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Estado de Minas Mem�ria

Legado de pioneiras

Empreendedoras corajosas, Sarah Vaintraub e J�nia Melo deixaram marcas na hist�ria da moda de Belo Horizonte com importantes contribui��es


28/05/2023 04:00
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Júnia Melo
J�nia Melo no lan�amento do livro "Depois das Seis", de Edgard de Melo (foto: Arquivo pessoal)


Belo Horizonte nem sonhava em se tornar um polo fashion e uma paulistana j� havia enxergado que havia potencial para essa �rea na cidade. Sarah Vaintraub, que faleceu recentemente aos 85 anos, soube prever o crescimento desse mercado e nos anos 1970 abriu a primeira pronta-entrega para atender os lojistas mineiros, na rua Tupis, 457.
 
 Sarah Vaintraub da SV Eventos
Sarah Vaintraub da SV Eventos (foto: Arquivo pessoal)
 
 
Estava surgindo a hist�ria de uma empres�ria entusiasmada que marcou �poca nacionalmente na �rea de eventos, respons�vel pelo lan�amento de v�rias marcas importantes. Foi nas feiras que ela promovia na capital mineira e em S�o Paulo que tiveram a oportunidade de exibir suas primeiras cole��es e se tornarem conhecidas em todo o Brasil. “Minha m�e veio para Belo Horizonte quando se casou com meu pai, Jos� Vaintraub, que era m�dico e, depois, se tornou seu s�cio no neg�cio”, conta Carlos Vaintraub, um dos tr�s filhos de Sarah, que nos meados da d�cada de 1990 passou a trabalhar na SV Eventos.
 
A eleg�ncia e a educa��o s�o dois tra�os da personalidade ressaltados por todos que conviveram com a empres�ria. Sempre impec�vel, bem-vestida e penteada, o interesse pela �rea de moda e pelas feiras veio tamb�m pelo seu bom relacionamento com a fam�lia Alc�ntara Machado, que realizou, durante muitos anos, a Fenit – Feira Nacional T�xtil Brasileira, ic�nica no calend�rio brasileiro. “Primeiro, ela foi trabalhar com a pronta-entrega comercializando marcas paulistas, mais elegantes e conservadoras, e as cariocas, mais despojadas, inclusive moda praia. Em Minas Gerais, a malharia de Jacutinga estava come�ando a prosperar”, rememora Carlos.
 
O que pouca gente se lembra � que Sarah foi confeccionista. Na evolu��o da moda em Minas, que teve seu auge na d�cada de 1980, ela foi dona de uma confec��o – A Di Sarah’s - , o que abriu caminho para que, influenciada pelo sucesso da Fenit, entrasse no mercado de feiras junto com tr�s s�cios. A empresa de chamava Interpres. Foi o come�o de uma hist�ria bem-sucedida: eles conseguiram reunir os sal�es do Othon Palace, uma boa sele��o de confec��es.
 
Para se ter uma ideia, nesse per�odo Nilso Farias, o pioneiro no setor com sua Minas Mostra Mulher, ainda estava atuante, realizando edi��es no Minascentro. Iniciou-se uma concorr�ncia acirrada, que movimentou o segmento nessa altura em curva ascendente com muita oferta de grifes e de produtos, o que atraia a aten��o de compradores de todo o pa�s. Disposta a ir mais longe, a Interpres chegou a S�o Paulo, mais exatamente na Vila Ol�mpia, como op��o de expans�o para as pequenas empresas e concorrendo com as datas dos lan�amentos de moda na pr�pria Fenit. As feiras do Buffet Humberto eram sofisticadas e acolhedoras e se tornaram famosas entrando na m�dia dos principais ve�culos da cidade.

Novo CPF Com o fim da sociedade, Sarah abriu um outro CNPJ, a SV Eventos, e criou o Encontro da Moda Mineira. A essa altura, ele j� reunia marcas de v�rios estados e, diante disso, passou a se chamar s� Encontro da Moda. “Do Buffet Humberto, foi transferido para o Shopping Frei Caneca e, de l� fomos para o Expo Center Norte”, explica Carlos. Inaugurado em 1993, o local s� recebia feiras de m�dio a grande porte, o que n�o era problema porque, durante a d�cada de 1990, j� recebia ades�es de confec��es do Paran�, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Esp�rito Santo, Rio de Janeiro, Fortaleza, S�o Paulo, entre outros estados.
 
E a SV n�o promovia somente feiras de pedidos nas �pocas de lan�amentos, mas abriu espa�o tamb�m para as de pronta-entrega. “Chegamos a fazer 10 em um ano”, pontua Carlos, que costumava fazer viagens pelo Brasil, subindo e descendo o pa�s para divulgar e captar novos clientes.
Por detr�s da afabilidade e da finesse, havia uma mulher forte e determinada. “Ela sabia negociar como ningu�m, tudo que aprendi em termos de negocia��o foi com ela, era � frente do seu tempo”, diz Joana Coelho, que trabalhou com Sarah cerca de 20 anos e hoje � gerente dcomunica��o e diretora de projetos especiais da EMC - Empresa Mineira de Comunica��o.
 
“Foi uma das fundadoras do Belo Horizonte Convention & Visitors Bureau, al�m de sua conselheira e diretora. Foi tamb�m presidente do Sindiprom MG – Sindicato das Empresas Organizadoras de Eventos de Minas Gerais”, refor�a o amigo e colega Hernani de Castro J�nior, que era �ntimo da fam�lia, ressaltando sua posi��o de grande dama da moda e do turismo de neg�cios e eventos de Minas Gerais. Sua trajet�ria aponta ainda uma passagem como diretora do Comit� de Moda Feminina da Abit - Associa��o Brasileira da Ind�stria T�xtil e de Confec��o. “Ela era associativista, via sempre o lado positivo de tudo, n�o se detinha diante de nenhum obst�culo”, frisa Carlos.
 
A mudan�a do mercado, as crises do com�rcio e a idade j� avan�ada contribu�ram para que Sarah admitisse a ideia de encerrar a empresa, mas, segundo Carlos, a empres�ria que existia dentro dela ficou muito triste com a decis�o. “Ainda tinha sonhos de recome�os, fazia planos para o futuro, falava sobre novos projetos. A fam�lia era obrigada a conscientiz�-la sobre as dificuldades, ela estava com a sa�de debilitada, a morte do meu pai a abalou muito”, enfatiza o filho. Nos �ltimos anos, Sarah ocupava seu tempo dedicando-se a atividades na Associa��o Israelita Brasileira.
 
Rainha da modelagem 
 
J�nia Melo era encantada com a modelagem e transmitiu essa paix�o para uma gera��o de alunos e profissionais nos cursos que ministrou ao longo de uma vida prof�cua, sempre ligada � moda. Nascida em uma fam�lia numerosa com 12 filhos, aos 14 anos procurou dona Carmem de Andrade Mello Silva detentora do Corte Centesimal em Belo Horizonte, e, ao mesmo tempo que aprendia os segredos de modelar e costurar, dava aulas para as amigas, arrecadando recursos para custear o pr�prio aprendizado.
 
“A J�nia foi muito importante para o Centesimal, porque ajudou a formar in�meras novas instrutoras. Como professora, ela o ensinou tamb�m no curso de extens�o em Estilismo e Modelagem do Vestu�rio da UFMG. Lara Rogedo, Elisa Sayuri, Maria Paula Guimar�es, que est�o participando da exposi��o Do molde � roupa, em cartaz no Mumo – Museu da Moda, passaram pela sua escola, no bairro Santa L�cia”, relata Carolina Franco, hoje � frente do m�todo criado pelos bisav�s.
 
“Ela foi parte important�ssima para minha forma��o profissional. Cheguei ao seu atelier sem nunca ter costurado, dizendo que queria fazer vestidos de noiva. Nesse dia, a sua personalidade forte j� me marcou. Ao ouvir minha pretens�o, a boca torceu e a sobrancelha subiu bem “a la Miranda Priestly” do filme O Diabo veste Prada”, recorda Elisa Sayuri. A estilista relata que, durante o curso, J�nia e a irm� Let�cia, seu bra�o direito durante cerca de 40 anos, fizeram com que ela quisesse descobrir mais sobre o processo de constru��o de uma pe�a, indo al�m do desenho.
 
“As aulas eram regadas a conversas e a muita hist�ria da moda e passavam muito r�pido. A vontade era ficar ali o dia inteirinho e, por um tempo, acabei fazendo isso. Depois de alguns anos frequentando diariamente a escola, percebi querendo ensinar outras pessoas como ela e Let�cia compartilhavam seus conhecimentos. Minha paix�o pelo ensino tem muita influ�ncia delas e, se hoje tenho o Sayuri Atelier Escola, foi muito porque um dia, gra�as a Deus, nossos caminhos se cruzaram”, afirma Elisa.
 
Vale lembrar que, at� o nascimento dos filhos, J�nia realizava seu trabalho produtivo totalmente em casa: costura, aulas de corte e costura e confec��o de grinaldas e chap�us. Let�cia Barcelos, por sua vez, recorda a trajet�ria ao lado da irm�. “Depois de 10 anos cuidando de casa e filhos, bati na sua porta para pedir um emprego. Na �poca, ela tinha uma confec��o, a Juaninha, em sociedade com Edgar Melo, seu segundo companheiro. O nome era em homenagem a Juninha, sua filha ca�ula. Era muito empreendedora, havia se divorciado do primeiro marido, tinha cinco filhos para criar e gostava de trabalhar. Apesar de ter uma sa�de delicada, nunca se curvou aos problemas decorrentes disso, foi uma guerreira, viveu intensamente”.
 
A confec��o come�ou com camisaria masculina, mas o casal foi alertado por Jos� Alencar Gomes da Silva - magnata da ind�stria t�xtil e ex-vice-presidente do Brasil - , que trabalhava com o segmento, sobre a dificuldade de f�bricas pequenas concorrerem com as de grande porte, como a dele. “Foi ent�o que eles partiram para o feminino”, relata.
 
Quando Let�cia entrou na empresa, cuidava do atacado fazendo contatos com as lojas para captar os pedidos. Na d�cada de 1980, J�nia teve tamb�m uma pronta-entrega, na avenida Raja Gabaglia, em um edif�cio comercial estrat�gico na �poca. “Isto durou at� 1988. Havia uma infla��o enorme, o neg�cio n�o estava prosperando. Ent�o, ela teve a ideia de trabalhar como assessora para as confec��es. Criava os modelos, orientava uma assistente nos desenhos, faz�amos as telas. Os moldes ampliados e reduzidos eram feitos a partir do que era aprovado pelos clientes”.

Professora A professora surgiu em decorr�ncia de inventar novas formas de ganhar mercado. Por exemplo: em determinado momento, resolveu ensinar a fazer gravatas, uma atividade essencialmente manual. Depois, conforme lembra Let�cia, vieram as cal�as, blusas e, quando se viu, estava com uma escola. “Ela era uma pesquisadora, n�o se detinha somente no Centesimal, estudava as modelagens de outros pa�ses e fazia suas pr�prias interpreta��es segundo o que achava melhor. A modelagem da nossa cal�a foi adaptada por J�nia, a do blazer era alem�, a manga raglan que faz�amos era francesa.
Adorava a t�cnica da moulage (tipo de modelagem de roupas executado diretamente no manequim)”.
 
O primeiro curso de moda no Brasil como extens�o universit�ria foi implantado na Escola de Belas Artes da UFMG por volta de 1984 e contou com a expertise de J�nia para assessorar o professor Phillipe L�gal da Esmod francesa nas aulas de moulage. Segundo a jornalista Tereza Cristina Motta, que escreveu seu perfil para a revista Olho, “ela traduzia simultaneamente para o portugu�s as aulas do mestre franc�s e, em seguida, herdou a cadeira no momento que ele teve que se ausentar disponibilizando o material did�tico da conceituada institui��o”. Por suas m�os passaram alunos que ficaram famosos, como Ronaldo Fraga, Jota Sybbalena e Marcos Ferreira.
 
A professora tinha orgulho tamb�m de ter feito, juntamente com um desenhista, a primeira apostila de moulage adotada pelo curso do Senai Cetiq-Moda Tech, em 1999.
 
Bonita, chique, elegante, J�nia, cujo sobrenome era Rios Neto antes de se casar com Edgar, era tamb�m uma pessoa culta, amava os livros, lia Proust em franc�s. Manteve, durante algum tempo, uma coluna no jornal �ltima Hora e na revista Alterosa sobre comportamento, moda, universo feminino. Depois escreveu no Jornal de Domingo e no Hoje em Dia e teve um programa na r�dio Inconfid�ncia, nos anos 2000.
 
Apesar de ter nascido em uma fam�lia tradicional em uma �poca em que as mulheres tinham algumas restri��es com rela��o �s suas condutas, aluna no tamb�m convencional col�gio Santa Maria, ela sempre prezou sua independ�ncia. Na d�cada de 1960, quando trabalhar em televis�o ainda era tabu, comandou um programa de variedades di�rio, o vespertino Jornal da Mulher, ao vivo, na TV Alterosa.
Para o casamento com Edgar Melo, publicit�rio, dono da Asa Propaganda, levou os cinco filhos, a quem ele criou como se fosse o pai. “Edgar foi um grande incentivador da sua carreira”, lembra Let�cia. J�nia partiu em 20 de abril, deixando 24 netos e 11 bisnetos. Completaria 91 anos em junho. 


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