
Eles amavam os Beatles e os Rolling Stones, usavam cabelos longos e encaracolados, bolsa a tiracolo e sand�lias de couro cru. Elas tamb�m – e mais: adoravam o som dos baianos Gil e Caetano, vestiam saias coloridas at� o p�, batas brancas e arco de flores na cabe�a. Em 1969, quando se anunciava a Era de Aquarius e, no Brasil, a ditadura militar mandava e desmandava, um grupo de jovens sonhadores mostrava a sua arte, de forma espont�nea, na Pra�a da Liberdade, em Belo Horizonte. Sem saber, artistas pl�sticos, estudantes, professores e artes�os de fino trato davam in�cio a um grande neg�cio que, h� 20 anos, se transferiu para a Avenida Afonso Pena, na Regi�o Central, e atrai hoje um p�blico de cerca de 80 mil pessoas e movimenta R$ 5 milh�es em vendas a cada domingo.
No in�cio, os moradores gostaram do que viram e se apropriaram do nobre espa�o da capital, ouvindo uma trilha sonora formada por flautas e viol�es, bem ao estilo paz e amor. Na verdade, muito amor pela arte. Uma das pioneiras � a artista pl�stica Yara Tupynamb�, que exp�s os seus trabalhos durante seis anos: “N�o havia uma preocupa��o com a venda, mas sim em se criar um ambiente cultural na cidade. Eram encontros �timos, tomava-se uma cervejinha… Passaram por l� grandes nomes, como �lvaro Apocalypse, Petr�nio Bax, Maria Helena Andr�s, Chanina, Wilde Lacerda, Ildeu Moreira e outros”, diz Yara. O gosto pela atividade era tanto, conta a artista, que ela chegava ao ponto de levar uma prensa e imprimir gravuras, as quais eram distribu�das para o povo.
O clima de informalidade seguiu at� 1971, quando o governador Israel Pinheiro (1896-1973) demonstrou interesse pela feira instalada diante do Pal�cio da Liberdade e decidiu visit�-la e conhecer os pintores e expositores. Depois desse encontro, o governador teve a ideia de transformar em permanente o evento espor�dico e, dois anos depois, a chamada Feira Hippie foi oficializada por decreto municipal. A Prefeitura de BH assumiu a organiza��o, para fomentar o turismo, e o evento se tornou semanal. “No momento em que come�ou a haver interfer�ncia pol�tica, tudo mudou. Houve apadrinhamento, entrada de pe�as de croch� e tric�, desvirtuando a proposta original”, lamenta Yara, fazendo quest�o de citar nomes importantes na cria��o da feira e convoca��o de artistas, entre eles Sara �vila, Dilermando Correia Filho, Saulo de Oliveira, Mari’stella Trist�o e Clementino Dotti
O tempo passou e novos artistas foram se incorporando ao espa�o onde pontificam as palmeiras imperiais. E, no rastro, vieram tamb�m os hippies, que acabaram batizando a �rea e agregavam, com seu jeito de liberdade e modos alternativos, um valor diferenciado aos objetos. Grande parte das pe�as estava simbolicamente ligada � contesta��o dos valores e estilos tradicionais de vida e padr�es da ind�stria.
Prazerosa
“A feira na pra�a era mais prazerosa, tinha um clima diferente da avenida, que � mais comercial e com caracter�stica de neg�cios”, diz o coordenador da Associa��o dos Expositores da Feira de Arte, Artesanato e Variedades da Avenida Afonso Pena (Asseap), Alan Vin�cius, de 42, que exp�s na Liberdade de 1986 a 1981. “Naquela �poca, eu fazia cortinas de bambu e vendia cada uma por R$ 500. Dava para passar o m�s inteiro, era uma verdadeira curti��o. Os tempos eram outros, n�o havia tanta preocupa��o com o dinheiro. Hoje, a mesma cortina custa R$ 80”, compara.
Durante os tempos em que funcionou na pra�a, a Feira Hippie funcionava nas manh�s de domingos e nas tardes e noites de quinta-feira. Al�m do artesanato, a feira trazia como novidade as barraquinhas de alimenta��o, que ficavam concentradas em frente � antiga Secretaria de Educa��o. Churros, milho verde, cuscuz, acaraj� e outros petiscos embalavam as novas gera��es, que, t�o logo o movimento se encerrava na pra�a, buscava “abrigo” nos bares das imedia��es e Savassi. Muita gente se lembra da gordura que escorria das “cozinhas improvisadas” e lambrecava os canteiros.
A grande concentra��o de p�blico acabou provocando danos ao mobili�rio, esculturas e vegeta��o da Pra�a da Liberdade, que � tombada pelo Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha/MG). E assim, para tristeza de uns e alegria de outros, come�ou, em 1991, o projeto de restaura��o do espa�o, sendo a Afonso Pena escolhida como novo endere�o dos expositores. Segundo a Asseap, h� atualmente, no espa�o entre as ruas da Bahia e Guajajaras, 2.336 barracas, divididas nos setores de crian�a, vestu�rio adulto e infantil, m�veis, tape�aria, utens�lios dom�sticos, cestaria, bijuteira, artes pl�sticas, cal�ados/bolsa, cama, mesa e banho. Na base dessa estrutura, h� 3 mil n�cleos de produ��o familiar e gera��o de 11 mil empregos diretos.
Linha do tempo
1969 –A feira come�a a funcionar na Pra�a da Liberdade, de forma espont�nea, com artistas pl�sticos e artes�os
1971 –Conhecida como feira hippie, ela � oficializada por decreto municipal
1973 – Prefeitura de BH assume a organiza��o da feira
1991 – Com a restaura��o da Pra�a da Liberdade, a feira � transferida para a Avenida Afonso Pena
1993 –S�o adotadas barracas coloridas para demarcar os diversos setores da feira
2006 – Criada a Associa��o dos Expositores da Feira de Arte, Artesanato e Variedades da Avenida Afonso Pena (Asseap)
2009 – Tentativa do poder p�blico de levar a feira para o Bairro Barro Preto, com novo leiaute, mas n�o vinga
2011 – Em janeiro, prefeitura faz licita��o para sele��o de expositores e Asseap consegue barrar na Justi�a
Patrim�nio Imaterial
Com 42 anos de hist�ria, a feira de artesanato da Avenida Afonso Pena � uma das maiores atra��es tur�sticas de Belo Horizonte. Por isso, os expositores procuraram a C�mara Municipal e pediram aos vereadores que defendessem a ideia de o evento se tornar patrim�nio imaterial da cidade. Pedido feito, pedido aceito, e na quarta-feira a solicita��o para abertura do processo ser� avaliada pelo Conselho Deliberativo do Patrim�nio Cultural de BH. At� entrar para o livro de registro e ter o reconhecimento, ainda � um longo caminho. Mas essa distin��o n�o significa garantia para a perman�ncia da feira na avenida, como querem os expositores.