
Aparecida (SP), Bel�m (PA), Congonhas, Tr�s Pontas, Caet� e Leandro Ferreira – Passava das 11h30 de 8 de setembro quando um grupo surgiu caminhando depois de uma curva da rodovia MG-270, pr�ximo a Entre Rios de Minas, na Regi�o do Campo das Vertentes, guiado por um homem que carregava uma cruz, a exemplo de Jesus Cristo. Aos poucos, chegavam outras pessoas, totalizando 83 peregrinos que, duas noites antes, haviam sa�do em romaria de Carm�polis de Minas, no Centro-Oeste mineiro, rumo a Congonhas, na Regi�o Central do estado. O destino era o Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos, em um trajeto de 122 quil�metros, que s� seria completado na manh� seguinte. Mesmo cal�ada, a maioria tinha os p�s cheios de bolhas – alguns j� os traziam enfaixados. Como pagadores de promessa, os romeiros, visivelmente exaustos, participavam da longa caminhada em agradecimento pelas gra�as pedidas e alcan�adas, ou simplesmente rogavam por for�as para enfrentar as agruras da vida.
Ano ap�s ano, cenas como essas se repetem de Norte a Sul do Brasil, levando milh�es de pessoas a p�, a cavalo, de �nibus, carro, barco ou avi�o, muitas delas carregando ex-votos – objetos-s�mbolo dos desejos atendidos, que s�o depositados em santu�rios cat�licos espalhados pelo pa�s e se transformam em uma esp�cie de comprovante de gratid�o. � nesse clima que amanh�, quando o pa�s celebra o dia da padroeira, Nossa Senhora Aparecida, o santu�rio dedicado a ela em Aparecida (SP) estar� em festa, � espera de 150 mil peregrinos, assim como ocorre hoje, em Bel�m do Par�, com o tradicional C�rio de Nazar�, considerado um dos maiores eventos religiosos do mundo, arrebanhando cerca de 2 milh�es de pessoas.
Por onde passam, esses devotos deixam testemunhos de f� materializados sob a forma dos ex-votos, levados �s salas de milagres das igrejas, que guardam agradecimentos e pedidos. Nas paredes, est�o fotos, cartas e documentos de pessoas que se consideram favorecidas pelo poder divino: no cabide, a roupa de anjo da menina que veio ao mundo depois de muita reza dos pais; na prateleira, a perna esculpida em cera de quem voltou a andar; sobre a mesa, a miniatura do barco de madeira do pescador quase n�ufrago em �guas turbulentas... Guiada pela f�, al�m de agradecer pelos desejos atendidos, parte dessa multid�o busca nessas trilhas de esperan�a a cura para males do corpo e da alma. Nesse contexto, espiritualidade, tradi��o e emo��o � flor da pele andam juntas, evidenciando o amplo painel da cultura e do patrim�nio imaterial do pa�s de maioria cat�lica – 70,4% da popula��o, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
A experi�ncia religiosa ou de transcend�ncia est� presente em quase todas as culturas do mundo. No Brasil, 92% da popula��o afirma ter uma religi�o, indica o IBGE. Mas de onde vem o ritual da peregrina��o? O empenho em pagar uma promessa? A certeza do milagre? O antrop�logo e te�logo Geraldo Demori explica que, embora nunca tenha sido identificado um ponto para romaria dos crist�os, j� que a f� est� em todo tempo e lugar, a peregrina��o a locais santos existe desde a idade antiga, mas ganhou grande impulso na f� crist� a partir do s�culo 5, quando se acentuaram a constru��o e a visita��o a templos sagrados.
O catolicismo, diz Demori, j� desembarcou no Brasil trazendo na bagagem o rito das peregrina��es, da penit�ncia – que pode ser traduzida no esfor�o humano –, das promessas e do milagre. “A peregrina��o est� ligada � vida, que � um caminho. Os peregrinos v�o para agradecer ou levar um pedido”, diz. Segundo o antrop�logo, a penit�ncia est� ligada ao empenho de se redimir por algo ou para alcan�ar uma gra�a. � um esfor�o para vencer um desafio “com a gra�a de Deus”.