
Recordar. Eis a� um passatempo que traz alegria a Dora Alves. Ela est� prestes a completar 45 anos de dedica��o ao pr�ximo e s�o muitos os casos de sucesso no direcionamento da vida de jovens de Belo Horizonte. Quando relembra todos aqueles que levou para dentro de sua casa, muitos ex-moradores de rua, o sorriso brota f�cil no rosto de Dora, que persegue o lema de tentar ser sempre uma pessoa melhor do que no dia anterior.
O Projeto Meninas de Dora, criado por ela no Bairro S�o Geraldo, Regi�o Leste da cidade, busca encaminhar profissionalmente os alunos no ramo da beleza, em especial nos cortes e tratamentos capilares. E come�ou meio sem querer, a partir dos exemplos dentro de casa. “Meu pai era padeiro e infelizmente morreu muito cedo, com 34 anos. Eu tinha apenas 8 anos. Mas tenho muito forte na lembran�a ele encaminhando os p�es dormidos para doa��o no Bairro 1º de Maio. Quando ele morreu, minha m�e sentiu muito e adoeceu. O Michel, que era dono da padaria, viu a situa��o e continuou pagando o sal�rio que meu pai recebia para minha m�e at� ela se reestabelecer. Tudo isso certamente me marcou muito”, revela.
Sem o pai e com a m�e doente, Dora teve de assumir muitas responsabilidades dentro de casa. E, ainda na inf�ncia, ajudar no sustento. Com parentes, ela aprendeu os primeiros truques para tratar os cabelos afros, nunca se importando em repassar os conhecimentos. Ela cresceu e seus conhecimentos se ampliaram, bem como a procura de alunos. Sem contar aqueles que recrutava nas ruas.
Dora nunca se importou em fazer propaganda do trabalho que faz, e j� perdeu as contas de quantas pessoas ajudou. Mas o reconhecimento veio. S�o in�meros pr�mios, como Valores Femininos, Bom Exemplo e Cidad� do Mundo. “Fa�o o que posso. Mas nunca tive uma estrutura, organiza��o. Minha vida e conta pessoal sempre se misturou com a do sal�o e do projeto. Isso me trouxe muitas dificuldades recentemente, com quest�es burocr�ticas. O dinheiro que ganhava no sal�o bancava o aprendizado de quem me procurava. Aqui tamb�m dei o primeiro emprego para v�rios deles. Felizmente, hoje muitos j� s�o donos do pr�prio neg�cio”, comemora.
Busca de apoio
O que falta vir � apoio e patroc�nio. “Como n�o tinha separa��o entre vida, profiss�o e voluntariado, era dif�cil receber verbas. Agora, estamos com tudo em ordem e precisando de ajuda. Sempre tirei do pr�prio bolso, mas minha m�e foi diagnosticada com Alzheimer e tenho passado dificuldades financeiras. J� estou com uma d�vida de R$ 6 mil”, lamenta.
Apesar de toda a dificuldade, Dora ainda encontra tempo para oficinas em escolas p�blicas, faculdades, vilas e at� no Complexo Penitenci�rio Feminino Est�v�o Pinto. “As pessoas em pior condi��o financeira, principalmente as negras, precisam ter sua autoestima estimulada. Elas encontram muitos ‘assassinos de sonhos’, aquelas pessoas que s� sabem coloc�-las para baixo. “Nas escolas, por exemplo, maquiamos as meninas e promovemos um desfile afro. Elas s�o aplaudidas e se sentem superbem. Na penitenci�ria, fizemos a Rebeli�o do amor. Ensinamos a profiss�o �s detentas que depois cortam o cabelo das agentes. O �ndice de problemas com as presas caiu muito”, garante Dora, que tamb�m ensina penteados �tnicos como tran�as africanas, jamaicanas, alongamentos e dreads.
Luciana Martir, ex-interna da extinta Febem, viveu nas ruas at� ser beneficiada pelo projeto Meninas de de Dora. “Dora me ensinou a profiss�o de cabeleireira e me ajudou a enxergar a vida de outra maneira. Hoje estou saud�vel, feliz, cuidando dos meus filhos que est�o sendo bem encaminhados na vida. Gra�as a Deus e ao projeto, com meu trabalho n�o lhes falta nada”, comemora. “Luciana passou de v�tima da sociedade a protagonista das pr�prias transforma��es. N�o perdi o contato com ela. Sei que ela est� liderando um grupo de dan�a folcl�rica com mais de 40 jovens em sua comunidade.”
Reconhecimento
O trabalho de Dora j� virou livro e chegou aos Estados Unidos. A obra Cabelo, corpo e identidade negra foi resultado do trabalho de doutorado na USP da professora Nilma Lino Gomes. E tamb�m despertou a curiosidade do professor Henry Lewis Gates, da Universidade de Harvard, que pesquisou pol�ticas de inclus�o racial.
Para Dora, a profissionaliza��o � importante, mas ela v� como um caminho que encontrou para dar aten��o aos alunos. “Muitos apenas precisam ser ouvidos, estimulados, encorajados. Trabalhamos o interior para ver os reflexos no exterior. Da�, mostro que podemos alcan�ar muitos sonhos. Basta acreditar. Conto que tinha o sonho de trabalhar com filmes e todos diziam que jamais conseguiria. Depois mostro que trabalhei com visagismo para cinema e teatro, como nos filmes R�dio favela, Vinhos de rosa e Batismo de sangue. E eles veem que realmente as coisas podem acontecer. Meu maior pr�mio � ver o sucesso dos jovens, que trocam o AR15 pelo pincel e pente”, diz.
Ursula Nielsen, de 35 anos, � amiga de Dora h� 12 anos. “Nos conhecemos no hospital. Eu trabalhava l� e tinha perdido todo o cabelo numa tentativa de tratamento. Dora foi fazer uma consulta e conversamos. A� surgiu o convite de vir ao sal�o e me integrar ao projeto. Desde ent�o, ajudo como posso. S� que, agora, estou sendo ajudada. Tenho um restaurante, mas quero passar a atuar tamb�m no ramo da beleza. E estou aprendendo muito dentro do projeto. Estou muito esperan�osa, pois a �rea s� faz crescer”, avalia. “Al�m do conhecimento, uma grande oportunidade no projeto � conhecer diferentes realidades. Vemos de tudo e aprendemos a dar maior valor � vida.”
Parcerias com Sesc, Senac, Coordenadoria Especial de Pol�ticas P�blicas para Mulheres (Cepam) e Vicariato Agostiniano Nossa Senhora da Consola��o do Brasil ajudam o projeto, que no ano passado capacitou 120 pessoas. “A primeira vez que recebi uma ajuda instituicional foi em 2010, do Vicariato. Falo isso porque, com os pr�mios e m�dia que as Meninas de Dora recebem, as pessoas tendem a imaginar que somos uma institui��o em boa situa��o financeira. E estamos longe disso”, lamenta.
Para fazer caixa, Dora passou a vender ingressos para a pe�a Piet�, dirigida por �nio Reis. Em cartaz no Teatro Clube dos Oficiais, a encena��o aborda a hist�ria de Nossa Senhora diante da vida, paix�o e morte de Jesus. Os ingressos custam R$ 12 e 30% desse valor ficam para o projeto. “� a arte como instrumento para a mobiliza��o de recursos sociais”, defende �nio.
Contribui��es para o projeto Banco Ita�
Ag�ncia: 0573
Conta corrente: 49366-5