(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas �rf�os de pais vivos

Mobiliza��o nacional quer garantir indeniza��o do governo a filhos de hansenianos

Impedidos de conviver com familiares confinados em col�nias, eles sofreram viol�ncia f�sica, psicol�gica e social


22/10/2011 06:00 - atualizado 22/10/2011 08:19

 

Confinados em colônias, filhos de hansenianos sofreram violência física, psicológica e social
Confinados em col�nias, filhos de hansenianos sofreram viol�ncia f�sica, psicol�gica e social (foto: BETO MAGALH�ES/EM/D.A PRESS)

 

Separados dos pais desde o nascimento, como forma de evitar o cont�gio, os filhos de portadores de hansen�ase carregam sequelas na alma, mais dif�ceis de curar que as do corpo. Calcula-se que mais de 40 mil beb�s e crian�as cresceram isolados em 101 orfanatos e educand�rios no Brasil, enquanto seus pais eram separados em col�nias. Tornaram-se “�rf�os” de pais vivos por imposi��o do Estado. Meu maior sonho era poder tocar na m�o da minha m�e”, diz Maria das Dores Moreira, de 53 anos, a Dad�, ex-interna da Pupileira Hernane Agr�cola, no Bairro do Horto, na Regi�o Leste de BH. Eram permitidas visitas das m�es, desde que fosse mantida dist�ncia m�nima de 100 metros, separadas por cerca de arame farpado.

Agora, para minimizar o impacto da viol�ncia f�sica, psicol�gica e social sofrida por v�rias gera��es, o Movimento de Reintegra��o das Pessoas Atingidas pela Hansen�ase (Morhan) est� fazendo mobiliza��o nacional para que os filhos separados sejam indenizados, a exemplo do que j� ocorre com ex-internos. Inspirado na iniciativa das Av�s da Pra�a de Maio, na Argentina, o Morhan pretende ajudar os ‘filhos separados’ a reencontrarem seus pais, por meio de parceria com o Instituto Nacional de Gen�tica M�dica Populacional (Inagemp), para mapear o hist�rico dos familiares e submet�-los a exames de DNA. Em Minas, o a entidade est� promovendo debates e audi�ncias p�blicas com apoio de parlamentares. Na quarta-feira, ser� realizada audi�ncia p�blica na C�mara Municipal de Betim, para discutir o assunto.

'Cheguei aqui com um dia de vida. Disseram que minha mãe havia falecido durante o meu parto e que 15 dias depois meu pai também teria morrido'- Tereza Miguel Caetano (D), que descobriu depois de 35 anos que era irmã de sua amiga inseparável, Maria de Fátima Oliveira (E)
"Cheguei aqui com um dia de vida. Disseram que minha m�e havia falecido durante o meu parto e que 15 dias depois meu pai tamb�m teria morrido"- Tereza Miguel Caetano (D), que descobriu depois de 35 anos que era irm� de sua amiga insepar�vel, Maria de F�tima Oliveira (E) (foto: BETO MAGALH�ES/EM/D.A PRESS)
A pol�tica de preven��o da hansen�ase foi baixada em 1921 por meio de portaria. Minas Gerais era o estado com o maior n�mero de col�nias de hansenianos, incluindo a Col�nia Santa Izabel, de Betim, a maior do pa�s. Passados 90 anos, at� agora os filhos e netos de portadores da doen�a evitaram contar suas hist�rias, que beiram ao desespero. Os depoimentos s�o comoventes. Sob o estigma da lepra, gera��es inteiras cresceram sem colo de m�e, la�os de fam�lia foram cortados e irm�os viveram como estranhos. � o caso de Tereza Miguel Caetano, de 39 anos, e de Maria de F�tima Oliveira, a Faf�, de 56 anos. Durante 35 anos, as duas dividiram o mesmo teto do educand�rio, sem saber que eram irm�s.

Apesar de sobrenome e idade diferentes, Tereza e Faf� sempre foram amigas insepar�veis dentro da institui��o. A mais nova cuidava da mais velha, que apresenta leve retardo mental. “Cheguei aqui com um dia de vida, ainda com o coto do cord�o umbilical. Disseram que minha m�e tinha falecido durante o meu parto e que, 15 dias depois, meu pai tamb�m teria morrido”, diz Tereza que, intimamente, nunca aceitou a vers�o contada pelas freiras. Queria ter uma fam�lia, conforme imaginou na reda��o com o tema “Minha fam�lia”, premiada como a melhor da sala na 4ª s�rie. H� quatro anos, Tereza decidiu tirar a prova. Pagou, do pr�prio bolso, o teste de DNA que comprovou a suspeita de que ela e Faf� eram irm�s por parte de pai.

Traumas

Nem mesmo os campos de concentra��o nazistas cometeram a crueldade de isolar as crian�as de suas origens. No Brasil, os filhos foram separados dos pais em creches e educand�rios at� 1986, apesar da descoberta da cura da lepra na d�cada de 1940. As interna��es continuaram por quase 50 anos, sem necessidade. “H� relatos de pessoas contando que, quando crian�as, rezavam todas as noites para contrair a doen�a. Para elas, essa seria a �nica forma de voltar para casa”, explica Thiago Flores, presidente em Minas do Movimento de Reintegra��o das Pessoas Atingidas pela Hansen�ase (Mohan) e estudante de psicologia da PUC Minas. Em trabalho final de curso, ele identifica traumas profundos nos filhos de ex-pacientes, como tra�os de depress�o, dificuldades de aprendizagem e fobia social.

“Minha �nica revolta � terem me separado do meu pai e da minha m�e. Queria ter ficado do lado deles, mesmo que estivessem doentes”, desabafa Ant�nio Marco de Souza Helino, de 38 anos, que atualmente trabalha como jardineiro e sacrist�o na igreja matriz da ex-col�nia de Tr�s Cora��es. “Eu sempre recebia a visita da madrinha Maria das Dores. Na inoc�ncia de crian�a, achava que ela era minha m�e. At� que um dia, l� pelos 13 anos, chegou um grupo de quatro senhoras para nos visitar. Eles colocaram as quatro juntas e perguntaram qual delas eu achava que seria a minha m�e. Apontei a Das Dores e s� ent�o fiquei sabendo que ela realmente n�o era minha m�e. Fiquei triste”, revela.

Toninho n�o culpa a m�e verdadeira por ter se dedicado mais a visitar os filhos que nasceram do outro lado da col�nia, frutos de outra rela��o. Criado no educand�rio Oleg�rio Maciel, em Varginha, sente mais m�goa por ter sido impedido de frequentar a escola normal, em fun��o do preconceito. Era tachado de “filho de leprosos, filho de dedinhos, filho de p� torto”. Hoje, dedica-se com todas as for�as a cuidar da pr�pria fam�lia – a mulher e a filha de 9 anos, estudante da 5ª s�rie. “O que n�o tive para mim quero dar a ela: carinho e uma boa faculdade”, diz. “No orfanato, nunca pude sentir o colo de minha m�e. Calor, era s� de pano”, lamenta.


Desespero, fuga e castigo

“No dia da visita, minha irm� conseguiu contrabandear o retrato da nossa m�e por baixo da cerca. Tenho a foto guardada at� hoje. S� assim lembro do rosto da minha m�e, Maria Piedade da Silva, Maria Piedade da Silva”, revela Dad�, repetindo diversas vezes “Maria Piedade da Silva”, como se fosse esquecer o nome da pr�pria m�e, a quem mal conheceu. Aos 5 anos, Dad� organizou uma fuga em massa da pupileira. Incitou um grupo de pequenos a pularem o muro e irem a p� at� a col�nia. N�o foram muito longe. “S� queria ir para casa”, diz. A tentativa lhe valeu uma surra e a inscri��o de “muito rebelde e agressiva” na ficha de registro da institui��o, � qual teve acesso meio s�culo depois, ao voltar ao orfanato onde passou parte da inf�ncia.

No quartinho dos fundos do orfanato, hoje transformado em creche municipal, est�o armazenadas caixas com milhares de fichas de ex-internos. Cada uma delas vai servir como prova na hora de reivindicar o pagamento de indeniza��o aos filhos separados pelo governo. Seus pais, ex-internos de hospitais-col�nia de hansenianos isolados compulsoriamente at� 1986, j� est�o recebendo pens�o federal vital�cia, no valor de R$ 884 mensais. “O Brasil tem uma d�vida para com essas pessoas. Muitas n�o conseguiram se reintegrar depois em sociedade e seguir vida normal”, alerta Artur Cust�dio, presidente nacional do Mohan, que este ano lan�ou a bandeira dos filhos separados pelo isolamento compuls�rio.

Em nome do sofrimento de Ant�nia Barroso, moradora da Col�nia Santa Izabel, mais de 6 mil ex-internos de hospitais-col�nia submetidos ao isolamento compuls�rio j� receberam cerca de R$ 200 milh�es do INSS, desde a edi��o da Medida Provis�ria 373, de 2007. Aos 77 anos, Ant�nia Barroso � a personagem da hist�ria da “mo�a que estava gr�vida e a pol�cia sanit�ria a tirou de casa e a levou para o lepros�rio. O marido se suicidou, e a filha, quando nasceu, foi retirada dela imediatamente e colocada num dispens�rio, orfanato cont�guo ao sanat�rio. As m�es s� podiam ver os filhos pelos vidros, sem ter contato. A filha desapareceu, e ela s� a reencontrou 35 anos depois”. Por meio desse relato, o secret�rio da Presid�ncia da Rep�blica de Lula, Gilberto Carvalho, ainda no cargo, convenceu o ex-presidente a receber uma comitiva de 150 hansenianos, que chegou de surpresa a Bras�lia, sem marcar hor�rio na agenda.

Tocado por depoimentos como os de Ant�nia, Lula deu prazo de 20 dias para que sua equipe preparasse medida provis�ria em benef�cio dos ex-internos das col�nias de hansenianos. Em 40 dias, os primeiros ex-pacientes passavam a receber a pens�o federal. “Tirei retrato com o Lula. Ele me abra�ou tr�s vezes”, confessa Ant�nia, que se internou em 1960 e, em 1962, j� estava curada da doen�a, restando apenas dois dedos atrofiados na m�o direita, al�m do semblante cansado. “Sofri tanto que at� esqueci”, conclui.


Doen�a tem cura h� 70 anos
Considerada a mais antiga doen�a da humanidade, a hansen�ase � caracterizada pela presen�a de feridas no corpo do enfermo, que podem provocar deformidades f�sicas na fase aguda. � transmitida pela respira��o, por meio de contato �ntimo e prolongado com o portador do bacilo de Hansen. A doen�a tem cura desde 1940. No Brasil, o tratamento da poliiquimioterapia (PQT) � simples e oferecido gratuitamente nos postos de sa�de. A doen�a j� deixa de ser transmitida na primeira dose do medicamento, que mata 90% dos bacilos, mas o tratamento n�o pode ser interrompido. Dura, em m�dia, seis meses.
 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)