
“Estou no Brasil. Aqui nada acontece”. A declara��o do franc�s Olivier Rebellato, de 20 anos, que em 2009 dirigia embriagado pela Savassi, Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, avan�ou um sinal vermelho em alta velocidade e provocou um acidente de tr�nsito que deixou cinco pessoas feridas, uma delas em estado vegetativo, reflete bem o sentimento de muitos parentes de v�timas de acidente: o de impunidade. No caso do franc�s, a previs�o dele estava certa. Olivier foi preso em flagrante no dia do acidente, denunciado pelo Minist�rio P�blico, mas teve a liberdade provis�ria seis meses depois. Com o passaporte devolvido, ele voltou para a Fran�a. O processo foi arquivado. Conclus�o: o r�u saiu impune.
A descren�a na Justi�a aumentou ainda mais a dor dos parentes da confeiteira K�tia Aisten de Assis, de 27, e do marido dela, o vigilante Paulo Medeiros Mendes, de 29. O casal morreu na noite do �ltimo dia 3, em um acidente provocado pelo motorista Jos� Alm�rio de Amorim Neto, de 35, solto pela Justi�a na madrugada de ontem depois de passar nove dias na pris�o. O acusado havia instalado um turbo no seu Gol, para participar de uma competi��o, e testava o equipamento dirigindo a mais de 150km/h, segundo testemunhas (o laudo pericial ainda n�o ficou pronto), pela Avenida Am�rico Vesp�cio, no Bairro Cachoeirinha, Regi�o Noroeste de BH, quando perdeu o controle da dire��o, passou por cima do canteiro central e bateu no Palio onde estavam as v�timas.
A decis�o de colocar o motorista em liberdade foi do juiz auxiliar do 1º Tribunal do J�ri, Silvemar Jos� Henriques Salgado. O magistrado estipulou, ainda, pagamento de fian�a no valor de 50 sal�rios m�nimos (R$ 39,4 mil) e determinou a suspens�o da carteira de habilita��o de Jos� Alm�rio.
Apesar da gravidade do acidente, que ainda ser� julgado, o magistrado explicou em sua decis�o que a lei autoriza a concess�o da liberdade provis�ria quando n�o h� risco para a ordem p�blica ou ao andamento do processo. Silvemar disse que a repercuss�o do caso “causou grande indigna��o, clamor p�blico e como��o social”, mas que isso n�o � motivo para que a pris�o do acusado seja mantida.
Jos� Alm�rio foi indiciado pela Pol�cia Civil por homic�dio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar, e o fato de ele ter sido solto revoltou os parentes das v�timas. “N�o � apenas um crime de homic�dio cometido por um acidente ou uma fatalidade. A pessoa assume o risco de produzir o resultado. Isso est� no artigo 18 do C�digo Penal. No dolo, ou ele tem a inten��o de matar ou assume o risco de produzir o resultado”, explica o delegado coordenador de Opera��es Policiais do Detran-MG, Anderson Alc�ntara. Muitos delegados t�m uma interpreta��o nesse sentido, segundo o chefe do COP, e alguns ju�zes e tribunais j� referendam esse tipo de entendimento. “Mas a maior parte n�o entende dessa forma e sim que todo acidente e crime de tr�nsito tem que ser disciplinado pelo C�digo de Tr�nsito Brasileiro (CTB)”, disse o policial. No caso de Jos� Alm�rio, a pena seria muito maior se ele fosse julgado pelo C�digo Penal. A pena pelo homic�dio doloso, por assumir o risco de produzir o resultado, seria de seis a 20 anos de reclus�o. J� no homic�dio do C�digo de Tr�nsito, a pena � deten��o de dois a quatro anos, o que dificilmente leva o r�u � pris�o.
REGIME ABERTO Para o presidente da Comiss�o de Assuntos Penitenci�rios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Anderson Marques, o homic�dio culposo (sem inten��o de matar) n�o resulta em pris�o. “Se o infrator for condenado ser� no regime aberto. N�o h� que se falar em pris�o no decorrer do processo”, explica. J� no doloso, acrescenta, pode ser gerada pris�o no decorrer do processo e ap�s a senten�a transitada em julgado. Procurado, o advogado de Jos� Am�rio n�o foi encontrado pelo Estado de Minas para comentar o assunto.
Uma fam�lia destru�da
Caet� – Da frente da casa, de portas e janelas de um vermelho desbotado, d� para ver o cemit�rio, ouvir as rezas no vel�rio e enxergar o topo da Serra da Piedade. Sentada na escada, olhando a tarde, Kamila Fernanda de Assis Oliveira abra�a a sobrinha Giovana e pensa na irm� K�tia Aisten de Assis, que morreu h� 10 dias, aos 27 anos. “Nosso sofrimento s� aumenta. � um absurdo esse homem estar solto. Matou duas pessoas, deixou dois �rf�os, Giovana, de 9 anos, e Jo�o Pedro, de 4. Ser� que a vida vale R$ 40 mil?”, pergunta Kamila, com voz firme e olhos de descren�a. No dia 3, enquanto testava o turbo do seu carro, na Avenida Am�rico Vesp�cio, na Regi�o Noroeste de Belo Horizonte, Jos� Alm�rio de Amorim Neto, de 35, invadiu a contram�o e bateu no Palio no qual estavam K�tia e o marido Paulo Guilherme Medeiros Meireles, de 29. Ontem, Jos� Alm�rio foi liberado pela Justi�a e deixou o Pres�dio Inspetor Jos� Martinho Drummond ap�s pagar fian�a de 50 sal�rios m�nimos, valor correspondente a R$ 39.400.
“O sentimento aqui � de revolta. Caet� est� revoltada, Belo Horizonte est� revoltada”, diz Kamila, casada, residente em Guarapari (ES) e h� dois meses na casa da m�e, Fl�via Cristina Gon�alves, de 45, em Caet�, na Grande BH. “Meu marido ficou em Guarapari, mas agora estou sem condi��es de voltar para l�. Toda a fam�lia se desestruturou. Minha m�e teve um AVC (acidente vascular-cerebral) em 16 de novembro e n�o posso deix�-la”, conta. Para preservar a sobrinha, Kamila revela algumas partes da dor da fam�lia longe da garota, que, de vez em quanto, se aninha em seus bra�os.
Ontem, logo de manh�, Kamila diz que come�ou a receber telefonemas de amigos sobre a decis�o judicial. “Foi um baque violento, a gente nem acreditou. Falaram que o crime era inafian��vel, que a velocidade do carro era de 170 quil�metros por hora. Desse jeito, vamos acabar desistindo da Justi�a. Esse homem assumiu o risco de matar, n�o pode ficar impune”, desabafou. Nesse momento, toda a fam�lia est� reunida para dar conforto a Giovana e Jo�o Pedro. “N�o � f�cil controlar duas crian�as. Minha sobrinha entende tudo. Outro dia achou um retrato do pai e chorou muito � noite. Estamos fazendo o poss�vel para suprir a falta dos pais.”
�RF�OS Com seu vestido azul, a menina brincava na tarde de ontem e �s vezes chegava no port�o, sob o olhar vigilante da tia. “O menino est� na escola. Por enquanto, eles v�o ficar aqui. Est�o aqui minha av� Tereza, madrinha de Giovana, o Vicente, o tio Luiz, minha m�e, meus irm�os Erick, Karla e Karen. Nosso maior desafio, o tempo todo, � explicar a um menino e a uma menina que eles v�o viver sem pai para sempre”, lamenta Kamila.
Giovana volta para mais um abra�o, e, dessa vez, se agarra com for�a � tia, numa demonstra��o de que, de agora em diante, ter� que contar com outros afagos, carinhos e cheiros. De repente, as duas se levantam e v�o se encontrar com Fl�via, servidora municipal afastada desde o AVC. Com ajuda de uma muleta, a av� dos pequenos �rf�os diz n�o carregar �dio no cora��o. “Somos evang�licos e acreditamos que Deus vai agir”, acredita.
Tr�s perguntas para
FL�VIA CRISTINA GON�ALVES, DE 45 ANOS, M�E DE K�TIA AISTEN DE ASSIS
1 - Como a senhora recebeu a not�cia da libera��o de Jos� Alm�rio de Amorim Neto?
Ele est� solto e, n�s, presos � dor, � saudade. Estamos muito tristes, revoltados, falaram tanto que era um crime inafian��vel.
2 - A senhora esperava tal decis�o da Justi�a?
A gente � m�e. No fundo da alma, n�o tinha esperan�a.
3 - O que a fam�lia pretende fazer agora?
Vimos que a Justi�a n�o funcionou. N�o sinto �dio desse homem. Est� tudo nas m�os de Deus. Ele vai agir.”
DECIS�ES POL�MICAS
Veja alguns casos em que a Justi�a concedeu liberdae a envolvidos em crimes de tr�nsito
Gustavo Henrique de Oliveira Binttencourt
Em 1º de fevereiro de 2008, o administrador de empresas, ent�o com 22 anos, provocou o acidente que matou o empres�rio Fernando F�lix Paganelli, de 48. Segundo o Minist�rio P�blico, ele estava embriagado e entrou na Avenida Raja Gabaglia, na contram�o, em velocidade acima da permitida. Gustavo foi solto depois de ficar 51 dias detido no Ceresp da Gameleira. Em novembro de 2013, ele foi condenado a pagar R$ 900 mil de indeniza��o aos parentes do empres�rio. 
Na madrugada de 15 de setembro de 2012, o estudante de odontologia, ent�o com 22 anos, descia a Avenida Nossa Senhora do Carmo em alta velocidade, supostamente sob efeito de �lcool e maconha e disputando “racha”, quando atingiu o ve�culo de F�bio Pimentel Fraiha, de 20, que avan�ou o sinal vermelho e morreu na hora. Michael ficou preso por cinco dias e foi solto, depois de pagar fian�a de R$ 43.540. Ontem, a 4ª C�mara Criminal do TJMG manteve senten�a que pronunciou o motorista pela suposta pr�tica do crime de homic�dio com dolo eventual. Com essa decis�o, o r�u ser� julgado pelo Tribunal do J�ri.
Olivier Rebellato
Em 17 de abril de 2009, o franc�s, ent�o com 20 anos, avan�ou um sinal vermelho em alta velocidade na Rua Sergipe, na Savassi, feriu cinco pessoas, deixando uma em estado vegetativo. O baf�metro constatou a embriaguez. Ele foi preso em flagrante, mas seis meses depois, a Justi�a concedeu a ele liberdade provis�ria e tamb�m devolveu-lhe o passaporte. Olivier embarcou para Fran�a. O pa�s n�o extradita seus cidad�os. O processo foi arquivado.
Anderson Luiz de Ara�jo Rocha
Na madrugada de 1º de outubro de 2011, o motorista de 37 anos, que dirigia com sinais de embriaguez, invadiu a contram�o na Via Expressa, em Contagem, Grande de BH, e atingiu o carro dirigido por Jeferson Dias Marques, de 26, que morreu na hora. Ele foi solto quatro dias depois ao pagar fian�a de 50 sal�rios m�nimos.O processo est� na fase de alega��es finais. 
Por volta das 19h30 do �ltimo dia 3, o motorista de 35 anos testava o turbo instalado no seu Gol, perdeu o controle do ve�culo na Avenida Am�rico Vesp�cio, em BH. O carro dele, segundo testemunhas, estava a mais de 150km/h, invadiu a contram�o e bateu no Palio dirigido pelo vigilante Paulo Medeiros Mendes, de 29, que estava acompanhado da mulher, K�tia Aisten de Assis, de 27. Os dois morreram na hora. Na ter�a-feira, a Justi�a concedeu habeas corpus a Jos� Alm�rio.
