
“Afinal apareceu uma coisa diferente no Brasil, coisa que de certo modo quebra a monotonia cotidiana.” Foi assim que Carlos Drummond de Andrade abriu sua cr�nica publicada no Estado de Minas, em 7 de abril de 1967, tratando da Guerrilha do Capara�, primeiro movimento armado de oposi��o ao regime militar instaurado com o golpe de 31 de mar�o de 1964. Um dia antes, os �ltimos integrantes do grupo que tentou implantar nas montanhas de Minas um modelo de resist�ncia nos moldes da guerrilha de Sierra Maestra, em Cuba, haviam sido presos pela Pol�cia Militar do estado com pouca resist�ncia. Entre o final de 1966 e data de sua pris�o, os insurgentes tentaram despertar o pa�s para uma atitude que se tornava cada vez mais r�gida da c�pula militar. N�o conseguiram de imediato. Mas, com o tempo, a mobiliza��o dos cerca de 20 homens que subiram a Serra do Capara�, na Zona da Mata mineira, se tornou conhecida.
A gesta��o da primeira a��o armada contra a ditadura come�ou nos pr�prios quart�is, logo nas semanas seguintes ao golpe, quando cerca de 1 mil militares, acusados de subvers�o, foram expulsos do Ex�rcito, Marinha e Aeron�utica. Muitos deles haviam apoiado a posse de Jo�o Goulart, vice-presidente de J�nio Quadros, em 1961, depois que o presidente renunciou, o que gerou insatisfa��o de alguns setores das For�as Armadas. Depois de 1964, as diverg�ncias internas seriam punidas com expuls�es e pris�es. Foram esses sargentos e marinheiros que perderam seus empregos e sofreram com a linha-dura dos novos l�deres do Brasil os primeiros a se organizar para denunciar o autoritarismo do regime.

Sem apoio
A partir do segundo semestre de 1966, guerrilheiros foram chegando de v�rios estados, em pequenos grupos ou individualmente, cada um levando o armamento poss�vel. A primeira tarefa era fazer reconhecimento da regi�o, tran�ando os melhores pontos para montar guardas, e fazendo contato com moradores da regi�o, na tentativa de ganhar apoio para a causa. No entanto, ao contr�rio do plano tra�ado, a participa��o da popula��o da regi�o n�o ocorreu e a movimenta��o dos guerrilheiros acabou gerando curiosidade e desconfian�a sobre o que se passava por ali.
O dinheiro que vinha de Cuba parou de chegar e a dificuldade de levar a a��o adiante ficou cada vez mais clara para o grupo, que enfrentava tamb�m a presen�a de ratos nos dep�sitos de comida. Os alimentos ficavam contaminados e as doen�as come�aram a se espalhar entre os guerrilheiros. Aos poucos a resist�ncia seria minada, com alguns homens desistindo da luta e outros sem condi��es f�sicas de manter seus postos. As pris�es come�aram em mar�o, quando dois insurgentes foram presos na tentativa de embarcar em um trem em Espera Feliz, nos sop� do Capara�. Cercada pela Pol�cia Militar de Minas, que j� acompanhava a movimenta��o do grupo, a dupla foi presa e entregue ao Ex�rcito (4ª Regi�o Militar), em Juiz de Fora.
No final de mar�o, as for�as de seguran�a j� tinham identificado o acampamento da guerrilha e poucos remanescentes tentaram reagir – houve at� troca da tiros com a pol�cia –, mas sem representar grande resist�ncia. Alguns que conseguiram fugir da serra – em n�mero n�o confirmado pelos registros oficiais – foram presos �s margens da BR-116 e tamb�m levados para o pres�dio de Linhares, em Juiz de Fora.
O contragolpe do regime militar contou com um grande efetivo. Nos dias seguintes, mais de 3 mil homens foram enviados � regi�o � procura de guerrilheiros que poderiam ter ficado no Capara�. Helic�pteros fizeram bombardeios e dezenas de civis, principalmente na regi�o de Manhumirim, nos arrabaldes da serra, tamb�m foram detidos, acusados de ter colaborado com os “bandoleiros ladr�es de gado”. O primeiro ato contra o regime militar acabou antes mesmo de ter sido colocado em pr�tica efetivamente, mas a mensagem de insatisfa��o contra a ditadura serviu de exemplo para grupos que passaram a surgir no final da d�cada de 1960, e at� o retorno da democracia deixaram claro que o autoritarismo dos quart�is n�o passaria em branco.
Constatando o fracasso do levante – “vencido pelos ratos, antes do combate com as tropas” –, o escritor mineiro n�o deixa de valorizar a tentativa: “Aqueles camaradas magros, barbudos, enfraquecidos, que desciam da montanha e se esgueiravam entre sombras, intrigavam os moradores das margens do Manhua�u. At� a pol�cia acorda nessas ocasi�es. E pol�cia acordando, o Ex�rcito vai ver o que � que h�. Foi. Os guerrilheiros presos, e a Serra do Capara�, ao que tudo indica, n�o ser� mais agora-outrora uma vers�o mineira de Sierra Maestra. Mas aconteceu. Esse nome de guerrilheiros soa a nossos ouvidos com um timbre de her�i moderno, que �s vezes tem sorte, e muitas outras entra pelo cano. Mas, sem d�vida impressiona mais do que o guerreiro, t�o velho e gasto este �ltimo que at� o Minist�rio da Guerra mudou de nome, pela reforma administrativa”, finaliza Drummond.
