4 toletes pequenos de palmito (80g a 100g por pessoa); 160g de vagem francesa; 60g de castanha- do-par�; 100ml de azeite de oliva extra virgem; 50ml de melado de cana; 50ml de vinagre de caqui; flor de sal; broto de espinafre africano.
Modo de fazer
Pr�-aque�a o forno a 200°C. Logo em seguida, embrulhe em papel alum�nio os palmitos regados com uma parte do azeite e flor de sal. Deixe assar at� ficarem bem macios, o que leva aproximadamente 30 minutos. Quebre as castanhas-do-par� rusticamente em peda�os pequenos. Depois fatie a vagem francesa em rodelas finas de mais ou menos ½ cm. Coloque as vagens em �gua fervente temperada com sal por 30 segundos para branquear. Retire e leve imediatamente para um banho de �gua e muito gelo, de forma a manter a sua cor verde brilhante. Para o vinagrete, misture em um bowl 50ml de azeite, o melado e o vinagre de caqui (ou outro vinagre de fruta org�nica, como, por exemplo, ma��). Para terminar, em uma frigideira bem quente, grelhe os palmitos de forma a obter uma cor caramelizada levemente tostada. Coloque-os no centro do prato. Envolva as vagens e a castanha-do-par� no vinagrete e posicione a mistura em cima do palmito. Finalize com brotos de espinafre africano (ou manjeric�o, se preferir).