
Congonhas – Em uma das frequentes manifesta��es no km 602 da BR-040, a presidente da Associa��o Comunit�ria do Bairro Pires, Ivana Gomes, pediu aos moradores que levassem cruzes com o nome das v�timas da rodovia. “Foram mais de 50”, recorda. As cruzes ficaram pouco tempo pregadas no ch�o, pois alguns temeram que aquela cena macabra pudesse trazer mau agouro. Entre os nomes estava o da filha de Vanilda Firmino, de 52 anos, Nat�lia, que morreu atropelada ao atravessar a estrada.
Nat�lia estava noiva e com o casamento marcado. Vanilda se lembra do carinho da filha quando enfrentou um c�ncer na medula e a filha mais velha a acompanhava nas sess�es de quimioterapia no hospital em Belo Horizonte. Na parede da casa – pintada de rosa – a foto da jovem est� pregada ao lado de imagens de Jesus Cristo. Na mesa, um jarro de flores de pl�stico.
“Aqui n�o � ruim de morar, mas piorou muito por causa da poeira”, reclama o pai de Nat�lia, Luiz Francisco da Silva, que destaca o grande n�mero de oportunidades de trabalho para quem mora no bairro, principalmente nas mineradoras em volta.

Na mesma rua, o aposentado Geraldo Avelino Martins, de 74, � radical: deixou de frequentar as missas. “A travessia ficou dif�cil demais”, reclama. Geraldo expressa bem o sentimento d�bio de muitos do bairro. � ao mesmo tempo grato por ter trabalhado grande parte da vida em mineradoras vizinhas, mas lamenta o efeito de seu trabalho na pr�pria vida dele, na fam�lia e nos vizinhos.
“Ficou muito dif�cil por causa da sujeira, mas sou nativo daqui, minhas ra�zes s�o aqui, conhe�o todo mundo. N�o posso falar mal do lugar”, alega. Ele foi funcion�rio da Ferteco (comprada pela Vale) por 24 anos como operador de m�quinas. Criou os 11 filhos e a maior parte deles segue o caminho do pai trabalhando com m�quinas nas mineradoras.
PROMESSA
Depois de diversas manifesta��es, algumas violentas, como em julho do ano passado, o prefeito de Congonhas, Zelinho, informou que solicitou ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) a constru��o da passarela. Como n�o conseguiu, procurou as empresas da regi�o (Vale, Ferro+, CSN, Namisa, Gerdau e VSB) e prop�s uma divis�o dos valores. A passarela, segundo ele, est� or�ada em R$ 1,6 milh�o, sendo que a prefeitura pagar� R$ 400 mil e o restante ser� das empresas. “J� fiz tr�s reuni�es e a passarela deve come�ar a ser constru�da no m�s que vem”, promete.
No local h� um radar para limitar a velocidade, colocado ap�s muitos protestos dos moradores. Mas h� duas semanas o equipamento foi retirado. “O combinado era deslocar o radar para frente ou para tr�s enquanto a passarela estiver sendo constru�da, mas o DNIT retirou”, explica o prefeito, que pediu ao �rg�o que o aparelho fosse recolocado, mas at� quinta-feira ele ainda n�o estava funcionando.
A reportagem do Estado de Minas acompanhou a sacoleira Maria Aparecida Rufino, de 51, na travessia da rodovia. Maria estava com a sobrinha, Karolaine Carla Rufino, de 13, e foi para o outro lado do bairro trabalhar na venda de cosm�ticos. Foram mais de cinco minutos esperando carros e caminh�es darem tr�gua. Quando o tr�nsito aliviou, o jeito foi passar correndo, pois rapidamente surgiu um carro depois da curva. Do outro lado da rodovia, Maria disse esbaforida: “Tem dia que � bem pior. Chegamos a esperar uns 30 minutos”.
Polui��o sufocante
Estudo realizado pela consultoria ambiental Ecosoft, a pedido do Minist�rio P�blico, que verificou a polui��o em Congonhas, indica que o bairro mais afetado � Pires, onde a m�dia anual de emiss�o de material particulado (poeira) � de 81 microgramas por metro c�bico. O m�ximo permitido, conforme a legisla��o brasileira, � 80. Isso significa que o ar do local est� saturado. “Esses dados s�o mais desfavor�veis para a popula��o se colocados na perspectiva da Organiza��o Mundial de Sa�de”, destaca o promotor de Congonhas, Vin�cius Alc�ntra Galv�o. A OMS prop�e valor m�ximo para m�dia anual de at� 50 microgramas por metro c�bico.
“A popula��o tem raz�o em tudo que reclama”, afirma com desalento o prefeito de Congonhas, Jos� de Freitas Cordeiro, o Zelinho (PSDB). O ideal, segundo ele, seria transferir as pessoas para outro bairro. “Mas isso � dif�cil. Os moradores t�m ra�zes ali h� mais de 100 anos. O que o poder p�blico precisa fazer � melhorar a qualidade de vida”, resigna-se o prefeito. A �nica chance de remo��o seria se uma grande empresa estivesse interessada no min�rio do solo do bairro e bancasse a constru��o de outro bairro, avalia Zelinho.
O diretor de Meio Ambiente e Sa�de da Uni�o das Associa��es Comunit�rias de Congonhas (Unaccon), Sandoval Souza Pinto Filho, afirma que se for feita uma transfer�ncia de bairro quem deve decidir s�o os moradores. “Qualquer empreendimento, desde uma pocilga at� usina nuclear, precisa trabalhar com respeito, responsabilidade e tecnologia”, afirma Sandoval. O l�der comunit�rio quer mais transpar�ncia das empresas e do poder p�blico e que, antes de qualquer novo empreendimento ou expans�o na cidade seja levado em conta a licen�a social, que diz respeito � qualidade de vida dos moradores.
A presidente da Associa��o Comunit�ria do Bairro Pires, Ivana Gomes, sempre acredita que o que ocorre hoje no Bairro Pires acontecer� na cidade de Congonhas futuramente. “S� queremos que eles minerem respeitando o meio ambiente, as pessoas e a �gua. Falo com o cora��o daquilo que eu vivi e ainda vivo aqui”, lembrou.
A morte � espreita
Seguindo pela rua de Geraldo e Vanilda, a Alfredo Pascoal, depois de atravessar a linha do trem, est� a casa de Terezinha Aparecida Gon�alves, de 51. A irm� de Terezinha, Maria das Gra�as Gon�alves, foi atropelada pelo trem em mar�o de 2003, quando tinha 53 anos. “Ela foi atravessar e n�o sei o que aconteceu. Acho que ela apavorou com o trem chegando. Ela conseguiu sair da linha, mas a escada da m�quina bateu na cabe�a dela”, lembra a irm� de Maria das Gra�as, que morreu no local devido ao traumatismo craniano.
Terezinha, que � dona de casa, diz que “morre de medo” de atravessar a linha do trem ap�s a morte da irm� e que “desgostou” de morar em Pires. “Ningu�m queria que essa linha passasse aqui. Quando o trem passa os vidros balan�am, a casa est� toda trincada”, reclama Terezinha.
Ao ver o carro da reportagem no bairro, o motorista Eleionenai M�ximo, de 27, faz um pedido: “Eu moro ao lado da linha e n�o aguento mais o trem que passa buzinando � meia-noite. O barulho � muito alto e assusta todo mundo”.
O promotor de Congonhas, Vin�cius Alc�ntra Galv�o, informa que foi feito um termo de ajustamento de conduta (TAC) entre a MRS, empresa que opera a linha de trem, e o Minist�rio P�blico, para a constru��o de um viaduto e duas passarelas, sendo que uma j� foi constru�da.
Entretanto, poucos usam a passarela. Foi feito um buraco no muro e a maioria dos moradores prefere pular a mureta da passarela, atravessar sobre a linha f�rrea e passar pelo buraco no muro. A reportagem fez os dois trajetos cronometrando e contando os passos. Quem usa a passarela leva quase quatro minutos e d� 355 passos para concluir o trajeto. Aqueles que optam pelo caminho alternativo e arriscado gastam pouco menos de 20 segundos e 30 passos.
PRAZO A MRS informou, via assessoria de imprensa, que est� contratando o projeto executivo para a constru��o da outra passarela e do viaduto e que a prefeitura deve propor o que ser� desapropriado. Com as �reas liberadas, a empresa tem prazo de 10 meses para concluir. Somente ap�s construir o viaduto ser� constru�da outra passarela. O custo previsto � de at� R$ 1,2 milh�o para cada passarela, por�m, o viaduto ainda n�o tem o custo estimado.
Sobre as buzinas, a empresa afirma que � um “instrumento de seguran�a extremamente eficaz” e que s� pode abrir m�o se n�o houver ponto de travessia de pedestres ou ve�culos no mesmo n�vel da linha f�rrea. A respeito das rachaduras, a MRS afirma que recebe v�rias reclama��es, mas “nunca houve comprova��o entre a vibra��o da ferrovia e danos como rachaduras”.
Mem�ria
Carro destru�do em protesto
Em 2 de julho do ano passado, um motorista tentou furar o bloqueio e quase atropelou manifestantes que pediam a constru��o da passarela na BR-040. O carro foi cercado, os manifestantes atiraram pedras e quebraram o vidro com pauladas. O motorista fugiu, mas foi perseguido. O ve�culo foi encontrado em um posto de combust�vel, o motorista conseguiu escapar da f�ria, mas o ve�culo foi virado e totalmente destru�do.
