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Estado de Minas

Rio Doce deixa de correr na foz original e de desaguar no Atl�ntico pela primeira vez na hist�ria

Amarga agonia � fruto da superexplora��o em toda a bacia, que tem 86% de sua �rea em territ�rio mineiro


postado em 12/07/2015 11:04 / atualizado em 12/07/2015 11:04

O rio, à esquerda, separado do mar por banco de areia em Regência (esq): resultado de 850 quilômetros de agressão (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)
O rio, � esquerda, separado do mar por banco de areia em Reg�ncia (esq): resultado de 850 quil�metros de agress�o (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)
 

Linhares (ES), Rio Doce, Governador Valadares, Aimor�s e Ponte Nova – A agonia do maior curso d’�gua do Sudeste brasileiro chegou ao patamar mais cr�tico da hist�ria. Sem for�a, as �guas do Rio Doce, que nascem em Minas Gerais e atravessam o estado at� o Esp�rito Santo n�o des�guam mais no Oceano Atl�ntico no ponto tradicional. Considerado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) o 10º mais polu�do do pa�s, o manancial chegou a um est�gio t�o grave de seca e assoreamento que a foz – que se alargava por 380 metros de comprimento e tingia a costa capixaba de sedimentos cor de barro – recuou 60 metros continente adentro e se encontra agora como uma lagoa, represada por uma faixa de areia grossa de dois metros de altura. O bloqueio ocorreu h� dois meses, em Reg�ncia Augusta, um distrito do munic�pio de Linhares (ES). Mas o que ocorre no estado vizinho � apenas o est�gio final de um mapa de degrada��o que come�a j� na cabeceira e se estende n�o s� pelos 850 quil�metros do leito, mas tamb�m pela maior parte da bacia de 86 mil quil�metros quadrados. Segundo ambientalistas, bi�logos e hidr�logos, foram as agress�es como desmatamento, despejo de esgotos e descargas qu�micas em Minas Gerais, que comporta 86% da bacia, que levaram a essa situa��o de pen�ria.


A �nica sa�da do Rio Doce para o mar, atualmente, se restringe a um bra�o de areia a um quil�metro da foz original – que na verdade consiste em um avan�o do mar rio adentro, mas que pode se fechar a qualquer momento, dependendo do regime das mar�s. “Essa � uma trag�dia ecol�gica que completa uma situa��o de agress�es ambientais que o Rio Doce vinha sofrendo. Nunca antes a foz havia se fechado completamente. E isso se deve � destrui��o das matas ciliares, que barravam sedimentos vindos de outras �reas desmatadas, agora transformadas em pastagens e outros cultivos”, afirma o secret�rio-executivo do comit� da Foz do Rio Doce, Carlos Sang�lia, educador ambiental do Projeto Tamar, sobre a interrup��o do rio, retratada pelo jornal A Gazeta, do Esp�rito Santo, em 23 de junho.


Da nascente � foz, o caminho de degrada��o do Rio Doce acompanha o hist�rico de desenvolvimento predat�rio na bacia. Inserida em um territ�rio onde originalmente havia predom�nio de 98% do bioma Mata Atl�ntica – um dos mais amea�ados do mundo –, o manancial hoje corre por um cen�rio de margens desprovidas de mata ciliar, faz desvios em bancos de areia extensos como praias, serpenteia por entre manilhas de esgoto que cospem caldos contaminados e diante de morros devastados, tomados por pastagens e eros�o.


Em Reg�ncia Augusta, os impactos de tudo que � feito antes da foz trouxeram alerta � comunidade de pescadores que chega a 1.200 habitantes. Quem vive da pesca n�o consegue mais zarpar pelo porto do Rio Doce em dire��o ao mar, porque a nova desembocadura � rasa demais para a maioria dos barcos. “N�o tem mais como ir para o mar. Ou jogamos a rede no que sobrou do rio ou armamos na praia. A quantidade de peixe, que j� era pouca, diminuiu mais ainda. Para mim, a solu��o vai ser parar de pescar e trabalhar fichado (com carteira assinada)”, lamenta o pescador Edmar de Morais, de 65 anos.


A falta de peixes, como percebeu o pescador, � outro aspecto que preocupa ambientalistas. “Esp�cies como o robalo e a manjuba precisam subir do mar para o rio para se reproduzir. O ciclo se rompe quando os peixes n�o encontram caminho para o Rio Doce”, alerta o assessor do projeto Tamar, H�lio Luiz Alc�ntara. O Tamar � conhecido pela preserva��o das tartarugas marinhas ao longo da costa brasileira, principalmente por incluir as comunidades tradicionais que antes matavam esse animal. Mas as pr�prias tartarugas est�o amea�adas pelo bloqueio do Rio Doce. “Os esp�cimes mais jovens se alimentam de peixes que nadam na foz. Agora ter�o de se deslocar para encontrar mais comida. F�meas tamb�m podem botar seus ovos na �rea que est� seca e onde pode voltar a correr �gua, perdendo toda a postura”, afirma Alc�ntara. A esp�cie mais amea�ada � a tartaruga-gigante ou de couro (Demochelys coriacea), que tem exatamente na praia onde des�gua o Doce a �nica �rea de desova em todo o litoral brasileiro, segundo Sangalia.


O recuo das �guas j� vinha trazendo problemas para popula��es capixabas que dependem do manancial. A capta��o de �gua de Reg�ncia Augusta era feita no Rio Doce, mas a perda gradual de for�a da corrente fez com que o sal do mar avan�asse cerca de 20 quil�metros pelo continente. Com isso, a �gua, que j� � polu�da a ponto de chegar a cobrir as areias da praia com garrafas de pl�stico e lixo, n�o pode ser dessalinizada para que se torne pot�vel, obrigando a companhia de abastecimento e as escolas a recorrer � abertura de po�os.

 

Agredido ao nascer
Antes mesmo de o rio iniciar sua saga do Leste mineiro at� o oceano, a �gua que vai formar o Doce j� � tomada por polui��o na cabeceira, formada pela conflu�ncia dos rios Piranga e do Carmo. O Piranga foi o primeiro rio mineiro a entrar em situa��o de alerta – o �ltimo est�gio antes de restri��es de capta��o – devido � vaz�o reduzida. Ao passar por Ponte Nova, cidade com 57 mil habitantes na Zona da Mata, o Piranga recebe todo o esgoto da popula��o, sem tratamento. A ocupa��o � desordenada ao longo da calha e n�o � dif�cil encontrar manilhas de diferentes di�metros injetando res�duos dia e noite no curso d’�gua. O Rio do Carmo, por sua vez, tamb�m recebe cargas poluidoras poucos quil�metros depois de aflorar, em Ouro Preto, na Regi�o Central.


O surgimento do Rio Doce tamb�m sofre com a escassez h�drica, em um ponto em que moradores locais se lembram que a �gua era abundante. As pedras aparentes indicam que a vaz�o � pouca e cerca de 200 metros � frente, j� como Rio Doce, o manancial come�a a ser explorado por dragas de areia.


O secret�rio-executivo do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio Doce (CBH Doce), Luiz Cl�udio Figueiredo, atribui a situa��o do rio na foz a um processo lento de degrada��o em toda a bacia, aliado � falta de chuvas e ao consumo de �gua, que se manteve normal, apesar da escassez. Ele se mostra preocupado com o futuro, pois diz n�o ser poss�vel estimar qual ser� o comportamento das chuvas. “Da mesma forma que o que aconteceu na foz � resultado de um processo lento, a revers�o do quadro tamb�m � lenta, com a��es de longo prazo, como os planos de saneamento e o programa de recupera��o de nascentes. Ent�o, se n�o chover muito no pr�ximo per�odo, o problema ainda vai se alongar por muito tempo”, adverte.

 


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