
Barra do Guaicu� – O sertanejo Charlysson Nunes exerce m�ltiplas fun��es no Norte de Minas, de servente de pedreiro a guia tur�stico, mas o que o deixa com um sorriso que parece n�o ter fim � come�ar a contar hist�rias e est�rias de Barra do Guaicu�, distrito de V�rzea da Palma, a 800 metros de onde o Rio S�o Francisco engole o Velhas e a 370 quil�metros de Belo Horizonte. Um dos causos prediletos do rapaz � sobre a inacabada igreja de pedras de Bom Jesus de Matozinhos, onde vingou uma imponente gameleira no lugar em que deveria existir uma torre.
“Sabe como a �rvore foi parar l�?”, pergunta. E ele mesmo responde: “Obra de um passarinho, de um bem-te-vi. Tinha uma sementinha nas fezes do bichinho”. Ele � encantado com a imagem da raiz abra�ando parte do templo. Mas algo no cart�o-postal do lugarejo, onde moram em torno de 4 mil pessoas, o incomoda. Ali�s, o tira do s�rio. O interior da Bom Jesus � alvo constante de v�ndalos. As paredes est�o cheias de frases, nomes e s�mbolos grafados com facas, estiletes, chaves e outros instrumentos.

O certo � que a Bom Jesus e o distrito inspiraram v�rias pessoas do meio cultural. Guimar�es Rosa (1908-1967), por exemplo, descreveu Barra do Guaicu� em Grande sert�o: veredas, sua obra mais importante, publicada pela primeira vez em 1956. O escritor mineiro escolheu Guararavac� do Guaicu�, como ele se refere ao povoado, para ser o lugar em que Riobaldo Tatarana, o protagonista, descobriu que amava Diadorim, a personagem que se vestia de homem e que “nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor (...)”.
Foi assim: “A Guararavac� do Guaicu�: o senhor tome nota desse nome... Mas foi nesse lugar, no tempo dito, que meus destinos foram fechados. Ser� que tem um ponto certo, dele a gente n�o podendo mais voltar pra tr�s? Travessia de minha vida. Guararavac�. O senhor v� escutando. Aquele lugar. O ar. Primeiro fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade”.
Dizem que Rosa n�o tem leitores. Tem f�-clube. Todos os anos, centenas de homens e mulheres que devoram seus livros v�o a Guaicu� conhecer o templo e outras atra��es do lugarejo. Quem tem a sorte de se encontrar com Charlysson logo aprende alguns causos. “Bem aqui (ao lado da igreja) ficava o cemit�rio. H� corpos sepultados debaixo de onde estou pisando”, garante o rapaz. A av� dele, acrescenta, sustenta que h� um t�nel, em torno de tr�s quil�metros, que liga o templo a uma outra �rea onde h� corpos sepultados.

A menos de um quil�metro da Bom Jesus, h� uma pra�a com a imagem do bandeirante. O nome homenageia o paulista. Durante parte do dia, o pintor Alex Alves Batista, de 50, descansa num dos bancos de l�. Em frente � pra�a, h� outra igreja cat�lica. “O sino � de 1779”, conta Alex. Ele defende a presen�a de vigias 24 horas para proteger a ru�na da Bom Jesus.
O templo inacabado � tombado pelo Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico (Iepha). O instituto estadual usou o depoimento de Richard Burton, um viajante que percorreu a regi�o na d�cada de 1860, como parte do conte�do que justificou o tombamento.
“Toda em pedra de cantaria e cal mostra que, no tempo da col�nia, o lugar conheceu melhores dias; como sempre, � uma obra semiconstru�da (…). A entrada do lado sul nunca chegou a ser coberta por um telhado; na sacristia, a leste, s� h� caibros e o campan�rio n�o passa de tr�s barras de madeira, em forma de forca, sustentando o sino. Pilastras e p�lpitos de pedra est�o condenados a n�o passar de embri�es e um arco de alvenaria destinada a marcar o lugar do altar-mor, ao norte, est� coberto de ervas-daninhas”, escreveu o viajante.