
Jesus Cristo, Oxal�, S�o Jorge, Ogum, S�o Sebasti�o, Oxossi, Nossa Senhora da Concei��o, Oxum, S�o Jer�nimo e Xang�; Krishna, Ganesha e Shiva; Curupira, caboclos, �guia, golfinho, lobo, boto, sacis e demais seres encantados da floresta ladeiam outras imagens nos v�rios altares do Centro Espiritualista Fraternidade Kayman, onde ocorrem os rituais de umbandaime – uma uni�o da umbanda, de inspira��o africana, e do santo-daime, manifesta��o religiosa de origem amaz�nica – em Belo Horizonte. As grutas s�o iluminadas em diferentes cores, em harmonia com o teto densamente enfeitado por pequenas bandeiras multicoloridas. Quem observa pela primeira vez o espa�o – em um terreno de 1.200 metros quadrados no Bairro Ipiranga, Nordeste de Belo Horizonte, distante apenas 5,2 quil�metros da Pra�a Sete – pisca algumas vezes para ajustar a vis�o a v�rios matizes. Se � noite de quinta-feira, � preciso focar mais do que as vistas.
As mais de 200 pessoas que v�o � fraternidade todas as semanas para as cerim�nias do umbandaime entram em sintonia ao ritmo dos atabaques, assistem aos m�diuns incorporarem entidades e recebem passes. Quem deseja, toma o ch� da ayahuasca, bebida elaborada com a mistura do cip� jagube (Banisteriopsis caapi) com a folha rainha (Psychotria viridis), base do santo-daime. H� quem considere a beberagem um alucin�geno. O termo � repudiado pelos fi�is, que preferem a palavra ente�geno, pois abrange a ideia de liga��o religiosa.
A Fraternidade Kayman foi fundada h� quase 13 anos por Robespierry Caetano, m�dium e pai de santo, que incorpora Pai Jo�o de Aruanda, um preto velho. Pierry, como � conhecido, ficou famoso em 1992, por ter vislumbrado – segundo ele, por contato espiritual – a localiza��o de parte dos destro�os do helic�ptero que matou o pol�tico Ulysses Guimar�es. Ap�s ganhar notoriedade, ele viajou por todos os estados brasileiros por sete anos, realizando cirurgias espirituais. De acordo com seus c�lculos, fez mais de 1 milh�o de opera��es, usando como instrumento mais complexo uma prosaica faca de cozinha.
MISS�O Nascido em uma fazenda em Ouro Verde de Goi�s, Pierry escolheu Belo Horizonte para viver desde o ano 2000. Decidiu abrir a Fraternidade ap�s ter uma mira��o (termo usado entre os daimistas para definir uma vis�o estimulada pelo ch�) quando tomou a ayahuasca pela primeira vez. “Eu pude ver que religi�o significa religar. Unir todas as linhas de pensamento e for�a. Em nome do amor. Em nome da paz. Em nome do bem. Eu via que todas as religi�es eram boas para mim”, descreve Pierry. Foi com a autoriza��o dele que a equipe de reportagem do Estado de Minas acompanhou uma cerim�nia de umbandaime e uma do santo-daime.
A cerim�nia do umbandaime � chamada de desenvolvimento medi�nico e come�a por volta de 19h30, sempre �s quintas-feiras. Quem deseja beber a ayahuasca precisa preencher uma ficha. Entre os questionamentos est�o perguntas sobre eventual uso de algum medicamento ou droga. Ap�s o preenchimento, � feita uma entrevista com Pierry. Se o novo participante � liberado, paga R$ 30. Quem n�o deseja beber o ch� pode participar sem pagar nada. Outra condi��o para tomar a infus�o � permanecer no local at� o fim da cerim�nia, que dura cerca de quatro horas.
Na quinta-feira em que o EM acompanhou os ritos, ocorreu uma Gira de Incorpora��o. Gira � a designa��o da sess�o religiosa de umbanda; incorpora��o significa que entidades ser�o incorporadas pelos m�diuns, que afirmam receber esp�ritos de caboclos, pretos velhos, crian�as e demais entidades, guiados pela batida dos atabaques, por m�sicas e hinos, os pontos de Umbanda.
A cerim�nia come�a com Pierry, j� incorporado como Pai Jo�o de Aruanda, rezando um pai nosso e uma ave-maria. Com a voz alterada, remetendo a um senhor bem mais velho que os 44 anos que tem, o fundador convoca todos a repetir: “Eu sou feliz! Eu sou feliz porque eu sou filho de Deus. Eu sou feliz porque eu sou eu”. Todos entoam as frases em un�ssono.
�s 19h50, � servida a primeira dose de ayahuasca. Enquanto forma-se a fila, Pierry (Pai Jo�o) prega: “Tem gente que vem tomar o daime para ficar maluco. O daime � para acabar com a maluquice”. Para beber o ch�, os homens devem estar com os p�s descal�os, vestindo cal�a e blusa cobrindo os ombros. As mulheres tamb�m precisam estar descal�as, com saias longas e blusas cobrindo ombros e a barriga.
Com todos em sil�ncio, � poss�vel escutar o barulho dos copos de vidro vazios de daime tilintando na bandeja. “O daime � para todos, mas nem todos s�o para o daime”, diz, quebrando o sil�ncio, Pierry (Pai Jo�o). Depois de 10 minutos, come�am os preparativos para a gira. Um filho da casa, o defumador, passa por todo o sal�o defumando o ambiente, enquanto � saudado por uma m�sica. Quando a fuma�a se aproxima das pessoas, elas rodopiam e fazem um gestual, com as m�os como se chamassem a fuma�a.
As m�sicas s�o executadas por um trio de atabaques e um coro de vozes femininas. Todos ajudam ritmando com palmas. Aqueles que manifestam mediunidade come�am a incorporar as entidades. Os filhos batizados na casa, que est�o sentados nas primeiras cadeiras, s�o os primeiros a se levantar, e se dirigem ao centro da roda. Dan�am, giram e algumas mulheres tampam o rosto com os cabelos compridos jogados para frente. A incorpora��o, geralmente, � precedida por um tremor intenso, em que os bra�os do m�dium balan�am tanto que parecem sem controle. Fi�is mais experientes ficam a postos para auxiliar visitantes que manifestem mediunidade e comecem a incorporar.

�s 21h, � servida a segunda dose do daime. Dez cadeiras s�o dispostas no centro do sal�o e Pierry (Pai Jo�o) d� as instru��es para os m�diuns incorporarem os pretos velhos. Um senhor acende um grande cachimbo e fica de p� no meio das cadeiras. Pretos velhos e seus cavalos – como os m�diuns s�o chamados – tomam seus lugares.
Os filhos da casa usam roupas totalmente brancas e colares (guias) de contas coloridas. Os que est�o na organiza��o da gira convidam, um a um, os presentes a receber atendimento dos m�diuns incorporados. Do lado direito do sal�o, h� uma porta para a chamada “sala de cura”. Com cinco macas, uma luz azulada e a parede decorada por v�rios quadros, incluindo m�dicos que Pierry relata incorporar. L�, outros filhos da casa fazem atendimento espiritual enquanto ocorre a gira.
Ap�s uma hora, terminam os atendimentos. Pierry (Pai Jo�o) bate o atabaque com for�a, e os m�sicos voltam a tocar e a cantar. � a vez de os m�diuns incorporarem crian�as (er�s). S�o distribu�das balas, doces e pirulitos, e a movimenta��o no centro da roda se aproxima de um estado de �xtase, com muitas pessoas deitadas e com os p�s para cima.
Quase 22h30. As luzes s�o apagadas, Rasu Yawanaw� toca viol�o e canta uma bela m�sica em seu idioma nativo, por quase 10 minutos. Todos assistem assentados. Na segunda m�sica, com a batida do viol�o mais sincopada, os filhos da casa voltam a receber entidades e bailar no meio do sal�o. A cerim�nia termina com Pierry (Pai Jo�o) rezando um pai-nosso e uma ave-maria.
Do lado de fora da Fraternidade, na rua Pio X, j� � sexta-feira. Poucas luzes est�o acessas nas janelas dos pr�dios vizinhos ao local. Os motoristas dos poucos carros que passam em alta velocidade pela Avenida Cristiano Machado dificilmente imaginam a cerim�nia que acabou de acontecer a apenas tr�s quarteir�es de uma das principais vias da capital.