
Grades, muralhas e port�es que privam os condenados da liberdade tamb�m guardam, a sete chaves, parte importante da hist�ria de Minas. A primeira penitenci�ria do estado, a Jos� Maria Alkmim, completa 75 anos de funcionamento em 2012 com uma cole��o de fatos e epis�dios que v�o muito al�m da sua trajet�ria carcer�ria. O pres�dio foi ber�o de personalidades de renome do pa�s, como o cartunista, jornalista e escritor Henrique de Souza Filho, o Henfil; e o jogador de futebol Wilson Piazza, craque em duas Copas do Mundo na d�cada de 1970. Com pavilh�es de arquitetura modernista inspirados em estabelecimentos penais da Inglaterra e da Fran�a, a penitenci�ria � protegida por tombamento municipal, aprovado pelo Conselho de Patrim�nio Hist�rico e Cultural de Ribeir�o das Neves.
Constru�da a partir de 1927, a mando do ent�o presidente da Rep�blica Washington Lu�s, a primeira penitenci�ria de Minas foi instalada na zona rural de Contagem, numa localidade conhecida como Fazenda das Neves, com 925 hectares. O isolamento da regi�o fez com que os oper�rios abrissem uma estrada de terra para acesso ao local e fossem obrigados a construir casas no entorno do pres�dio para viver com as fam�lias no per�odo das obras, que se arrastaram por 10 anos. Em 1937, a Lei 968 criou a Penitenci�ria Agr�cola de Neves, com quatro pavilh�es, 200 casas para funcion�rios e nada menos que 300 mil p�s de laranjas.
“O pres�dio s� foi inaugurado em 1938, porque o presidente Get�lio Vargas n�o tinha agenda para participar da cerim�nia antes disso. Muitos comentavam que, no discurso, Vargas falou da honra de criar a primeira penitenci�ria autossustent�vel do continente sul-americano e ela se manteve como um modelo para o sistema carcer�rio no Brasil por muitas d�cadas”, lembra o funcion�rio mais antigo da unidade, Salvador Thom� da Silva, de 76 anos. Trabalhador e morador da penitenci�ria desde 1959, ele fala com orgulho da �poca em que os presos cultivavam lavoura, criavam gado e eram oper�rios de f�bricas de cal�ados, uniformes, brinquedos e tijolos – tudo instalado dentro dos muros da pris�o.
A voca��o agr�cola e industrial fez da Jos� Maria Alkmin uma penitenci�ria pioneira no Brasil no incentivo ao trabalho para recupera��o de detentos. A grande produtividade dos velhos tempos, quando o pres�dio chegou a manter uma loja em Belo Horizonte para comercializar frutos do servi�o dos presos, ficou no passado. Mas hoje a unidade ainda faz quest�o de manter tra�os da �poca: cerca de 80% dos 1.250 presos suam a camisa diariamente. Segundo o diretor-geral Igor Tavares, 890 deles v�o para as ruas trabalhar em parceria com a iniciativa privada e 80 prestam servi�o dentro do pres�dio na manuten��o da unidade ou em atividades agr�rias.
“Mantemos a voca��o para o trabalho e incentivamos a profissionaliza��o dos presos. Os que cumprem pena em regime mais flex�vel v�o para a rua diariamente, sem vigil�ncia direta, atuar na constru��o civil e em obras importantes, como a reforma do Mineir�o. Dentro da unidade, outra turma cultiva horta, tira leite, faz a limpeza e manuten��o dos pavilh�es e trabalha em f�bricas instaladas dentro do pres�dio. Temos empresas de beneficiamento de alho, de fabrica��o de tijolos e blocos de cimento e todo o p�o consumido na Secretaria de Estado de Defesa Social � feito pelos detentos. Al�m disso, 315 deles estudam, sendo que quatro fazem faculdade a dist�ncia”, explica Igor Tavares.
Familiar
Se nos pavilh�es o clima � tenso, com a vigil�ncia constante de agentes armados e c�es farejadores, a poucos dos muros impera uma atmosfera familiar. A penitenci�ria � cercada por 64 casas – todas da �poca da constru��o –, onde ainda vivem funcion�rios da unidade. Numa delas, a de n�mero 21, nasceu Henfil, em 5 de fevereiro de 1944. Na �poca, o pai do cartunista, Henrique de Souza, trabalhava como chefe do almoxarifado da penitenci�ria, a convite do diretor da unidade, o pol�tico Jos� Maria Alkmin, primo de segundo grau da fam�lia. Na moradia de telhado alto na Vila Esplanada, cercada por palmeiras-imperiais e um exuberante gramado, os Souza viveram at� 1945, quando se transferiram para a capital.
Atual morador da casa de Henfil, Rizzini Edson Peixoto, de 60, conta hist�rias da fam�lia Souza. “Vi fotos deles na casa e soube que aqui nasceram dois filhos – Henfil e Maria da Gl�ria. Tenho orgulho de ajudar a cuidar deste patrim�nio”, diz Rizzini, que se aposentou como coordenador do servi�o jur�dico da penitenci�ria. Em outra casa do pres�dio, a de n�mero 46 da Vila Cacique, nasceu o jogador de futebol Piazza. Tamb�m filho de um funcion�rio do pres�dio, o craque viveu ali parte da inf�ncia at� despontar nos gramados como craque do Cruzeiro e da Sele��o Brasileira, tendo ajudado na conquista do tricampeonato na Copa do Mundo do M�xico, em 1970.
Almo�o para JK
Trecho do livro O rebelde do tra�o – A vida de Henfil, de D�nis de Moraes: “Dos oito filhos de dona Maria e seu Henrique, os quatro primeiros nasceram em Bocai�va e dois – Maria da Gl�ria e Henrique – em Neves. Vista de longe, a penitenci�ria parecia um colossal castelo, fincado em meio a laranjais. Os Souza ocupavam uma casa de telhado alto na vila n�mero 21. Os pr�prios detentos cuidavam de planta��es e hortas, inclusive a plantada nos fundos da resid�ncia do almoxarife. (…) Um domingo por m�s, Alkmin reunia caciques pol�ticos para almo�os preparados pela prima Maria. Um dos que se deliciaram com o seu frango ao molho pardo foi Juscelino Kubitschek, ent�o prefeito de Belo Horizonte. Henfil veio ao mundo em 5 de fevereiro de 1944.”
Linha do Tempo
1927: In�cio da constru��o da primeira penitenci�ria de Minas, na antiga Fazenda das Neves, num terreno pertencente ao munic�pio de Contagem
1937: A unidade foi oficialmente criada pela Lei 968. Antes mesmo da inaugura��o da Penitenci�ria Agr�cola de Neves, chegam os primeiros detentos
1938: Penitenci�ria � inaugurada pelo ent�o presidente Get�lio Vargas, em 18 de julho
1943: Em 25 de fevereiro, nasce Wilson da Silva Piazza, na casa de n�mero 46. O pai do jogador era funcion�rio da unidade e a fam�lia vivia numa das resid�ncias da Vila Cacique
1944: Em 5 de fevereiro, nasce Henrique de Souza Filho, o Henfil, na casa de n�mero 21. O pai de Henfil era chefe do almoxarifado da unidade na �poca e a fam�lia morava numa das casas da Vila Esplanada
1948: Primeira rebeli�o na penitenci�ria. Funcion�rios foram feitos ref�ns por cinco dias
1998: Rebeli�o mais violenta da hist�ria da penitenci�ria. O movimento durou uma semana e o corpo de um dos detentos mortos foi pendurado no mastro, na entrada do pr�dio. Em 2001, ocorre a �ltima rebeli�o
2007: O Conselho de Patrim�nio Hist�rico e Cultural de Ribeir�o das Neves aprova o tombamento municipal da penitenci�ria