Wagner Penna

A valoriza��o das heran�as culturais como refer�ncia criativa da nossa moda e utiliza��o dessa riqueza
como ferramenta de marketing para fortalecer o posicionamento mercadol�gico desse segmento, s�o algumas das sugest�es da expert Silvinha Fernandes para impulsionar a ind�stria fashion mineira.Suas observa��es s�o feitas ap�s uma intensa experi�ncia em Paris – onde formou-se pela Sorbonne e atuou nas marcas Dior e Nina Ricci, duas marcas de prestigio da cena fashion mundial. No seu retorno a BH, intensificou o trabalho de pesquisar e analisar o made in Minas – concluindo que o preciosismo artesanal e criativo mineiro na moda � t�o potente quanto o franc�s, faltando apenas valoriza-lo de forma mais contundente. Nesse universo, ela destaca a import�ncia do trabalho em equipe, da comunica��o aut�ntica nas redes sociais, do respeito � transpar�ncia na cadeia t�xtil e da intera��o entre cria��o & gest�o para se fazer boa moda. A utiliza��o da Intelig�ncia Artificial como elemento complementar � percep��o humana, tamb�m entram nessa conta. Tamb�m considera que ‘Minas � uma j�ia cultural e BH uma p�rola rara’ no assunto fashion.
Fale um pouco da sua trajet�ria profissional.
Eu atuo h� 20 anos no mercado de Moda e da Economia Criativa, de uma forma geral. Isso quer dizer, trabalhando com moda, design, m�sica, artes pl�sticas e beleza - sempre no lado estrat�gico, de neg�cios. Tive a oportunidade de ter uma forma��o internacional. Sou graduada e minha forma��o no assunto � mestre em Economia e Administra��o pela Universit� de Paris 1 - La Sorbonne. Em seguida, me formei em mestre em Marketing, Desenvolvimento de Produtos ou Servi�os, pela IAE Gustave Eiffel, al�m de mestrado e MBA. A escola est� no ranking dos top masters da Fran�a. Depois, fui buscando complementaridade na minha forma��o em uma s�rie de cursos de extens�o, como na Central Saint Martins School (Londres), no London College of Fashion ( Londres) e ESPM ( S�o Paulo).
O que voc� extraiu dessas experi�ncias?
Foi na Fran�a onde pude realmente aprender a estruturar meu pensamento l�gico, desenvolver rotinas produtivas num mercado maduro e que me ensinou demais. Foi um ponto de virada na minha vida. Afinal, � um pa�s que entende os seus processos criativos, tem a economia criativa como uma refer�ncia at� mesmo de valor nacional, onde raz�o e emo��o andam de m�os dadas e toda inspira��o pode e deve ser mensurada quando se trata de gest�o. Foi oportunidade de viver uma imers�o na arte e cultura mundiais e de forma muito intensa. Mas, ao contr�rio do que pensam, n�o existe glamour. A carga de estudo e trabalho � imensa, somos levados aos limites do corpo e da mente. A beleza verdadeira dessa jornada, s�o as v�rias conquistas internas de vencer cada um dos desafios ao se viver numa nova cultura. Isso para mim � o glamour.
Sob o ponto de vista do aprendizado, o que foi mais interessante?
A Sorbonne tem um aspecto interessante. Estudamos todas as t�cnicas e teorias de gest�o e economia com uma abordagem muito humanista. Em cada equa��o aprofundamos na leitura dos comportamentos dos mercados, pa�ses e pessoas que nos cercavam. Anos depois fui entender que preciosidade. N�o existe neg�cio saud�vel e rent�vel ou estrat�gia que se fa�a valer, sem o ser humano no centro.
Como avalia sua intera��o com esses processos diferenciados?
Chegando em Paris trabalhei em uma galeria de arte especializada em fotografia contempor�nea. Entre os artistas, tinha o David Lynch. Essa galeria detinha os direitos autorais de Picasso, Modigliani, Jean Cocteau para produtos derivados. Logo depois, conheci meu grande amigo e anjo da guarda, Daniel Richter. Na �poca, ele era gerente de marketing da Dior / John Galliano, marca pr�pria do criador e filial da marca-m�e. Fui convidada para trabalhar nos showrooms, at� integrar a equipe de marketing e comercial. Como tudo na Fran�a, equipe enxuta com impacto global.
E como foi trabalhar no marketing da Dior.
Foi um grande aprendizado. Afinal, ao seu lado estavam os vestidos dos tapetes vermelhos, as decis�es das maiores lojas de departamentos, a solu��o de ponto de vendas, a nova campanha e o princ�pio de uma cole��o, o seleto e disputado seating (assentos) no desfile coroado de artistas. E tudo aquilo seria noticiado nos quatro cantos do mundo. Eu posso dizer que, realmente, aprendi meu of�cio ali. Refiz meus compromissos com a moda tamb�m. Ao sair do Brasil buscava por mais profissionaliza��o. Na Fran�a, encontrei colegas com forma��es s�lidas e capazes de trazer ferramentas estrat�gicas para o universo da moda. Ler comportamentos, ter coer�ncia em cada uma das escolhas, pensar de forma macro, ter sempre como norte a ess�ncia, aquele DNA que se adapta com o tempo - mas se mant�m fiel. � fundamental.
Em termos de gest�o, o que conta mais na moda atual?
A moda hoje � sustentada por suas extens�es de linha, como acess�rios e beleza. Eu desejava viver, com maior profundidade, as estrat�gias de gest�o de marcas, o branding, ent�o, estando naquele lugar, foi muito natural optar por uma marca de moda com cases relevantes de perfume. Escolhi a centen�ria Nina Ricci - uma das mais respeitadas da Fran�a. O perfume, no marketing, tem o papel de ser o cora��o da marca - tamanho � o alcance de suas a��es e rentabilidade. Assim, renovamos a imagem global da marca, a partir de alguns lan�amentos com narrativas de uma jovem e seu sonho parisiense. Foi o MBA dos MBAs, feito na pr�tica.
Como voc� enxerga o atual momento da moda mineira.
A moda mineira ainda est� longe de representar a sua verdadeira for�a. Mas n�o � e nem nunca foi por falta de talento - que sempre tivemos de sobra. Vejo o mercado geral embotado, apagado. Parece que nos desligamos de nossas voca��es, que s�o muitas. Sempre fomos um celeiro do manual (no sentido de artesanal), uma conflu�ncia de v�rias influ�ncias que fizeram com que nossos saberes ancestrais ou o savoir faire fossem um grande diferencial. O DNA das nossas marcas �, historicamente, muito aut�ntico, sempre refletiu a riqueza de nossa cultura. Quando eu cheguei na Fran�a tive essa clara percep��o sobre n�s.
O que falta para gerar riqueza com esse potencial fashion?
Percebi que tudo o que era ressaltado l� na Fran�a, t�nhamos em BH ou Minas Gerais. O made in, o selo de origem. Esse nosso saber ancestral que � a base de toda a valoriza��o de produtos, � tamb�m a base de tradi��es das marcas de luxo internacionais. A diferen�a � que l� eles entendem, d�o luz, criam regulamenta��es para mem�ria, preserva��o, capacita��o, boas pr�ticas sociais. Bordados, modelagem, costura, pinturas, receitas, o trabalho com as m�os. Por�m, ainda pegamos o avi�o para comprar tudo isso em outro pa�s que oferece essa mesma ess�ncia, s� que com sotaque diferente. Minas Gerais � uma j�ia cultural, BH a p�rola rara.
Poderia detalhar esse seu ponto-de-vista?
Por um longo momento ficamos individualizados demais, o que acabou esvaziando o mercado. Alguns grupos e associa��es retomaram esse papel do setor para criar sinergia, for�a e promover trocas. Precisamos entender que sem trocas, capacita��o e multiplica��o de t�cnicas vamos continuar a nos enfraquecer. Quanto mais informa��o circular, mais r�pido ser� nosso crescimento. As marcas internacionais se beneficiam da concorr�ncia. Quanto mais capaz, mais forma��o de m�o de obra, mais o consumidor final torna-se sens�vel ao produto de qualidade. Nesse exerc�cio, o olhar precisa buscar informa��es sobre o que est� acontecendo no seu entorno para se voltar para dentro. Ser orientado para a sua diferencia��o e posicionamento �nico. Conhecer o outro para entender quem ele �, qual o meu lugar ao sol. Encontrar, assim, espa�o no cora��o e mente de seu consumidor.
O que acha essencial para moda avan�ar?
A moda tem que ter alma, autenticidade, mem�ria - que � leg�tima e ancestral. Veja a �ltima semana de moda de Paris (em mar�o): todas as marcas revirando seus arquivos e buscando a ess�ncia que as impulsionou desde o come�o. Usando e valorizando o manufaturado – caso das bolsas tecidas de r�fia da Louis Vuitton ou o cen�rio nababesco da Dior, todo bordado em tecidos variados. O manual, o artesanal enaltecido como fio condutor entre o passado e o futuro. Observe o sucesso da vitrine da Farm, com uma instala��o de croch�, ou da Rinascente (em Mil�o). Com toda a revolu��o da Intelig�ncia Artificial, a �nica coisa que nos diferencia e nunca nos ser� tirado, � o fato de sermos humanos. Ali�s, a moda do futuro vai saber utilizar todos os recursos de dados e informa��es tecnol�gicas para se tornar mais criativa e, veja s� a dualidade, mais humana.
E o meio-ambiente e a moda consciente?
A moda atual exige a transpar�ncia, o respeito de quem fez nossas roupas. Respeitar os pilares do ESG, saber que enfrentamos uma crise clim�tica para a qual n�o existe Plano B. N�o podemos aceitar pagar um valor em um produto que chegou naquele valor porque algu�m deixou de receber o que deveria. � tamb�m estar consciente que o consumo � um ato muito s�rio. A compra de segunda m�o � uma op��o divertida e agrad�vel de garimpar sua identidade em meio a tantas op��es. � preciso fazer acontecer essa circularidade. A moda do futuro vai criar experi�ncias que continuar�o a nos inspirar e sonhar, sem os limites do f�sico ou do digital.
As redes sociais tornaram-se vitais para a moda. Com v� essa rela��o?
N�s somos seres sociais em redes sociais. Ent�o, � sobre relacionamento. Uma das estrat�gias b�sicas que posso ressaltar, al�m de uma marca coerente, � ter em mente as pessoas, o p�blico que quer atingir. Dentro da identidade de marca �nica, criar um storytelling (narrativa) que converse com os sonhos, desejos e desafios com sua comunidade digital. Para que ela se sinta identificada e consiga ter um di�logo. Um leque de temas que recria um universo compartilhado de estilo de vida em comum. Ter const�ncia, frequ�ncia e experimentar as v�rias possibilidades que as plataformas nos oferecem em formatos diversos.
E a quest�o dos conte�dos nas m�dias sociais?
Todo conte�do precisa ser pensado de forma estrat�gica e intencional como um desdobramento da marca, onde ela se posiciona dia ap�s dia. Nunca � somente sobre mais uma postagem nas redes sociais. Ele deve fazer parte de um objetivo maior, dentro de uma linha editorial com um objetivo claro sobre qual o papel dele, para quem ele est� se dirigindo, o que est� esperando alcan�ar, que solu��es pode propor. Nosso comportamento de consumo acelerou quase 10 anos durante a pandemia. A venda acontece naturalmente quando o valor, o conte�do � constru�do em bases verdadeiras.
Que solu��es voc� apontaria para um bom posicionamento fashion?
A import�ncia de formar, explicar, educar, transmitir informa��es para o cliente poder sair da miopia das urg�ncias do dia a dia e se entender como uma marca aut�ntica, potente, com prop�sitos reais, ao mesmo tempo que vai aplicando as ferramentas. Ao final, deixar como rastro uma trilha de crescimento de entendimento do todo e resultados consistentes. Referenciais sobre mapeamentos de mercado, identidades conceituais e visuais ou desenvolvimentos de produtos que continuem a contar a hist�ria da marca, estrat�gias de comunica��o e mercadol�gicas que reafirmem o dia a dia e at� o momento final – que � o posicionamento sonhado l� no in�cio.
O que mudou no branding fashion ap�s a pandemia?
Ap�s a pandemia, entendi que o branding precisava existir a partir de outras bases. Consegui criar meu m�todo exclusivo, que pode ser aplicado de forma virtual ou presencial, em um curto per�odo de tempo, sem abrir m�o da escuta ativa, da participa��o do cliente em todos os processos. Mas, principalmente, que ele se identifique no resultado final. Os produtos e servi�os precisam ser a tangibiliza��o dos sonhos e dos ideais de seus idealizadores. Isso os faz pulsantes e gerarem conex�es verdadeiras com seu p�blico final que, por sua vez, tamb�m se identifica com aquela mensagem. Marcas que sejam cada vez mais verdadeiras, engajadas, humanas, conscientes e inspiradoras.
Como descreveria o antes e depois da sua viv�ncia internacional?
Antes de ir para a Fran�a, trabalhei em algumas marcas de moda importantes de BH. Foi uma rica experi�ncia profissional e mesmo afetiva. Ap�s os estudos e as vivencias internacionais, senti que deveria repassar o que aprendi para outros – principalmente aqui, em Minas. Crescemos mais quando somamos e agimos em equipe. Foi a� que reconectei com o amigo Rodrigo Cez�rio e percebemos que nossos prop�sitos para trazer desenvolvimento de neg�cios sustent�veis - ele com a Cezario ESG e eu com a Leb� MKT Studio. Ajudo as empresas com o branding, marketing e comunica��o digital. Consegui adaptar os processos, as ferramentas internacionais para nossa desafiadora realidade brasileira. Tamb�m com o Rodrigo, criamos uma consultoria de desenvolvimento de projetos culturais, pensados de forma estrat�gica. Paralelamente, ocupo a cadeira de Moda no COMUC - Conselho Municipal de Pol�ticas Culturais - da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte.