
Quando o olhar muda, at� mesmo algo do cotidiano ganha outro significado. Olavo Machado Neto cresceu cercado por a�o na ind�stria el�trica da fam�lia. Desde crian�a, viu o material ser usado na fabrica��o de transformadores. At� que, com o diploma de desenho industrial, ele passou a enxergar o metal como mat�ria-prima para m�veis, esculturas e outros objetos. O designer e artista mostra mais uma vez sua habilidade com o a�o na exposi��o Metal Et�reo, em cartaz at� s�bado no MM Gerdau - Museu das Minas e do Metal, na Pra�a da Liberdade. Depois de Belo Horizonte, as obras in�ditas, que ele define como “molduras para o vazio”, seguir�o para Ouro Branco, no interior do estado. Olavo continua a olhar para o cotidiano com aten��o e sensibilidade. Segundo ele, a inspira��o pode vir de uma conversa com as filhas, uma caminhada no parque ou uma m�sica.
De onde vem o seu interesse por design?
Sempre gostei de desenhar. Quando era crian�a, achava que ia ser artista, pintor ou desenhista. Fazer o curso de desenho industrial foi a maneira que encontrei de realizar essa minha inclina��o, unir a minha veia art�stica com a parte t�cnica, que tamb�m me interessava. O meu av� era um inventor, criava alguns equipamentos e o meu pai � engenheiro e tem uma ind�stria el�trica. Comecei a estudar na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), depois fui para Mil�o. Gostei tanto do curso que dei um jeito de ir para a cidade que era o centro do design, onde as coisas aconteciam, onde os grandes designers do mundo se encontravam para poder viver de perto o que era o desenho industrial.
"Todo dia � um aprendizado, e eu gosto muito. O meu interesse � sempre aprender. Al�m de criar uma pe�a nova, gosto de aprender um processo novo, uma forma nova de fazer"
O que foi mais marcante na sua temporada em Mil�o?
Essa experi�ncia foi muito importante para a minha forma��o, n�o s� academicamente, mas por viver o dia a dia de uma cidade que respira o desenho, ter contato com os profissionais e visitar os est�dios. Tive a oportunidade de conhecer as pessoas e ver como era o trabalho delas no dia a dia, fora dos holofotes. Vi que os grandes designers, pelo menos os que conheci, colocavam a m�o na massa mesmo, n�o tem glamour. Acompanhei o dia a dia das pesquisas. Na verdade, designer n�o � especialista em nada, trabalha em todos os campos. A profiss�o � t�o abrangente que estamos sempre tentando aprender, conversando com especialistas de todas as �reas. Acho que esse � o grande aprendizado que trago dessa �poca e tento aplicar na minha vida como artista e designer. Para mim, foi mais um aprendizado de vida do que de profiss�o.
Naquela �poca, passou pela sua cabe�a morar em Mil�o?
Cheguei a pensar, mas a minha raiz mineira � muito forte, e eu era muito jovem tamb�m. Mas n�o me arrependo. Voltei em 2003 para BH. N�o tinha um plano, queria desenhar para empresas, desenvolver produtos e fazer arte. Comecei batendo de porta em porta, mas percebi que era muito mais dif�cil do que imaginava. At� que tive um clique de come�ar a fazer as minhas pe�as. Fiz m�veis e pe�as pequenas de a�o, como o porta-chaves, que fez sucesso na �poca. Ganhei um pr�mio com ele e isso me fez ficar mais conhecido e as empresas come�aram a me procurar. Tive que dar essa volta para seguir o caminho que imaginava. Mas acho que foi ignor�ncia minha achar que uma empresa contrataria algu�m que nunca tinha feito nada. Eu n�o me contrataria naquela �poca. Depois disso abri o meu est�dio, o OMN Studio, para desenhar para as empresas e tamb�m fui desenvolvendo as minhas pe�as, que � um trabalho mais despretensioso, com a marca Cucampre. Cucampre � uma palavra que o meu av� inventou. Ele dizia que era o nome do bicho que morava l� no s�tio dele para nos fazer medo.
Qual foi a primeira pe�a que voc� criou?
Criei duas pe�as simultaneamente. Uma � o banquinho de fazenda, em formato de bandeira, s� que fiz uma releitura. Usei chapa de a�o colorida, em vez de madeira. Peguei um desenho que est� no inconsciente de todo brasileiro, principalmente do mineiro, e mostrei que podia ser feito de forma industrial e seriada. Acho que foi bacana trazer essa forma t�o antiga para o s�culo 21. Perpetuar essa identidade minera, mas de uma forma tecnol�gica. A outra pe�a � o porta-chaves, uma chapa de a�o dobrada com corte a laser no meio formando um trilho, onde os chaveiros se encaixam. Ganhei o pr�mio Idea/Brasil na categoria casa e isso me deu proje��o naquela �poca, porque ainda n�o era conhecido.
Por que voc� se aproximou de imediato do a�o?
A minha fam�lia tem uma ind�stria el�trica, que fabrica transformadores. Frequento a ind�stria desde crian�a, ela � mais velha do que eu, ent�o sempre tive muita familiaridade com o material. Isso estava enraizado em mim. Al�m disso, sempre tive acesso a m�quinas que me proporcionavam desenvolver pe�as com alguma liberdade. Estava praticamente dentro de casa. Claro que aprendi o pouco que sei fazendo e observando os funcion�rios da empresa. Na verdade, digo que n�o sei nada. As pessoas que soldam, que cortam, que dobram sempre sabem mais do que eu e est�o me ajudando. N�o desvendei o a�o at� hoje. Todo dia � um aprendizado, e eu gosto muito. O meu interesse � sempre aprender. Al�m de criar uma pe�a nova, gosto de aprender um processo novo, uma forma nova de fazer, ent�o tudo � muito enriquecedor. Trabalhar com a�o n�o � f�cil, ele � um material duro e pesado, mas essa aproxima��o aconteceu naturalmente. Acho que esse caminho era inevit�vel. O processo do desenho industrial me levou a querer explorar o lado da arte, da escultura e isso fecha um ciclo. Isso me leva � minha origem, l� na inf�ncia, quando era crian�a e pensava que ia ser artista.
O que voc� considera mais encantador no a�o?
O que mais me atrai s�o a for�a e a beleza. O a�o � um material duro, pesado, resistente, ao mesmo tempo voc� consegue dobr�-lo. Gosto muito de usar o a�o cru, oxidado, para mostrar que cada pe�a fica com uma caracter�stica diferente. Acho bem fascinante essa caracter�stica dele de se transformar de acordo com o ambiente e com o peda�o que uso. Um nunca vai oxidar igual ao outro. Posso at� desenhar em outros materiais, como madeira e estofado, mas n�o me vejo deixando de usar o a�o.
Qual � a sua pe�a preferida?
N�o posso dizer que um filho � mais bonito que o outro. A pr�xima pe�a, talvez, ser� melhor do que tudo o que j� fiz, mas, quando ficar pronta, vou gostar como gosto das outras.
Vou mudar a pergunta, ent�o. Qual pe�a marcou mais a sua carreira?
Acho que uma das pe�as mais marcantes � a poltrona de a�o Idra, que � um desdobramento do banquinho. Voc� consegue enxergar os elementos triangulares, mas ela � totalmente nova. Tem um desenho contempor�neo e ficou moderna. At� diria, sem querer ser pretensioso, que � um pouco futurista.
Voc� enfrenta alguma resist�ncia em rela��o aos m�veis de a�o?
Existe uma certa resist�ncia, sim. Algumas pessoas acham que o a�o, por ser duro, n�o � confort�vel, mas, usando as medidas ergon�micas corretas, n�o tem erro, o assento vai ficar gostoso. Agora tem gente que n�o gosta da cara fria do a�o. Isso � gosto pessoal, e eu tenho que respeitar. Existe espa�o para todos os materiais.
O que ainda falta fazer com o a�o?
J� fiz quase tudo, mesa, sof�, estante, aparador, banco, cadeira, poltrona. Tenho vontade de fazer cama, mas ainda n�o tive oportunidade.
Como funciona seu processo criativo?
Desenho compulsivamente, todos os dias, da hora em que acordo at� a hora em que vou dormir. Agora mesmo, enquanto conversamos, estou rabiscando. Mas solto pouco para o mundo, talvez nem 10%. At� um rabisco virar pe�a ou produto que vale a pena ser mostrado, existe todo um processo. Sou muito exigente comigo mesmo. N�o tenho pretens�o de alcan�ar a perfei��o, inclusive j� fiz uma exposi��o que falava da beleza da imperfei��o. Sou exigente na t�cnica, de achar a forma que vai agradar, de n�o fazer uma pe�a s� por fazer. Tento fazer um trabalho honesto, que tem um pensamento disruptivo, novo. No caso da obra de arte, que provoque alguma emo��o. No caso do design, que tenha uso, seja bonito e confort�vel. Posso at� fazer algo que seja considerado feio, mas meu objetivo nunca � esse.
Voc� pensa mais em voc� ou nos outros na hora de criar?
Penso que a pe�a tem que agradar pelo menos a mim. Se tentar agradar os outros, n�o tenho garantia de que vou conseguir. Ent�o, pelo menos uma pessoa garanto, que sou eu. Mas n�o � uma quest�o ego�sta, n�o fa�o uma pe�a para mim. Quanto mais pessoas gostarem, mais feliz vou ficar.
De onde vem a sua inspira��o?
O dia a dia � inspirador. Essa conversa pode me inspirar, assim como o livro que leio, a m�sica que ou�o, a caminhada que fa�o no parque. �s vezes sai alguma ideia quando estou conversando com as minhas filhas. Trabalho, literalmente, todos os dias. Para mim n�o tem diferen�a entre lazer e trabalho. Se fosse trabalhar com o que n�o gosto, talvez ia ficar contando os minutos para ir embora, o que n�o � o meu caso. Ler um livro, ver um filme, conversar, tudo vai alimentando a minha criatividade.
Na sua opini�o, existe diferen�a entre arte e design?
Na minha cabe�a � tudo a mesma coisa. Pela defini��o do dicion�rio, design � o que pode ser produzido industrialmente, mas na hora de criar nada muda. O processo criativo � igual. At� vou mais al�m. Acho que desenho, pintura e todas as artes visuais s�o iguais.
O que muda na hora de fabricar um m�vel e uma obra de arte?
Para criar um m�vel, tenho que seguir algumas regras de ergonomia e padr�es de seguran�a. Mas com escultura n�o tem limites, tenho mais liberdade, o que at� torna o processo mais dif�cil. Quando voc� pode fazer qualquer coisa, �s vezes se sente oprimido.
Como surgiu a ideia da exposi��o “Metal et�reo”?
A Gerdau me convidou para desenvolver livremente uma exposi��o para comemorar o Dia Nacional do A�o (9/04). A partir disso, criei pe�as diferentes do que j� tinha feito. Como na �ltima exposi��o fiz pe�as pesadas, quis trazer o a�o de forma mais leve. Criei molduras quadradas pintadas de branco que se repetem, mas cada pe�a tem um suporte, formando um grafismo diferente. L� no terra�o do museu, montamos as pe�as em fila como se fosse um t�nel. A ideia � que essas estruturas emoldurem o vazio e que o a�o quase desapare�a.
Como voc� quer impactar as pessoas?
Se gerar alguma emo��o, est� bom. O importante � que as pe�as provoquem alguma rea��o. Que as pessoas olhem e sejam impactadas de alguma forma. Que n�o seja algo que as pessoas olham e continuam conversando.
O curador da exposi��o � Christian Larsen, que trabalha no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Como foi trabalhar com ele?
Foi sensacional. Christian � um norte-americano especialista em design brasileiro. A troca de ideias com ele foi fundamental para desenvolver as pe�as. Fui mostrando a dire��o que queria seguir e ele me conectou com trabalhos espec�ficos de outros artistas. Para mim, foi muito enriquecedor. Tinha certeza de que a curadoria seria boa, por quem � o Christian, mas foi muito melhor do que esperava. Isso abriu v�rias portas na minha cabe�a durante o processo de cria��o e j� estou criando outras pe�as (esculturas e m�veis) com identidade parecida. Est� sendo muito bom continuar conversando com ele. Em breve, terei novidades, e n�o s� com o a�o.
Al�m do a�o, com quais materiais voc� costuma trabalhar?
O a�o tem papel central na minha vida, mas trabalho com qualquer material. J� usei madeira, estofado e estou desenvolvendo uma linha de m�veis de �rea externa com fibras naturais. Acho interessante estar sempre fazendo algo diferente. Mais importante do que saber desenhar � ser curioso. Se voc� n�o tiver curiosidade, n�o vai aprender nem desenvolver coisas novas. O designer n�o existe para desenhar formas que j� existem, a nossa pretens�o � fazer coisas novas. Acredito que, para fazer o novo, temos que ser curiosos.
Como � para voc� expor seu trabalho em Mil�o?
� uma realiza��o, um ciclo que se fecha. Quando fui embora de l�, jamais imaginei que voltaria para expor as minhas pe�as, era algo muito distante. Mas j� consegui fazer isso algumas vezes e foi muito bacana poder apresentar o meu trabalho nesse palco, onde est� todo mundo que entende do assunto. Isso abre muitas portas. Tem que ter coragem e foi assim que consegui chegar l�. Quem sabe um dia n�o volto a morar em Mil�o? Acho que seria interessante, pensando mais nas minhas filhas, Alice e J�lia, que est�o com 15 anos. Seria muito enriquecedor estar naquela cidade. Assim como eu, elas sempre gostaram de desenhar e hoje t�m at� uma marca de roupa, a Life of the party. Elas que criam e vendem as pe�as.
O que voc� imagina para o seu futuro?
O ideal para mim � continuar a fazer tanto escultura quanto m�veis e apresentar o meu trabalho para o maior n�mero poss�vel de pessoas. O importante � que as pessoas vejam, n�o precisam nem gostar. Quero mostrar a minha verdade.