Uns chamam de golpe e outros de revolu��o. “Acho que est� mais para revolu��o do que para golpe.” “Foi nitidamente um golpe.” A primeira opini�o, do deputado federal Bonif�cio Andrada (PSDB), e a segunda, do ex-ministro Paulino C�cero de Vasconcelos, s�o atuais, mas mostram bem uma divis�o que acirrava os debates no plen�rio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em meados de 1964, quando os dois ocupavam cadeiras na Casa. Os representantes da fam�lia mineira, tradicionalista por natureza, travavam acaloradas discuss�es. Enquanto um grupo esbravejava contra o perigo de o comunismo se instaurar no pa�s, a outra turma, mais identificada com os sindicatos, sa�a em defesa de Jo�o Goulart e pregava que era preciso deixar as institui��es trabalharem e as mudan�as por ele pregadas ocorrerem.
Outro foco de conflito, ocorrido em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, quando o poder local reagiu � presen�a da Superintend�ncia de Reforma Agr�ria (Supra), dominou as discuss�es no Legislativo em fevereiro de 1964. J� �s v�speras do golpe, os deputados discutiam um requerimento que pedia voto de congratula��es ao povo e �s autoridades locais de Valadares pela atitude contr�ria � reforma agr�ria.
Na reuni�o de 18 de fevereiro, o deputado An�bal Teixeira foi � tribuna: “Manifesto o apoio aos valadarenses que, de maneira viril, protestaram contra mais esta etapa da guerra revolucion�ria que � promovida com a aquiesc�ncia criminosa do sr. Jo�o Goulart”. Segundo ele, o Partido Comunista queria incitar um estado de animosidade para sabotar as reformas de base. O deputado Waldomiro Lobo alertou aos colegas preocupados com o comunismo cubano. Segundo ele, perigo maior e mais pr�ximo estava no comunismo boliviano.
Em resposta, o colega Wilson Modesto disse que aqueles que pregam o perigo vermelho estavam fazendo intriga porque n�o sabem ganhar as elei��es. “Mas o presidente est� tranquilo, com um s� pensamento, que � o de dirigir esta p�tria at� o t�rmino do seu mandato e passar a faixa presidencial �quele que de fato tiver o sufr�gio popular e for escolhido pelo povo para ser o seu sucessor depois de 1966.”
Passado o golpe, os parlamentares, que at� ent�o travavam debates aguerridos, se calaram. “A Assembleia cumpriu o papel que a ditadura deu para ela, de ser um �rg�o de fachada para mostrar que o pa�s estava em uma democracia e as institui��es estavam funcionando. H� um revezamento de ditadores em uma democracia limitada. A Assembleia ficou votando s� requerimentos in�teis, nomes de ponte e escola e datas honor�ficas, completamente esvaziada, pois quem mandava era a Lei de Seguran�a Nacional e os militares governavam por decretos”, explica o historiador Luiz Fernandes de Assis.
Bonito discurso
Aos 77 anos, Paulino C�cero, que havia sido eleito pelo PSP e migrou para o PSD, se recorda DE que em 31 de mar�o de 1964, quando as tropas mineiras marchavam para o Rio pelo golpe, foi � tribuna fazer um discurso contr�rio � tomada de poder pelos militares. “Eu dizia ‘voltem os militares para os seus quart�is, que � para isso que eles foram feitos’. Nada � t�o importante em um pa�s quanto assegurar a pureza das institui��es. Mod�stia � parte, foi um bonito discurso”, conta. Ao levar as notas taquigr�ficas para fazer corre��es e devolver aos anais do Legislativo, a sogra, temendo repres�lias a Paulino pelo militarismo que j� se anunciava, deu um sumi�o no texto.
No ano anterior, sem conseguir a instaura��o de uma comiss�o parlamentar de inqu�rito para tratar diretamente do Instituto Brasileiro de A��o Democr�tica (Ibad), Paulino conta ter mudado o pedido e, assim, emplacou a investiga��o sobre o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), com seus anexos. Ap�s colher depoimentos, inclusive de um representante do Ibad, a comiss�o concluiu que esses �rg�os injetaram dinheiro na campanha de deputados estaduais e federais para que eles fizessem o povo crer que o perigo comunista rondava o Brasil e vinha do governo Jango. E mais: 30 deputados estaduais haviam sido eleitos com esse apoio.
O ex-deputado disse que os arquivos da CPI sumiram. “Tinha uma turma de uns 20 a 25 deputados, entre os quais me inclu�a, que apoiava o Jango e achava que o Ibad era uma interven��o na pol�tica nacional financiada por dinheiro estrangeiro e dos banqueiros”, lembra. Paulino conta que escapou duas vezes de ser cassado.
Ele lamenta o fato de a Assembleia ter cedido a press�o e cassado seus pr�prios pares. “Isso nos foi apresentado como uma solu��o pelo pessoal da �rea militar, para que houvesse uma acomoda��o no estado”, disse.
Perigo vermelho
Bonif�cio Andrada, DE 84 anos, � �poca na UDN, estava na trincheira oposta. “Fui para a R�dio Inconfid�ncia defender os ideais democr�ticos e me posicionar contra as esquerdas. O pr�prio governo de Minas, comandado por Magalh�es Pinto, a pol�cia de Minas e os jornais da �poca, todos come�aram a fazer uma frente �nica em Minas contra as esquerdas, temendo um golpe que viesse apoiado por Fidel Castro (� �poca presidente de Cuba) e pelo presidente Jo�o Goulart”, justificou.
Andrada ressalta que, para entender o pensamento do per�odo, � preciso considerar o contexto da Guerra Fria, em que o pa�s se dividia entre o capitalismo norte-americano e o socialismo da Uni�o Sovi�tica. “A not�cia de que havia armamentos em Cuba capazes de gerar uma guerra at�mica aumentou as tens�es internacionais. A Am�rica do Sul inteira come�ou a perceber isso e, naturalmente, os militares come�aram a se preparar para enfrentar conflitos”, narra.
Ao lado dos militares, as elites empresariais no Brasil come�aram a se movimentar. “No Brasil h� grande repercuss�o da Guerra Fria e sobretudo em Minas, estado de forma��o cat�lica crist�. Havia temor de que os comunistas fossem ter predomin�ncia no mundo e no pa�s.”
Em Minas, Andrada conta que o clima levou � forma��o da A��o Democr�tica Parlamentar, � qual ele pertencia. “Quase 90% dos deputados assinavam esse movimento numa posi��o anticomunista. A a��o democr�tica n�o tinha liga��o com os militares, faz�amos parte da resist�ncia a poss�veis a��es de esquerda”, afirmou o parlamentar.
Para Andrada, que tamb�m pertenceu � Arena, n�o houve ditadura no Brasil. “Ao contr�rio de pa�ses como Argentina, Chile e Col�mbia, n�o t�nhamos ditadura, t�nhamos a corpora��o militar no poder. Embora tenham agido de forma violenta, eles n�o eram ditadores.”