Gustavo Werneck

O que os olhos n�o veem, o patrim�nio de Minas sente. E se degrada, perde as cores originais, ganha col�nias de cupins e se torna alvo f�cil do tempo. Guardadas – ou esquecidas – durante anos em sacristias, igrejas e at� pr�dios desativados, muitas imagens, pinturas e outras pe�as sacras esperam que algu�m as resgate do abandono, providencie o restauro e lhes d� um lugar de destaque nos templos barrocos. Em Paracatu, no Noroeste de Minas, obra na Igreja de Nossa Senhora do Ros�rio, constru�da em meados do s�culo 18 e tombada pelo Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), faz uma surpresa. Dois querubins de madeira, apreendidos em S�o Paulo h� exatos 10 anos pela Pol�cia Federal, foram encontrados na casa paroquial, sem que despertassem maior aten��o nesse per�odo. Agora, os objetos de madeira servir�o de modelo para mais dois anjos e todos estar�o no altar. H� 20 anos, foram roubados quatro querubins, mas s� dois recuperados.
“Felizmente, as pe�as est�o bem conservadas, sem problemas”, conta o historiador, professor e pesquisador da hist�ria de Paracatu Lavoisier Albernaz destacando que o altar estava em p�ssimas condi��es e n�o valia � pena que as esculturas retornassem. Com o in�cio do atual projeto de reforma, Lavoisier se lembrou dos anjos guardados num arm�rio da casa paroquial e informou imediatamente ao restaurador respons�vel pelo servi�o, Adriano Ramos, da empresa Oficina de Restauro, de Belo Horizonte. “S� o antigo bispo e eu sab�amos disso, mas ele foi para outra cidade e os anjos acabaram esquecidos. Mas guardei fotos e tenho muitas informa��es sobre os objetos. Estamos satisfeitos, pois h� muitas descobertas na Igreja de Nossa Senhora do Ros�rio, datada de 1744. Se Deus quiser, os quatro anjos v�o voltar”, afirma o historiador.
Mais satisfeitos com o achado est�o o p�roco, monsenhor Jo�o C�sar, e o integrante do conselho administrativo Jo�o Benedito. � que, para fazer as r�plicas dos dois querubins, a igreja ganhou a madeira suficiente (cedro). “Foi uma descoberta muito importante”, afirma o monsenhor. Atuando tamb�m na restaura��o dos elementos art�sticos da Matriz de Santo Ant�nio, Adriano Ramos chama a aten��o para os cuidados na hora de guardar os bens: “Muitas vezes, obras fr�geis s�o colocadas em lugares impr�prios, com excessivo grau de umidade e suportes infestados de cupins”.
SANTA LUZIA
Em Santa Luzia, na Grande BH, outra hist�ria vem � tona, desta vez sem a mesma sorte na conserva��o. No consist�rio (sala de reuni�es), no segundo andar do Santu�rio de Santa Luzia, no Centro Hist�rico, est� um quadro de Nosso Senhor dos Passos, do s�culo 19 e dono de uma trajet�ria peculiar. O marceneiro-restaurador Jos� Ant�nio Torres, conhecido como Mosquito, conta que, durante a grande obra de restauro da igreja, em 1987, o painel medindo 2,30 metros por 1,30 metro e de autoria desconhecida foi encontrado atr�s do altar de Nosso Senhor dos Passos. “Era imposs�vel saber da sua exist�ncia, talvez tenha ficado ali por um s�culo. Quando olh�vamos por detr�s, v�amos apenas a madeira nua sem a policromia”, explica. Ainda naquele ano, os restauradores identificaram, na base do altar, uma carretilha, que permitia que o quadro "corresse" por ali e fechasse, como se fosse uma porta, o ret�bulo durante as cerim�nias da semana santa.
Desde aqueles tempos, o quadro do Senhor dos Passos continua longe dos olhos dos fi�is e visitantes e sofreu com a degrada��o. “Trata-se de um quadro muito bonito, de qualidade. O artista pintou o resplendor em alto-relevo, dando um tom mais claro em volta da cabe�a de Cristo”, mostra Jos� Ant�nio. Ele aponta ainda marcas de pregos, perda de policromia e outros fatores de alto risco. “Mesmo que a pe�a n�o esteja no altar, � importante verificar sempre o seu estado. Na �poca da obra na igreja, a pe�a seria restaurada, mas faltaram recursos.”
Ao lado, o padre Danil Marcelo dos Santos, seis anos � frente da par�quia, adianta que busca patroc�nio para restaurar o painel de Nosso Senhor dos Passos. “J� conseguimos recuperar todas as imagens da igreja, com dinheiro do d�zimo e de barraquinhas. Se conseguirmos restaurar o quadro e houver autoriza��o do Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha/MG), respons�vel pelo tombamento da matriz, poderemos emoldur�-lo ou ent�o coloc�-lo, nas prociss�es da semana santa, em uma das capelinhas que representam os Passos da Paix�o de Cristo”, diz padre Danil.
Rel�quias trancadas
Dois exemplos recentes, ocorridos em Minas, mostram que pe�as costumam ficar guardadas ou esquecidas durante d�cadas, com resultados bem diferentes. O primeiro caso, documentado pelo Estado de Minas em 10 de julho, ocorreu em Berilo, no Vale do Jequitinhonha. Mais de 30 pe�as sacras foram encontradas num cofre localizado num antigo e desativado posto de sa�de no Centro da cidade.
A popula��o comemorou a descoberta do patrim�nio, que inclui imagens, casti�ais, lampad�rio, resplendores, coroas, objetos usados em festas do congado, um ex-voto e outros objetos de prata e madeira. O arm�rio ficou fechado durante 30 anos e o titular da par�quia de Nossa Senhora da Concei��o, padre Charleston Pereira Lima, comemorou a abertura do m�vel, atitude cobrada havia muito tempo pelos moradores
Segundo o vig�rio, as pe�as foram transportadas para um local fora da cidade a fim de garantir a seguran�a do acervo: “Muitas delas, principalmente as de madeira, est�o bem deterioradas, necessitando de restaura��o. Estamos providenciando uma forma de recuper�-las”. A abertura do arm�rio-cofre foi poss�vel gra�as a uma solicita��o do ex-promotor da comarca de Minas Novas Wagner Aparecido Rodrigues Dion�sio e posterior condu��o do procedimento pelo atual promotor Erick Anderson Caldeira Costa. A historiadora Paula Novais, da Coordenadoria das Promotorias de Justi�a de Defesa do Patrim�nio Cultural e Tur�stico de Minas Gerais (CPPC), esteve no local e elaborou um laudo sobre todo o material encontrado.
Em 31 de julho, outra surpresa, desta vez no Santu�rio Estadual de Nossa Senhora da Piedade, em Caet�, na Grande BH. Uma escultura de bronze do mineiro Alfredo Ceschiatti (1918-1989), guardada durante 30 anos, foi instalada no meio de uma rotat�ria rec�m-constru�da, perto do restaurante e do acesso � ermida do s�culo 18. A imagem de 1,70 m de altura mostra Nossa Senhora com o Cristo morto nos bra�os.
O arcebispo metropolitano dom Walmor Oliveira de Azevedo explicou que a escultura foi feita em 1983 a pedido de frei Ros�rio Jofylly (1913-2000), frade dominicano que ficou 51 anos � frente do santu�rio. Por ser moderna demais para a �poca, a pe�a ficou uns tempos na Igreja Nova das Romarias e depois foi guardada. Os visitantes gostam do que veem, tanto que a Piet� de Ceschiatti est� sempre cercada e, claro, todos documentam nos celulares e c�meras digitais.