Projeto desafia p�blico a criar m�scaras de 'prote��o' com objetos do cotidiano
Ideia que come�ou como uma brincadeira entre amigos viraliza nas redes sociais e se transforma em uma cat�logo de m�scaras que marcam o per�odo de isolamento social
No in�cio, era apenas um desafio entre amigos. Mas a ideia se espalhou rapidamente pela internet e levou centenas de pessoas a criarem m�scaras de “prote��o” contra o coronav�rus usando objetos do dia a dia. Em quase dois meses, o projeto Mascorona j� publicou mais de 190 fotos no Instagram e h� outras tantas na fila. “As m�scaras podem ser l�dicas, po�ticas, provocadoras, pol�ticas, ing�nuas. Algumas s�o extremamente s�rias, outras s�o muito debochadas. Isso revela a abordagem criativa de cada um”, comenta o designer Jo�o Marcelo Emediato, um dos idealizadores. O desafio n�o exige nenhum material espec�fico, s� celular para tirar a foto. Quanto mais improvisada, mais interessante pode ser a m�scara.
Acredite, o Mascorona n�o come�ou por causa do coronav�rus. Foi uma coincid�ncia. Depois de ler um livro do artista visual romeno Saul Steinberg, a designer Rita Davis teve vontade de estudar mais o trabalho dele e encontrou uma pesquisa sobre m�scaras. A quarentena j� tinha come�ado, mas ela s� se sentiu inspirada a fazer igual. “N�o pensei no contexto que estava vivendo, mas, quando compartilhei a foto da m�scara nas redes sociais, dois amigos tiveram a ideia de provocar mais pessoas a fazerem tamb�m e logo associaram � quarentena”, conta. O projeto acabou se encaixando perfeitamente � realidade.
A foto que inaugura o perfil no Instagram � a de Rita. A m�scara segue o estilo nose mask, muito comum no trabalho de Steinberg, feita de papel e com um buraco no meio para enfiar o nariz. “Ele fazia m�scaras bem minimalistas, um peda�o de papel com dois olhos e uma boca. Eu j� fui um pouco mais escandalosa. Fiz a minha toda pintada e bem colorida”, descreve. A designer usou papel craft pintado com tinta em cores fortes e batom vermelho no nariz.
Em poucos dias, o post viralizou. A brincadeira de fazer m�scaras come�ou em BH, s� entre amigos, e do dia para a noite alcan�ou outras cidades, como Rio de Janeiro, S�o Paulo, Salvador, Bras�lia, Recife, e pa�ses – Pol�nia, Estados Unidos e It�lia. “Muitas pessoas, depois de conhecer o projeto, se viciaram em mascaramento a partir de objetos do cotidiano. Acho que isso ativou a criatividade delas. � um jeito de preencher o tempo e n�o enlouquecer”, opina.
Tiago Gambogi � ator e dan�arino mineiro e mora no Reino Unido. Ele juntou uma s�rie de objetos que tinha em casa para criar sua m�scara de “prote��o”. Rolos de papel higi�nico, tubo de aspirador de p�, fita de isolamento, pregador, chap�u de oper�rio, cabo de internet, luvas amarelas, passaportes e duas bolas vermelhas de massagem, que se assemelham ao coronav�rus, se misturam em uma “imagem absurda, c�mica e ao mesmo tempo opressiva”, como ele mesmo explica.
O autor da fotoperformance de nome F� fr�gil quer impressionar pelo excesso. “Brinco com o nosso desespero e sentimento de aprisionamento, mas tamb�m alerto sobre a necessidade urgente de equipamentos de prote��o e sobretudo � nossa fragilidade frente � covid-19”, informa.
H� entre os participantes artistas, fot�grafos, atores e designers, mas o projeto cresceu tanto que muitos n�o s�o da �rea criativa. Para Rita, isso mostra que arte e criatividade est�o ao alcance de todos. “O projeto, sendo colaborativo e aberto, trouxe muitos significados. Algumas m�scaras s�o de pesquisas mais aprofundadas, outras de pessoas que est�o ressignificando objetos pessoais. Essas s�o as mais inesperadas, espont�neas e originais. Algumas simbolizam sensa��es, desejos e ang�stias.”
Rita usa como exemplo a m�scara da pequena Ol�via, de 5 anos. � a m�e dela quem conta como tudo aconteceu. Ana Oliveira mostrou as fotos para a filha e foi preparar o almo�o. Minutos depois, a menina apareceu na cozinha com um l�pis azul colado com durex na testa. Ela dirigiu a foto e posou com cara s�ria. Tudo t�o espont�neo que surpreendeu. “Acho que a imagem reflete o momento que ela est� vivendo. A Ol�via gosta muito de desenhar e est� sentindo muita falta da escola”, observa.
A m�e acha muito importante propor atividades que estimulam a criatividade das crian�as, ainda mais durante o isolamento. Como professora de hist�ria, ela defende a necessidade de a escola disponibilizar para os alunos em casa materiais l�dicos, e n�o s� conte�do pr�tico.
Os amigos que embarcaram com Rita na ideia do Mascorona s�o os designers Jo�o Marcelo Emediato e Filipe Costa. Jo�o mora em Helsinque, na Finl�ndia, onde faz mestrado em design gr�fico. O fasc�nio por m�scaras, que o tornou colecionador de imagens delas, vem da sua hist�ria com o teatro e do trabalho como designer. “As m�scaras t�m v�rias tradi��es do teatro, da arte popular, de �pocas diferentes do mundo. V�rias culturas criavam m�scaras como forma de se esconder e revelar outra coisa”, conta.
EMPILHAMENTO O designer fez sua primeira m�scara empilhando, com certa aleatoriedade, objetos dispon�veis em casa. Um ferro de passar roupa apoiado em cima da cabe�a, o fio dele enrolado no rosto, prendendo uma meia, que tampa um dos olhos, e uma banana com casca na boca. J� a segunda � inspirada em uma m�scara italiana que mulheres usavam em bailes s�culos atr�s. A bola de papel�o com superf�cie preta cobre todo o rosto e tem um bot�o costurado na parte interna que serve como apoio. “As mulheres ficavam caladas a festa inteira, porque a m�scara era segurada pelos dentes”, detalha.
A ideia era simplesmente ocupar a cabe�a e deixar a criatividadade fluir, mas rapidamente os amigos enxergaram a oportunidade de fazer uma conex�o com o momento que vivemos. O projeto faz muito sentido, considerando que as pessoas v�o ter que usar m�scaras por um tempo. “Come�amos a perceber v�rias met�foras, entre elas a de que a velocidade com que o v�rus se espalha � a mesma com que uma ideia se espalha pela internet. Uma pessoa compartilha e contamina outras pessoas. Vira uma esp�cie de pandemia criativa”, compara.
O projeto chamou a aten��o do fot�grafo Luis Filipe Am�rico por reinventar o trabalho do artista, que perde o valor em momentos de crise. Como trata da ressignifica��o de objetos, ele entende que nos faz enxergar o mundo de maneira mais l�dica. A sua m�scara � formada por tijolo, arame e um pano (que n�o aparece) para n�o machucar o nariz. “Pensei no tijolo porque ele representa essa carga pesada que temos que carregar. Al�m disso, d� a ideia de prote��o extrema, uma barreira muito grossa e forte para nos separar da realidade, do v�rus e de tudo mais que vem de fora”, justifica.
Curadoria a tr�s O projeto Mascorona cresceu r�pido demais e os idealizadores, que planejavam continuar desenvolvendo m�scaras, viraram curadores da p�gina no Instagram, que publica fotos diariamente. Os designers fazem uma sele��o para evitar ideias repetidas, levam em conta a qualidade da foto e as que s�o esteticamente mais atrativas. “O projeto nunca teve car�ter competitivo ou excludente. A ideia � guardar m�scaras que consideramos mais inventivas, curiosas e interessantes”, pontua Jo�o Marcelo Emediato.
Segundo Rita Davis, o projeto n�o se encerra no Instagram. Na verdade, os amigos pensam em excluir a p�gina depois que a pandemia passar e trabalhar em desdobramentos, como um livro ou uma exposi��o. “Seria uma forma de sair da internet e marcar fisicamente este per�odo”, ela diz. Jo�o acrescenta que o Mascorona vai virar um registro da �poca. “V�o ser muito importantes as hist�rias que vamos contar deste ano maluco de quarentena. Acho que o projeto vai ficar circunscrito como uma narrativa deste per�odo que estamos vivendo.”
Para alguns participantes, a experi�ncia tamb�m ter� desdobramentos p�s-pandemia. Camila Fortes, criadora da marca Panoletos, � uma delas. A designer ficou sem rumo logo no in�cio da quarentena, quando teve que fechar sua loja no Mercado Novo. Criar m�scaras era uma v�lvula de escape, mas agora j� funciona como uma extens�o do seu trabalho. “J� tem um tempo que estou querendo ampliar o meu trabalho, indo para um lado mais autoral e mais art�stico. Curiosamente, essa pausa me obrigou a mexer com o que j� estava dentro de mim.”
Na primeira foto, Camila amarrou um livro pesado no rosto com el�stico. O livro, n�o por acaso, � O futuro chegou – Modelos de vida para uma sociedade desorientada, do italiano Domenico de Masi, cuja mensagem tem muito a ver com os tempos de pandemia.
Na primeira foto, a designer Camila Fortes amarrou um livro pesado no rosto com el�stico (foto: Arquivo pessoal)
A partir disso, a designer come�ou a fazer selfies que integram uma s�rie de retratos na quarentena (n�o necessiamente m�scaras). Uma delas tem rela��o direta com o seu trabalho de bordado: linhas foram coladas no rosto com cola de c�lios, dando a ideia de que ela est� costurando a pele. Em outra, ela tampa nariz e boca com pregadores de roupa. H� uma em que ela usa uma corda t�o apertada que chega a desfigurar seu rosto. “Quero tirar as pessoas do modo cont�nuo de zumbi. Como assim, tem gente que n�o consegue ficar no conforto de casa, com comida na geladeira, filmes para ver, livros para ler, por uma quest�o de sa�de mundial? Que ego�smo � esse?”
Camila n�o tem d�vida de que a experi�ncia vai mudar a forma como se comunica e o trabalho em si. “Quem � empreendedor fica um pouco sufocado pelas outras fun��es que exerce. Tenho que vender, pagar conta, correr com a produ��o, e isso vai tolhendo a nossa mente. Talvez tenha encontrado uma atividade que vai alimentar o meu processo criativo”, observa.