
Foli�o que � foli�o tem na ponta da l�ngua a programa��o do dia. Afinal, � preciso conciliar o tempo para n�o perder a banda passar. Come�a cedo e vai at� tarde, pois o lema � aproveitar os quatro dias da festa at� o sol raiar. Tanta disposi��o vale n�o s� para a rua, como para os sal�es da cidade. Nos tempos �ureos do carnaval de Belo Horizonte, era preciso jogo de cintura para curtir os bailes dos clubes da capital. De manh� at� a noite, o som oficial era o das marchinhas. Dan�ar, cantar, paquerar e, quem sabe, at� encontrar o parceiro do altar. No meio da multid�o, valia tudo, exceto n�o se divertir. Obriga��es de uma �poca que era sin�nimo de glamour na sociedade belo-horizontina.
Os sal�es do Clube Liban�s, na Pampulha, serviram de palco para concursos de fantasia que mexeram com a criatividade de muita gente. Perto dali, duas festas rivalizavam: o baile dos marinheiros e a festa do Hawai. A primeira, uma das mais famosas da capital, era promovida pelo Iate Clube. O nome da folia, que come�ou no fim dos anos 1960 e teve sua �ltima edi��o no in�cio da d�cada de 1990, indicava o traje obrigat�rio. Entre confetes e serpentinas, o azul-marinho e os chap�us de um t�pico homem do mar predominavam, fazendo um enorme bloco de carnaval.
A segunda ocorria no Pampulha Iate Clube (PIC) e, este ano, volta � cena, fechando a ter�a-feira de carnaval.
Na Regi�o Centro-Sul, Olympico, na Serra, e Minas T�nis, no Lourdes, lotavam os gin�sios. Tradicional e imperd�vel era tamb�m a folia do Clube Belo Horizonte – atual Centro de Cultura de Belo Horizonte, na Rua da Bahia, esquina com Avenida Augusto de Lima. Nessa �poca, at� os cinemas se rendiam � folia de Momo e iam das matin�s no Cine Tupis (atual Shopping Cidade) ao baile noturno do Cine Brasil, na Pra�a Sete. A Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), na Avenida �lvares Cabral, quase esquina com Afonso Pena, tamb�m estava no calend�rio da festa.
Que o diga a aposentada Mar�lia Rabelo Guerra, de 69 anos. A vida de foli� come�ou aos 16 anos, em 1960. O primeiro baile foi o do Olympico, com fantasia de melindrosa, na companhia de parentes e amigas. O pessoal da Serra, como ela gosta de dizer, era bem animado e ainda contava com Mar�lia para comandar o bloco das meninas, que se vestiam tamb�m de �ndia e de cigana. A maratona era intensa e come�ava cedo. No domingo, �s 10h, a festa rolava na matin� do Cine Tupis. Depois do almo�o e do descanso merecido, o segundo tempo era no Clube Belo Horizonte, das 14h �s 16h, repetida na ter�a-feira. Na sexta-feira e no s�bado, �s 16h30, era hora de ir para o Olympico. Ainda dava tempo de aproveitar o baile da SME e, �s 21h, o do Cine Brasil.
Tempos depois, j� depois de casada, a festa no Minas T�nis passou a ser a oficial. “Minha tia nos levava, porque n�o pod�amos ir sozinhas. E os irm�os tamb�m iam com os amigos, formando um bloco deles, para nos vigiar e n�o nos deixar namorar. Mas namor�vamos assim mesmo”, recorda-se, com uma imensa gargalhada. “Algumas meninas se casaram com mocinhos que conheceram nos bailes. Minha irm� mesmo conheceu o marido dela num baile do Minas T�nis”, afirma. Na mem�ria, marchinhas at� hoje consagradas, como �ndio quer apito e Me d� um dinheiro a�, e o som da orquestra de T�lio Silva. “Quando chegava em casa, minha m�e preparava uma bacia de �gua com gelo para a gente p�r os p�s, tirar os calos e pular outra vez”, conta. No baile dos marinheiros, ela foi tr�s vezes, mas teve de esperar completar 18 anos para ter a entrada permitida. “Era muito animado e muito bom”, diz.
VAZIOS A gerente de lazer do Minas T�nis, Luzia Resende de Aquino, que trabalha h� 33 anos no clube, lembra que as matin�s e os bailes noturnos enchiam o antigo gin�sio da Rua da Bahia. Pelo menos 4 mil pessoas pulavam em cada um dos tr�s dias de festa. “Com o passar do tempo, sentimos que eles come�aram a ter menos gente e, h� 10 anos, decidimos mudar o formato”, afirma. As matin�s foram preservadas, mas os bailes para adultos deram lugar a festas com motivo carnavalesco antes mesmo dos dias oficiais da folia. A mesma decis�o foi tomada por outros clubes da capital. “Antes, n�o havia tantas op��es como hoje, em que as pessoas viajam para Ouro Preto, Rio de Janeiro e o Nordeste”, afirma.
Esvaziamento progressivo
Doutor em ci�ncias sociais e professor do Centro Universit�rio UNA e da PUC Minas, Marcelo Cedro explica que os carnavais come�aram junto com a hist�ria de Belo Horizonte, com uma festa de rua forte a partir da d�cada de 1910. Embora com n�mero limitado de pessoas, carros aleg�ricos sa�am da Pra�a Sete e subiam uma das principais ruas da cidade, a da Bahia, em dire��o � Pra�a da Liberdade. “A Rua da Bahia se destacava por abrigar v�rios clubes da elite da cidade, como o Clube Belo Horizonte, e cinemas que tamb�m eram caf�s e casas de espet�culo. Era trajet�ria obrigat�ria da elite e dos intelectuais”, conta.
E � justamente nesse territ�rio que ocorria o carnaval de rua, feito por quem morava na periferia da capital, fora dos limites da Avenida do Contorno. Marcelo Cedro ressalta que os bailes eram sin�nimo de requinte, principalmente at� a d�cada de 1960. E quando a capital ainda tinha o cassino, havia presen�a garantida de personalidades nas festas, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek.

Os carnavais de clube eram t�o fortes que superaram at� mesmo a Segunda Guerra Mundial. Em 1944, BH ficou sem carnaval, pois a popula��o resolveu concentrar esfor�os para a vit�ria. Desfiles foram cancelados e artigos carnavalescos n�o foram produzidos. �ter, alum�nio e papel n�o podiam ser desperdi�ados na rua, conforme mostrou reportagem do Di�rio da Tarde, em fevereiro daquele ano. Se na rua o carnaval foi silencioso, restou como alternativa clubes e sal�es, onde o carnaval foi “animado e bem organizado”.
O professor explica que o esvaziamento dos bailes tem in�cio ainda nas d�cadas de 1930 e 1940. Com o Estado Novo, o carnaval, que at� ent�o era popular e um pouco marginalizado, se oficializa como um dos ingredientes da identidade nacional. “Get�lio Vargas instituiu uma lei obrigando as m�sicas a tratar das tem�ticas e da mem�ria do Brasil, o que vemos ainda hoje nos sambas-enredos. O carnaval cresce e se torna algo vinculado � identidade do pa�s, acabando por esvaziar os bailes, que n�o tinham tanto esse prop�sito, j� que eram feitos de marchinhas”, relata.
Em tempos mais recentes, outro fen�meno serviu para acabar com o glamour que predominou nos sal�es de BH at� o fim dos anos 1980. Carnavais de rua de cidades do interior ou do Nordeste do Brasil, que t�m mesclado m�sicas e tradi��es folcl�ricas, al�m de um atrativo natural – a praia –, levaram os foli�es a buscar alternativas. “Cidades que n�o t�m o carnaval institucionalizado, como BH, acabaram perdendo espa�o para outras atra��es. E, assim, os bailes de clubes perderam espa�o”, afirma.
LINHA DO TEMPO
1897 – Primeira manifesta��o carnavalesca. Oper�rios que trabalhavam na constru��o da cidade desfilaram em carros fantasiados pela regi�o da Pra�a da Liberdade.
1899 – Uma banda chamada Diabos da Luneta desfilou, no mesmo lugar, acompanhada por 14 carros fantasiados.
1904 – Com a cria��o do Clube Matakins, surgiu o Corso Carnavalesco, com desfile de carros fantasiados, geralmente com membros de uma mesma fam�lia.
1910 – A festa de rua toma conta da cidade, com desfiles de carros aleg�ricos da Pra�a Sete at� a da Liberdade.
Fim dos anos 1940 – In�cio das batalhas de confetes e os bailes populares. Nessa �poca, apareceram tamb�m os blocos caricatos.
1960 a 1980 – Auge dos bailes em clubes e sal�es da cidade
In�cio dos anos 1990 – Fim dos grandes bailes nos clubes
2013 – Alguns clubes conservam matin�s. Bailes saem de cena para dar lugar a festas com motivos de carnaval