
“Trabalhos manuais s�o �teis para conservar a mente ativa. At� hoje tenho uma cabe�a boa e me interesso pelo novo, pelo aprendizado.” O conselho vem de uma senhora que � exemplo de vitalidade. Aos 90 anos, Anita Guimar�es lan�ou um livro. Seguindo a linha ensina t�cnicas de costura e, ao mesmo tempo, conta a hist�ria desta mineira que � guiada pela curiosidade, faz pesquisas pela internet e ainda enxerga o mundo com os olhos de aprendiz.
O nome do livro diz muito sobre a vida e a personalidade da autora. Anita � uma mulher curiosa e obstinada, que desde pequena se interessou por linhas e agulhas e at� hoje n�o descansa enquanto n�o descobre como � feita uma pe�a que chamou sua aten��o. Com um olhar observador, ela vai seguindo a linha at� entender como os pontos se entrela�am.

Anita se diverte ao relembrar o dia em que perdeu o ponto onde desceria do �nibus distra�da com a gola de uma blusa. “Vi a renda na gola da blusa da pessoa na minha frente na lota��o e fiquei observando como fazia. A� passei do ponto e tive que descer longe de casa”, conta. Na igreja, ela ficava a missa inteira reparando a roupa do padre, diz que n�o consegue se controlar.
O nome do livro tamb�m faz refer�ncia � hist�ria da fam�lia. Por causa do trabalho do pai, Oct�vio, que era ferrovi�rio, Anita se mudou v�rias vezes de cidade. Ou seja, por muito tempo ela “seguiu” a linha do trem, de mala e cuia.

Muito do que a autora sabe sobre costura aprendeu com a m�e. Jupyra, descendente de alem�es, dona de casa, criava sete filhos e ainda tinha tempo para os trabalhos manuais. Em cada cidade, ela gostava de aprender uma nova t�cnica. Costurar era uma atividade constante, at� porque todas as roupas dos filhos eram feitas em casa, desde os uniformes de col�gio at� a roupa de anjo, com asa e tudo, para coroar. “Lembro-me da paci�ncia que a minha m�e tinha de ensinar, a persist�ncia de desmanchar e retornar o trabalho. Ela era muito caprichosa”, conta.
Anita cresceu vendo a m�e costurar em casa e sempre demonstrou interesse em aprender. Em uma das lembran�as mais antigas, por volta dos 7 anos, l� estavam Jupyra e a tia Yara na sala tecendo um tapete oval de croch�. E a menina observava como o fio sa�a do novelo e chegava � pe�a. “Encantei-me com essa m�gica da agulha que puxa o fio, formando um bonito desenho”, ela relata no livro.

N�o demorou para a observadora crian�a colocar a m�o na massa. Um dia, Anita resolveu jogar bola com os irm�os e primos depois da missa. Certos de que a menina n�o daria conta de aprender a jogar futebol, eles a escalaram como goleira. Em uma das jogadas, Anita teve que atravessar uma cerca com arame farpado para buscar a bola e acabou rasgando sua saia. “Cheguei em casa e contei toda sem gra�a para a minha m�e. Ela disse: ‘N�o tem problema, vou te ensinar a costurar’. Achei muito bom, porque, al�m de ficar com a roupa costurada, gostei do carinho dela de n�o ter me advertido rispidamente.”
E Anita n�o parou mais de costurar. Treinou primeiro com palitos de dente, depois partiu para as agulhas. At� sabe mexer em m�quina, mas prefere tecer com as m�os. Como n�o havia cursos naquela �poca, ela aprendia as t�cnicas com as mulheres da fam�lia. Tia Jovelina apresentou o fil� e sua bicicleta ficou conhecida na cidade. “Tirei o para-lama da bicicleta e resolvi fazer uma prote��o com fil� para colocar no lugar. Pronto, a saia n�o enroscava mais na roda.”

O livro � organizado pelo grau de dificuldade das t�cnicas. Come�a pelos tran�ados (muitos ela aprendeu com a filha Dione, que j� foi professora de trabalhos manuais numa escola que segue a pedagogia Waldorf). Todos s�o simples, s� precisa de linha e dedos. Depois vem tric�, croch�, bordado, macram�, nhanduti (renda que tamb�m recebe o nome de teia de aranha), fil� e por fim croch� de grampo. Questionada sobre sua t�cnica favorita, ela n�o se compromete: “Para dizer a verdade, gosto de tudo”.
Anita n�o se limitou ao que aprendeu, ela tamb�m gosta de inventar pe�as. J� fez para os netos, por exemplo, uma rede de croch� para colocar bola. “Percebia que, quando eles iam brincar, a bola ca�a. Fiz para evitar que ela ca�sse”, explica.

O livro � uma forma de compartilhar seu conhecimento com mais pessoas al�m dos seis filhos e nove netos. Acredite, ela tamb�m publica tutoriais no Instagram. Anita considera a tecnologia incr�vel, tanto que tem tablet, conversa com amigos e a fam�lia pelo WhatsApp e faz pesquisas na internet. “Lido bem com a tecnologia, na medida do poss�vel, de acordo com o que a minha cabe�a antiga entende e guarda”, avisa a autora, que trabalhou como professora prim�ria e secret�ria.
INTERNET Se tem alguma d�vida, ela vai buscar na internet, e diz que aprende muita coisa virtualmente. Outro dia, Anita foi pesquisar sobre frivolit� (renda confeccionada com uma ferramenta chamada navete, muito usada em gola e paninhos). “Fiquei surpresa ao descobrir que existe uma t�cnica nova muito mais f�cil, com agulha maior e mais grossa. Voc� n�o precisa enrolar a linha na navete, ela j� vem do novelo”, explica, j� disposta a experimentar.
Costura para Anita � um passatempo e uma forma de presentear as pessoas. Ela j� perdeu a conta de quantos sapatinhos de tric� fez para doar �s maternidades. “Agora n�o acho l� que gosto, n�o esquentam.” Por isso, se inspirou em uma ideia que viu na internet para costurar colchas e mantas com sobras de l� de croch�. O plano � reunir um grupo de senhoras para ajud�-la nesta tarefa solid�ria.
Anita defende que o trabalho com linhas e agulhas desenvolve habilidades que s�o muito importantes na vida, como interesse em aprender, paci�ncia e persist�ncia. “Por vezes, tenho a sensa��o de que os tipos de trabalhos manuais n�o t�m fim, o que refor�a essa minha persist�ncia na busca de conhec�-los”, revela no livro. Al�m disso, traz v�rias recompensas. Vi�va h� seis anos, a aposentada costura tantas pe�as que nem tem tempo de se sentir sozi nha.