(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas Cultura

A rom�ntica hist�ria do Parque Lage

Gabriella gostava de joias. Henrique n�o se fazia de rogado e a cobria com as mais caras e preciosas gemas


14/11/2021 04:00

Lucia Helena Monteiro Machado
 
Parque Lage
Parque Henrique Lage (ou simplesmente Parque Lage) (foto: Reprodu��o)
 

Meu pai era admirador de �peras. Costumava, juntamente com o pai e as irm�s, ir para o Rio durante a temporada oper�stica. Contava, com certo orgulho, que havia sido preso uma vez. Servia no Ex�rcito em Juiz de Fora e fugiu para o Rio, a fim de ver o Caruso cantar. Foi em cana, mas ouvira o que era considerado o maior cantor de todos os tempos. Falava muito, tamb�m, de uma cantora italiana, Gabriella Besanzoni, que abandonara a carreira brilhante p�ra se casar com um milion�rio brasileiro chamado Henrique Lage.
 
Marina Colasant
Marina Colasanti foi, durante muitos anos, cronista do caderno Cultura do Estado e Minas e � casada com o mineiro Affonso Romano de Sant'Anna (foto: Divulga��o)
 
 
Ouvia essas hist�rias quando menina sem suspeitar de que, muitos anos depois, me tornaria amiga de uma sobrinha-neta da referida cantora.Marina Colasanti j� escreveu as mem�rias de sua inf�ncia passada na It�lia durante a Segunda Grande Guerra. O livro se chama “Minha guerra alheia” e vale a pena ser lido.
 
Casamento
Gabriella Besanzoni foi uma cantora l�rica italiana que se casou com o empres�rio brasileiro Henrique Lage (foto: Divulga��o)
 
 
Agora se debru�a sobre a fase em que veio para o Brasil, ainda crian�a, com os pais e o irm�o, para morar no Rio, no palacete de sua tia-av� Gabriella Bezansoni. Justifica o livro dizendo: “Este livro � o cumprimento de uma promessa nunca feita. � meu testemunho de gratid�o. � a narrativa da intimidade entre mim e minha tia-av�, que sempre chamei de tia. S�o fatos que habitaram minha vida. Posso dizer que � um livro da fam�lia.” O livro se chama “Vozes da batalha”.
 
Cantora
Gabriella Besanzoni foi uma cantora l�rica (foto: Reprodu��o)
 
 
As pessoas que passeiam no Parque Lage, uma das maravilhas do Rio de Janeiro, que entram no majestoso palacete que hoje abriga um museu e outras atividades culturais, ignoram a grande hist�ria de amor que deu origem ao lugar.
 
Quem era Gabriella Besanzoni? Era uma cantora l�rica famosa por sua beleza e sua voz. Uma verdadeira diva! Sua fama a levara a se apresentar em todos os grandes teatros do mundo. Dela diria Mario de Andrade: “Gabriella  Besanzoni, a que deveria ser ouvida de joelhos, foi a �ltima contralto que a It�lia teve”.
 
Quem era Henrique Lage? Empres�rio bem-sucedido, dono de consider�vel fortuna, homem culto, fino e bonito. Devia ser assediado por todas as mo�as casadoiras do Rio de Janeiro. Mas iria se apaixonar loucamente pela cantora de �pera, g�nero musical que ele apreciava.
 
O primeiro encontro se deu em 1918, quando ela se apresentou no Teatro Municipal do Rio. Acabara de cantar “Carmem”, um de seus maiores sucessos.  Ele enviou flores ao seu camarim com um convite para jantar. Ela recusou esse e outros mais convites. Estava apaixonada por Arthur Rubinstein. A perseveran�a  de Henrique iria custar muito tempo para dar frutos. Um novo encontro se daria em 1921, com insistente pedido de casamento. Ela seguia os conselhos da m�e, que achava que ela n�o devia se casar, mas sim se dedicar inteiramente � carreira. Finalmente, o charme de Henrique ganhara a partida. O casamento se deu em 7 de fevereiro de 1925, em regime de separa��o  total de bens, exig�ncia dela. N�o queria que pensassem que ela queria a fortuna dele. N�o precisava. O poeta Gabrielle D’Annunzio, seu grande admirador, mandaria um telegrama que dizia: “Invejo o Orfeu de al�m-mar que engrinalda uma Euridice muito mais melodiosa e deliciosa que a antiga. Envio aos dois uma estrela da noite de Brescia e uma rosa do Vittoriale”. O retrato dos noivos � encantador, ambos mostrando um ar de grande felicidade.
 
Na Ch�cara Lage, de propriedade de Henrique, ele faria construir o enorme palacete, obra do arquiteto Mario Vodret, em estilo ecl�tico, mas de tend�ncia claramente italiana. Muito mal comparando, foi uma esp�cie de Taj Mahal, com a diferen�a de ter sido erigido quando a mulher amada ainda estava viva. Os jardins apresentavam floridos canteiros geom�tricos. �rvores frut�feras de todas as esp�cies formavam um bosque onde brincavam soltas as crian�as Colasantis, Marina e Arduino. N�o custaram a descobrir que os cip�s eram mais fr�geis do que os do Tarzan. Arrebentavam facilmente.
 
Marina descreve magistralmente os diversos c�modos, finamente decorados  com rico mobili�rio, m�rmores, tape�arias e obras de arte. O c�modo que mais atra�a os irm�os era o sal�o onde estavam guardados os objetos da cenografia das �peras:  “Numa arara, pendiam dos cabides trajes de cena h� muito sem uso, alguns de Gabriella, outros de apresenta��es e cantores j� esfumados no tempo. Um v�u de poeira amansava o brilho de bordados e cetins. As gavetas de dois arm�rios desemparelhados/sobras de antigas decora��es guardavam adere�os. Brincos enormes, broches, correntes com medalh�o. Em cima de um deles despontava uma coroa.”
 
Como � comum numa casa tipicamente italiana, havendo espa�o, os parentes e amigos s�o sempre bem acolhidos. A fam�lia Colasanti foi a� instalada, como outros parentes. A harmonia e a alegria eram sempre presentes. Marina descreve: “A ch�cara cochilava quieta nas primeiras horas da tarde. Come�ava a se espregui�ar l� pelas quarto e, dali em diante, era pura anima��o. Os homens da fam�lia chegavam do trabalho por volta das cinco da tarde, com seus ternos brancos de panam�, as gravatas de cor pastel afrouxadas nos colarinhos, e um ar de cansa�o acalorado que logo desaparecia. Os amigos tamb�m iam chegando. E as visitas. Os porteirinhos corriam a cada toque de campainha, o gar�om come�ava a circular com a bandeja cheia de xicarazinhas ou de copos.
 
A m�sica estava sempre presente e Gabriella, rainha absoluta de seu castelo, cantava. Muitas vezes, can��es de Caymi que ela adorava. Havia sempre um jantar”. Isso acontecia nos dias comuns. Mas havia as recep��es. “Em dias de recep��es, a casa fazia-se encantada. Acendiam-se as grandes lanternas da galeria. O reflexo brilhava no m�rmore encerado do piso, refletia-se nas folhas das samambaias diante de cada coluna. A �gua que corria em canos de cobre ao redor da piscina era liberada, e esguichos ligeiros encrespavam a superf�cie, desenhando escamas de luz. As portas envernizadas dos apartamentos, as folhas dos jasmineiros, os port�es de cristal da sala de jantar cintilavam. Os gar�ons iam e vinham levando bandejas, as vozes da festa repercutiam nas arcadas, as luzes do sal�o transbordavam porta afora.”
 
Gabriella gostava de joias. Henrique n�o se fazia de rogado e a cobria com as mais caras e preciosas gemas. Ela usava frequentemente, em cena, essas joias verdadeiras. Em seu testamento, destinaria essas preciosidades � sobrinha-neta querida.
 
Pelo seu depoimento, foi um casamento feliz: “Henrique era um marido que me atendia como uma rainha, cuidando, com rapidez, de qualquer desejo meu. Educado, disposto a me demonstrar satisfa��o durante os anos de ‘ass�dio’. Organizado at� nos menores detalhes, trabalhador incans�vel e, ademais, dono de uma grande fortuna, raz�o pela qual n�o se podia dar-lhe o t�tulo de ‘marido da diva’.”
 
Mas Gabriella era mulher din�mica demais para se tornar apenas uma dona de casa a receber a alta sociedade do Rio. Durante o primeiro ano de seu casamento, participou de v�rios concertos beneficentes.  Na volta de uma longa viagem pela Europa com o marido, reapareceu na cena l�rica como membro da Grande Companhia Lyrica Italiana.O jornal noticiava: “O reaparecimento, ontem, do maior contralto da atualidade, a Sra. Gabriella Besanzoni Lage, motivado pelos instantes pedidos de nomes do mais real�ado destaque da sociedade carioca, marcou um acontecimento memor�vel para a hist�ria do nosso Teatro Municipal”. Nessa temporada cantou “Carmen”, um de seus maiores  pap�is. No intervalo entre o segundo e o terceiro atos, foi inaugurada no Municipal uma placa de bronze: “A Gabriella Besanzoni Lage – Homenagem de seus amigos e admiradores”.
 
Em 1936, entrega-se de corpo e alma a outra empreitada: come�a a elaborar a estrutura��o de uma companhia l�rica brasileira. Como era encantada com a musicalidade dos brasileiros, funda o S. A. Teatro Brasileiro, que  mais tarde formar� a Companhia L�rica Nacional. Tudo isto daria bons frutos.
Esse � o resumo de uma historia de amor que resultaria em um dos lugares mais bonitos e agrad�veis do Rio de Janeiro: o Parque Lage.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)