Estado de Minas Marina
Morador lembra passagem de Marighella pelo Noroeste de Minas durante a ditadura
Distante 200 km da nova capital, Marina serviria de abastecimento para Bras�lia

Tortura e repress�o: como a ditadura destruiu o projeto da cidade Marina

Ex-funcion�rios do empres�rio, perseguido por financiar opositores da ditadura, relatam amea�as de morte e torturas psicol�gicas na fazenda que abrigaria a cidade projetada por Niemeyer

Luiz Ribeiro - Enviado especial , Renan Damasceno - Enviado Especial

Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press
Arinos – Sob a mira de fuzis, a professora Geralda de Brito Oliveira contava seus passos ao longo da pista de avi�o da Fazenda Menino, onde uma d�cada antes desembarcavam investidores e engenheiros, munidos de mapas e planos de ocupa��o do Vale do Urucuia. Desta vez, cercada por militares do Ex�rcito em busca de seu ex-patr�o, acusado de apoiar a luta armada contra a ditadura, a ent�o administradora da propriedade rural recebia ordem de entrar no meio do capinzal e se ajoelhar. Proibida de olhar para tr�s, ouviu rajadas ensurdecedoras de tiros, seguidas de uma densa fuma�a.


Apesar da amea�a, Geralda conta que n�o se abalou e negou que a fazenda encobria a��es contra o regime militar. “Falei com os policiais: ‘eu nem sei o que � comunista’”, lembra. Ao longo da d�cada de 1960, Geralda, hoje com 76 anos, e Ad�o Machado, outro respons�vel na �poca pela Fazenda Menino, ambos funcion�rios de confian�a do antigo propriet�rio, Max Hermann, conviveram com a presen�a e as amea�as de agentes do Ex�rcito na �rea rural de Arinos, no Noroeste de Minas. Ela vive hoje na antiga sede da propriedade, presenteada pelo ex-patr�o. Ele, em Igrejinha, distrito de Arinos, distante 18 quil�metros de onde seria erguida a Cidade Marina.


Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press
Machado disse que ganhou a confian�a de Hermann, a ponto de servir como emiss�rio para levar bilhetes e cartas a pol�ticos influentes em Bras�lia. Apesar da boa rela��o, Ad�o revelou ao Estado de Minas que foi ele quem delatou o ex-patr�o � pol�cia. O aposentado afirma que se desentendeu com Hermann porque o empres�rio estava cobrando “valores altos” de pessoas da regi�o que arrendavam suas terras para cria��o de gado. Outros arrendat�rios tamb�m fizeram o mesmo tipo de den�ncia contra Hermann, que foi perseguido e preso.


Machado conta que, entre 1968 e 1972, no auge da repress�o, policiais e militares estiveram na antiga Fazenda Menino, pois acreditavam que ali seria dep�sito de armas destinadas � luta contra o regime. “Respondi para eles que a den�ncia era falsa. O �nico carro que eu tinha visto chegar na fazenda foi um jipe, que nunca trouxe arma nenhuma”, relata. Ainda em rela��o ao ex-patr�o, o aposentado lembra que Hermann se dizia “amigo de Juscelino (Kubitschek) e o Oscar (Niemeyer)”. Assim como Geralda, Machado afirma n�o ter d�vida de que os projetos n�o foram adiante por causa da sa�da de Juscelino do poder e devido ao regime militar.

PRESS�O E AMEA�A

Geralda vive cercada de visitas e n�o se priva de relatar as torturas psicol�gicas que sofreu no fim da d�cada de 1960. “Um dia veio o major Rubens dizendo que eu estava denunciada de ser comunista no Brasil e que iria pagar caro por isso. A�, come�ou a persegui��o a mim. O Max Hermann tinha ido embora e eu fiquei no lugar dele para eles perseguirem”, lembra Geralda.


A repress�o continuou at� por volta de 1972, com o Ex�rcito permanecendo por dias na casa de Geralda. Numa das ocasi�es, os militares deram o ultimato: “Voc� pode tomar banho e, quando for quatro da tarde, voc� se arruma que vai morrer. Pra morrer tem que se arrumar, porque quem morre desarrumado vai para o inferno”.
Embora tenha escapado dos repressores, a den�ncia de que ela era comunista prejudicou Geralda. Foi afastada do emprego de professora rural e at� hoje tenta, na Justi�a, a repara��o pelos quase 10 anos que foi obrigada a viver longe da fazenda, quando se mudou para Bras�lia fugindo da repress�o.


Durante o per�odo em Bras�lia, recebeu a visita de Hermann, que repassou a ela uma procura��o para ocupar a sede da fazenda. Ele tamb�m teria relatado a Geralda as torturas sofridas no Rio. “Ele contou que esteve dentro de uma ‘geladeira’ durante 24 horas.” Geladeira era uma das formas de tortura na qual os torturadores alternavam drasticamente o sistema de refrigera��o das celas entre extremo frio e calor intenso, enquanto alto-falantes emitiam sons estridentes.

 

Renan Damasceno/EM/D.A. Press