
Se j� existe tanto tecido no mundo, por que comprar mais? A marca Remexe, parte do projeto L� da Favelinha, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, surgiu a partir desta reflex�o e refor�a a ideia de reaproveitamento na mais recente cole��o, Revogue. Criadas com sobras t�xteis e roupas antigas, as pe�as d�o nova vida a materiais que, cedo ou tarde, iriam para o lixo. Para al�m da moda, a cole��o pede uma segunda chance para a periferia, que deve ser vista como um lugar de potencial art�stico e cultural.
A Remexe j� nasceu com o conceito de upcycling. Depois de vencer um desafio fashion do Sebrae, de criar roupas com res�duos t�xteis, o artista Carlos Eduardo dos Anjos, o Kdu, que fundou o projeto L� na Favelinha, teve a ideia de dar continuidade ao trabalho, montando um ateli� de costura. Ele mesmo comprou tr�s m�quinas, procurou na comunidade quem costurava e montou uma equipe. A iniciativa deu t�o cedo que logo o grupo se lan�ou como marca.
No ano passado, a Remexe lan�ou uma cole��o com sobras de jeans, que se transformaram em roupas, mochilas e pochetes. Quando a pandemia chegou, a pr�xima cole��o j� estava em desenvolvimento, mas deixou de ser prioridade. As mulheres passaram a produzir jalecos para profissionais de sa�de e m�scaras de tecido, antes mesmo da recomenda��o de uso para toda a popula��o.
As fotos de moradores usando os acess�rios de prote��o, com estampas coloridas, sa�ram em jornais no Brasil, China, Inglaterra e Estados Unidos. “No in�cio, n�o sab�amos como a popula��o ia aderir, ent�o fizemos 100 mil m�scaras – 60 mil foram doadas para o morro. Como sobrou muito tecido, pensamos: por que n�o fazer uma cole��o com estas sobras?”, relembra Kdu.

O nome Revogue refor�a a proposta do ateli�. “O 're' do Remexe tem a ver com reutilizar, refazer, recriar, da� nasceu Revogue, de revogar, de voltar atr�s e pedir mais uma chance para a roupa que seria descartada no lixo”, explica. As pe�as feitas com os tecidos das m�scaras s�o grandes patchworks, o que resulta em uma divertida mistura de estampas, como de ursinho, caveira, flores e galinha. Entre elas, uma camisa, um short, uma cal�a e um casaco comprido.
A cole��o n�o se limite �s sobras das m�scaras. Com muita ousadia, que � sempre presente no trabalho, a marca lan�ou um vestido unindo gravatas e uma saia longa com tiras de jeans. Mas, desta vez, as costureiras n�o queriam fazer apenas pe�as de impacto, que acabam guardadas no arm�rio. Pensaram em roupas mais b�sicas, para usar no dia a dia. Como exemplo, um body metade azul, metade vermelho e um conjunto de blusa e short com mistura de listras finas e largas.
Turismo nos becos
O editorial se prop�e a apresentar, al�m das roupas, 10 pontos tur�sticos do Aglomerado da Serra. “Queremos vender uma experi�ncia legal. � para olhar a favela com um olhar diferente. N�o de pena, dor, tiro, porrada e bomba, mas um olhar com potencial criativo, arquitet�nico e l�dico”, defende Kdu, que assina a dire��o de arte das fotos e conhece os lugares e as pessoas como ningu�m.
Assim como as sobras de tecido, o artista diz que os becos pedem uma segunda chance. “Beco n�o � s� um lugar de aperto. Pode ser um cinema, uma galeria de arte, pode ser um ponto tur�stico.” Nas fotos, vemos o Beco Passarela, que ficou internacionalmente conhecido pelos desfiles de moda da Favelinha Fashion Week, e o Beco Bateria, palco de muitas atividades culturais, entre elas cinema. A escada j� virou arquibancada e um len�ol foi usado como tela para entreter o p�blico.

Ainda fazem parte da lista de pontos tur�sticos do aglomerado a sede do Centro Cultural L� da Favelinha, que recebe muitos turistas, desde a primeira-dama da cidade at� moradores de outras comunidades interessados em entender como o projeto funciona. O ateli� da Remexe tamb�m aparece nas fotos, assim como a Barbearia Milagre, frequentada por jogadores de futebol e artistas famosos . “Se quiser cortar o cabelo, tenho que agendar para semana que vem”, avisa Kdu.
A miss�o de Kdu � mostrar o potencial art�stico e cultural do Aglomerado da Serra, onde nasceu. Estima-se que l� vivam 120 mil pessoas. Em 2015, ele alugou um espa�o para montar uma biblioteca e dar aulas de rap. Ali era o in�cio do Centro Cultural L� da Favelinha, que hoje oferece para a comunidade 16 oficinas, incluindo ingl�s, bal�, ioga e artesanato. O pr�dio de tr�s andares foi todo reformado com “vaquinha”, que arrecadou R$ 120 mil, e doa��o de mat�ria-prima.
Rela��o com a moda

Kdu sempre foi ousado na forma de vestir, mas n�o entendia de fato o que era moda. At� que, em 2017, vestiu artistas da comunidade com o acervo do bazar e fez um desfile no Beco Passarela, lan�ando a primeira edi��o da Favelinha Fashion Week. Logo depois veio a Remexe, que mudou a vida de muitas mulheres. “Uma largou a faxina para virar costureira, outra foi curada da depress�o com a costura. Hoje elas falam que s�o designers de moda e estilistas”, conta.
A cole��o do ano que vem j� est� sendo pensada. Kdu quer homenagear a arquitetura da favela. “Quero falar dos 'gatos', mostrar como os fios mudam a arquitetura, e do rejunte entre tijolo e cer�mica.” Outro projeto, j� para janeiro, � a inaugura��o do Favelinha Shopping Center, no primeiro andar do centro cultural, onde, al�m das roupas, a ideia � vender livros, almofadas de croch�, bolos e outros produtos feitos por moradores da comunidade.