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Estado de Minas

Empres�rio cuida da mulher que est� h� sete anos em coma profundo

Desde que a mulher entrou em coma, Agostinho Scarpelli se tornou o seu protetor e Transformou uma parte da casa em enfermaria, onde ela recebe todo os cuidados


postado em 20/04/2014 06:00 / atualizado em 20/04/2014 07:13

Há mais de sete anos, Agostinho se dedica à tarefa de cuidar da esposa, inconsciente desde que sofreu um ataque cardíaco depois de estacionar o carro no Centro de BH(foto: Euler Júnior/EM/D.A.Press)
H� mais de sete anos, Agostinho se dedica � tarefa de cuidar da esposa, inconsciente desde que sofreu um ataque card�aco depois de estacionar o carro no Centro de BH (foto: Euler J�nior/EM/D.A.Press)

Era para ser um dia igual a qualquer outro de 2007. Adriana pulou da cama, apressada. Como sempre, havia deixado para a �ltima hora os preparativos da reuni�o familiar, marcada para acontecer da� a pouco, em sua casa. Enfiou uma roupa qualquer no corpo, sem se esquecer do par de brincos, argolas grandes e douradas, �nico sinal externo de vaidade dessa mulher de 43 anos, formada em Belas Artes pela Escola Guignard. Num rompante, tascou um beijo na bochecha dos filhos, de 6 e 11 anos, e saiu correndo de casa. Precisava comprar os ingredientes que faltavam para a festinha, frescos e escolhidos a dedo, nas bancas do Mercado Central.

Desde aquele dia, que ficou gravado na mem�ria dos parentes, Adriana nunca mais voltaria para casa – pelo menos, n�o inteiramente. Ningu�m mais achou gra�a nos seus coment�rios espirituosos nem a criticou por ficar dependurada ao telefone ou elogiou seus arranjos improvisados de flores, nascidos das m�os de uma verdadeira artista. H� sete anos e dois meses, Adriana entrou em coma profundo, clinicamente denominado de estado vegetativo persistente. Em uma escala de zero a seis de gravidade, o dela atinge o grau quatro. “Na verdade, � como se ela estivesse dormindo profundamente”, define o marido, o empres�rio Agostinho Scarpelli Aguiar.

Naquele s�bado fat�dico, a artista pl�stica havia acabado de estacionar o carro na Regi�o Central da cidade. Antes de desligar o motor, por�m, sofreu um ataque do cora��o e perdeu os sentidos, sozinha ao volante. O ve�culo desceu, bateu no caminh�o que estava atr�s e furou um pneu. Populares presenciaram a cena e chamaram a ambul�ncia. Ainda assim, levou cerca de meia hora at� que ela fosse socorrida no Pronto-Socorro Jo�o XXIII. “Quando cheguei ao hospital, vi uma m�dica falando que faria uma �ltima tentativa de ressuscitar minha esposa. Ela posicionou as p�s do aparelho na altura do peito e aplicou mais um choque. De repente, Adriana voltou a reagir”, relata o marido, que presenciou toda a cena, at�nito.

Depois de enfrentar 154 dias de interna��o, entre o quarto e o Centro de Terapia Intensiva (CTI), Adriana teve alta, mas nunca recobrou a consci�ncia. Em vez de manter a esposa no hospital ou intern�-la em uma cl�nica especializada neste tipo de servi�o, Agostinho abra�ou a nova realidade, com zelo. Come�ou a preparar o ambiente para receber a m�e de seus dois filhos, hoje com 14 anos e 18 anos. Ele conta que tentou dar a conota��o mais natural poss�vel para a situa��o. Mandou instalar uma mesa de pingue-pongue na entrada do quarto de Adriana, de modo que, vira e mexe, a bolinha ca�sse l� dentro. Com o tempo, as crian�as se acostumaram at� a passar embaixo da maca para resgatar a bola. “Tentei tornar natural para os meninos, mas n�o � brincadeira. � muito triste. A morte � algo natural, mas essa situa��o n�o �, porque n�o tem ponto final”, desabafa.

Agostinho mudou-se com os filhos para uma casa no Bairro S�o Bento, que originalmente seria destinada aos neg�cios da firma. No primeiro andar da resid�ncia, o empres�rio montou uma esp�cie de enfermaria, com equipamentos suficientes para acomodar as enfermeiras, que se revezam 24 horas para cuidar de Adriana. Os gastos s�o altos, incluindo fraldas, rem�dios e alimenta��o especial. De duas em duas horas, Adriana � trocada de posi��o. Acamada h� anos, ela n�o tem uma �nica ferida no corpo. Seus sinais vitais s�o est�veis.

Como homem, Agostinho j� passou aperto para cuidar de Adriana. Ele brinca que, em mais de sete anos, um dos maiores desafios foi descobrir a cor da tinta de cabelo usada pela esposa. “N�o tinha a menor ideia de como fazer isso. Um dia, vi uma senhora muito elegante em uma loja. Pedi � vendedora para perguntar qual era a tinta que ela usava. Sua primeira rea��o foi dizer que ‘n�o falava de jeito nenhum’. Parece que esse � um segredo entre as mulheres. Eu tive de me apresentar e explicar que precisava da indica��o porque minha esposa estava acamada. Ela ent�o aceitou revelar. Nunca mais me esqueci”, conta o marido, que j� tinha a experi�ncia anterior de amparar a pr�pria m�e, que morreu com leucemia.

ROTINA CASEIRA O empres�rio tamb�m se depara com quest�es inusitadas da rotina caseira. Sem a presen�a da mulher, ele se viu obrigado a escolher sozinho os m�veis novos, que deveriam combinar com os antigos, selecionados pela esposa. A tela preferida de Adriana foi mantida em lugar nobre, na entrada da casa, conforme ela havia determinado antes de adoecer. Tamb�m a mesa, em madeira de demoli��o, comprada pela mulher, d� o toque original que faltava � sala. A alma da artista pl�stica est� impregnada na casa. “Eu me esforcei para que a casa continuasse funcionando. Como somos tr�s homens, havia um risco enorme de se instalar uma rep�blica masculina aqui dentro”, calcula.

Agostinho visita a mulher tr�s vezes ao dia. Na companhia da equipe de reportagem, ele entra conversando normalmente no quarto de Adriana. Quando deposita a m�o em seu rega�o, a mulher d� um suspiro profundo. Em seguida, volta a ‘dormir’, inerte. “Ela sente quando o marido est� aqui”, cochicha a cuidadora Nilza.

Nos primeiros anos, os filhos visitavam mais a m�e. Corriam para ‘mostrar’ a ela quando fechavam uma prova ou ganhavam medalha na escola. Atualmente, pedem palpites das enfermeiras em rela��o ao visual, antes de sair para a balada. “Eles j� disseram para eu arranjar uma namorada, mas n�o considero que eu seja um bom partido. Afinal, sou um homem casado, com mulher e dois filhos”, afirma o empres�rio.

At� hoje, prevalece o cruel progn�stico recebido por Agostinho em rela��o � sa�de de sua mulher, dois dias depois do acidente, oferecido por um m�dico amigo. Sem medir as palavras, ele avisou ao empres�rio de que ele estaria na pior situa��o de um homem, pois acabava de se tornar vi�vo de uma mulher viva. “Tecnicamente, a medicina me informa que a Adriana n�o vai acordar, mas a gente v� tanta coisa acontecendo por a�, n�o �? S� n�o posso me iludir e criar falsas expectativas nos meninos,” diz Agostinho, que n�o acredita, nem deixa de acreditar que, algum dia qualquer, Adriana volte a pular da cama e consiga sair andando por a�, apressada como antes.


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