
Transpor as depend�ncias do Sal�o de Cabeleireiro da Rua Carij�s, 109, na Regi�o Central de Belo Horizonte, significa voltar aos tempos de Get�lio Vargas. Aos 89 anos, o barbeiro Jos� de Almeida Dias recebe os clientes na porta, impecavelmente bem vestido. Faz um r�pido cumprimento com a cabe�a e vai logo conduzindo-os at� a cadeira girat�ria. Ele n�o tem tempo a perder. Prepara bastante espuma na bacia e ajeita o pincel antigo, com cabo de madrep�rola. Em menos de 15 minutos, est� feita a barba no fio da navalha, sem deixar um �nico corte.
Senhor Dias � homem de alma diligente e m�os �geis, apesar da idade avan�ada. No of�cio de barbeiro, ajudam os espantosos 73 anos de pr�tica, iniciada quando ele tinha apenas 16 anos. Era o ano de 1942 e a Era Vargas amea�ava chegar ao fim. Natural de Cataguases, na Zona da Mata, Dias herdou na cidade o sal�o do irm�o mais velho, que veio tentar a sorte na capital. “Aprendi a profiss�o vendo meu irm�o trabalhando”, conta ele, sem descansar entre um e outro corte de cabelo. “Ningu�m acreditou quando ouviu dizer que Get�lio tinha se suicidado. Foi o maior coment�rio no sal�o”, diz.
Depois da chegada de uma tal de Aids, como Dias se refere � s�ndrome transmitida pelo sangue, o barbeiro aposentou a l�mina da navalha. Trabalha com o mesmo dispositivo, mas adaptou giletes descart�veis nas extremidades. Ele n�o � saudosista. “Conservo este aparelho manual aqui no balc�o somente para lembrar os 18 anos sofridos com ele. � mil vezes melhor cortar com o barbeador el�trico”, compara o barbeiro, que costuma brindar os clientes com limpeza de pele e massagem no rosto, depois de fazer a barba ao custo de R$ 10. Entre os famosos, j� atendeu aos prefeitos Souza Lima, Jorge Carone e ao dono de laborat�rios Geraldo Lustosa. “Ele foi meu cliente at� o �ltimo dia. Antes de morrer, veio aqui e cortou o cabelo. Depois, n�o voltou mais. Fiquei sabendo que havia falecido”, diz.
Por ordens m�dicas e insist�ncia da fam�lia, Dias viu-se obrigado a reduzir a jornada para “apenas” sete horas por dia. �s 8h, come�a a atender e, �s 15h, interrompe os trabalhos. A medida, entretanto, fez efeito inverso. Quando aponta na esquina da Rua da Bahia, j� percebe a fila de clientes esperando por ele. De pouco adianta o apoio dos colegas Rodin� Mendes Guimar�es, de 78, e do iniciante Gl�ucio Ven�ncio, de 41. “Para mim, ele � melhor de todos. Al�m de ser muito educado, tem uma destreza impressionante”, comenta uma manicure, que pede o anonimato para n�o se indispor com os outros. “� gratificante poder trabalhar ao lado de pessoa t�o humana e profissional top de linha como ele”, elogia o barbeiro mais novo.
Em tom de brincadeira, Rodin� especula que Dias use uma inje��o de juventude, cuja f�rmula n�o revela a ningu�m. Na realidade, o barbeiro se define como uma pessoa de h�bitos moderados, que n�o fuma nem bebe e se alimenta de maneira frugal, de tr�s em tr�s horas. De tr�s em tr�s meses, controla o n�vel de a��car no sangue para evitar o diabetes. N�o deixa de comer doces, mas reparte o p�-de-moleque com os amigos. “Todos os meus irm�os morreram com diabetes. Quero chegar pelo menos at� os 95 anos”, revela ele, que usa �culos mais proteger os olhos do que para enxergar. Desde que operou de catarata, Dias foi aconselhado a resguardar a c�rnea da “chuva” de cabelos que saltam do barbeador el�trico.
Brincalh�o e de bem com a vida, Dias se considera uma pessoa calma, at� demais. O temperamento tranquilo colaborou na boa condu��o do trabalho e da casa. � casado com a mulher Maria Leal Dias, de 87, com que teve as duas filhas professoras, casadas e j� aposentadas. Entre os netos, h� um radialista, uma decoradora e uma m�dica, que daqui a dois meses dar� a primeira bisneta a ele. As fotografias de todos est�o guardadas dentro de um envelope, em lugar especial no balc�o. E tamb�m no cora��o.
CLUBE DO BOLINHA Dias tenta “fazer a cabe�a” dos mais amigos em rela��o aos cuidados com a sa�de. � o caso do advogado Jorge Armando, de 31, iniciado nas artes da barbearia aos 4 anos de idade. Se comportasse bem, tinha o direito a ganhar duas ou tr�s balas. Era mais travesso do que o irm�o g�meo, hoje capit�o da Pol�cia Militar. “O pai deles fuma, mas nenhum dos dois entrou nessa. Aprenderam comigo”, orgulha-se o barbeiro, que se tornou quase da fam�lia.
Simp�tico, o advogado confessa que chega a permanecer at� um m�s sem cortar o cabelo, aguardando vagar um hor�rio na concorrida agenda de Dias. “Seu Dias corta meu cabelo at� de olho fechado. J� est� acostumado. Chego a rir quando ele mostra o espelho para eu conferir atr�s. Nem olho”, explica ele, impressionado com a jovialidade do amigo de longa data. Dias e seus clientes formam uma esp�cie de Clube do Bolinha, onde menina n�o entra e s�o revelados os segredos mais cabeludos entre eles. “Sei da vida de todo mundo sem perguntar nada. Eles sentam na cadeira e j� come�am a falar. S� escuto ”, diz.