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Estado de Minas

�reas de Lavras Novas s�o de propriedade da padroeira, que tem irmandade como 'corretora'

A santa � 'dona' de 268 hectares de terra no lugar, o que significa que os lotes da maioria das casas dos nativos do vilarejo tur�stico pertencem a Nossa Senhora dos Prazeres


postado em 26/10/2015 11:00 / atualizado em 26/10/2015 11:28

Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres lotada de fiéis(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres lotada de fi�is (foto: T�lio Santos/EM/D.A.Press)

Lavras Novas -
“Com-a-gra�a-de-Nossa-Senhora-dos-Prazeres-do-Divino-Esp�rito-Santo”... A express�o dita assim, como se fosse uma �nica palavra, faz parte do vocabul�rio da maioria dos moradores do distrito de Ouro Preto, que a usam como uma pontua��o ao fim das senten�as. � corriqueiro agradecer � padroeira da cidade, que d� nome � igreja. Os moradores, por�m, devem a ela muito mais que gratid�o baseada na f�. A santa � “dona” de 268 hectares de terra no lugar, o que significa que os lotes da maioria das casas dos nativos do vilarejo tur�stico pertencem a Nossa Senhora dos Prazeres. Entender como � a administra��o do latif�ndio celestial � imprescind�vel para compreender o passado e o presente do lugarejo, que virou uma das coqueluches do turismo e � invadido por levas de visitantes a cada fim de semana, como mostrou o Estado de Minas em sua edi��o de ontem.


A representante terrena da santa para assuntos fundi�rios � a Mesa Administrativa, nome dado ao bra�o gerencial da Irmandade de Nossa Senhora dos Prazeres. Anterior � consagra��o da igreja, a entidade apropriou-se das terras em nome da padroeira, dividindo a �rea para o uso das fam�lias locais. Hoje, cuida da negocia��o dos terrenos e tamb�m da gest�o do cemit�rio e do templo. “A irmandade � um grupo de irm�os”, resume o atual presidente, o pedreiro Fernando Alves Azevedo, de 43 anos.

Fernando � o l�der de Lavras Novas. Firme nas palavras, est� no cargo desde o in�cio do ano, e nele permanecer� at� 2017, quando haver� outra elei��o. Oito pessoas comp�em a mesa e, em caso de empate em alguma vota��o, a manifesta��o do presidente vale por duas. “O povo daqui tem uma raiz muito forte, de sangue. Nosso povo sofreu pela terra e precisa ficar unido”, enfatiza.

Formada somente por homens, a mesa decide, por exemplo, se um casal de nativos deve receber um lote quando se casa. Em caso positivo, o terreno � passado por um valor simb�lico para os noivos. Um lote de 400m² sai por cerca de R$ 5 mil. “Eles t�m a posse da terra, mas n�o a escritura. Para fazer a escritura, precisam do recibo da irmandade”, detalha Fernando.

A medida, entende Fernando, ajuda a preservar a identidade do local. Nas d�cadas de 1980 e 1990, muitos terrenos foram vendidos para forasteiros, pois a irmandade buscava dinheiro para reformar a igreja e promover festas religiosas. Mas isso, garante Fernando, n�o ocorre mais. Caso um nativo queira vender um im�vel sem o consentimento da Mesa Administrativa, precisa recorrer � Justi�a e conseguir a propriedade por usucapi�o.

Mesmo assim, do lado da igreja h� uma casa � venda, com terreno de quase 2,5 mil metros quadrados e valor de R$ 500 mil. “Os donos morreram e s�o v�rios filhos. A mesa autoriza a venda nesse caso”, explica Fernando. Quando o neg�cio for concretizado, por�m, 20% s�o destinados � gestora das terras celestiais, nesse caso, R$ 100 mil.

O padre Magno Jos� Raimundo Murta, de 51, celebra as missas da comunidade uma vez por semana, tarefa que desempenha h� cinco anos. Ele explica que a rela��o entre a Mesa Administrativa e a par�quia � de respeito: “A irmandade n�o se sobrep�e � diocese”. O padre recorda que as igrejas n�o podiam constituir pessoas jur�dicas e as irmandades passaram a cuidar da administra��o e do patrim�nio das par�quias. A par�quia � qual a igreja de Lavras Novas pertence � a de Nossa Senhora da Concei��o, no Bairro Bauxita, em Ouro Preto.

Na d�cada de 1970, houve conflitos entre a Igreja e a irmandade pela posse da terra, mas no fim dos anos 1990 um acordo foi firmado e a irmandade se comprometeu a n�o vender mais as propriedades da santa. Assim, ficou bem mais dif�cil para pessoas de fora da comunidade comprarem terrenos em Lavras Novas, o que poupou o Centro Hist�rico da constru��o de luxuosas pousadas.

Procissão e missa (abaixo) na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres: questão fundiária contribuiu para formar a identidade cultural do lugarejo e consolidar a maioria católica (foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
Prociss�o e missa (abaixo) na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres: quest�o fundi�ria contribuiu para formar a identidade cultural do lugarejo e consolidar a maioria cat�lica (foto: T�lio Santos/EM/D.A.Press)


RAZ�ES HIST�RICAS DA TERRA CELESTIAL

Para entender a quest�o fundi�ria � preciso revisitar a hist�ria de Minas Gerais e do Brasil. Uma carta de 1711, do governador e fundador de Vila Rica (hoje Ouro Preto), capit�o general Afonso de Albuquerque, em que descreve estradas e caminhos da regi�o, � o primeiro documento civil em que consta o nome de Lavras Novas. Muitos moradores dizem que a regi�o era um quilombo. O argumento foi usado em d�cadas passadas e serviu como chamariz para o turismo. Por�m, o distrito era catalogado pelo governo e existe documenta��o da qual consta pagamento de tributo pelos moradores.

local come�ou a ser povoado para ser uma vila voltada para a minera��o. Com a presen�a de portugueses, �ndios foram escravizados em um primeiro momento, principalmente da etnia carij�, depois chegaram escravos africanos (bantos e sudaneses). Na disserta��o de mestrado “Espa�o, lugar, identidade e urbaniza��o: conceitos geogr�ficos na abordagem do turismo”, apresentada na UFMG, a ge�grafa Fl�via Moura de Oliveira detalha por que o lugar n�o era um quilombo e como a falta de documenta��o favoreceu a cria��o de mitos sobre a hist�ria local.

"Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres � constru�da em pedra, assim como a cruz, o que n�o era costume nos quilombos, que possu�am uma arquitetura bastante ef�mera. Al�m disso, apesar de bastante simples, ela apresenta caracter�sticas da arquitetura portuguesa e n�o influ�ncia negra. Em segundo lugar, foi curada, ou seja, reconhecida e formalizada pela Igreja, em 1742, �poca em que esta n�o aceitava os quilombos, o que indica que deveria existir uma comunidade branca vivendo ali”, escreveu Fl�via.

Ap�s o decl�nio da atividade miner�ria, a terra foi abandonada pelos mineradores e restaram no local apenas os escravos alforriados, que passaram a usufruir das terras. Isso explica a predomin�ncia de negros no distrito. Outro fato preponderante para a atual situa��o fundi�ria foi um disputa ocorrida na d�cada de 1950, quando a Companhia Eletroqu�mica Brasileira pleiteou uma �rea na regi�o. Comunidade e empresa chegaram a um acordo, com o interm�dio da Igreja, e foi feito um registro oficial destinando 268 hectares para o patrim�nio de Nossa Senhora dos Prazeres.

UNIDOS PELA F�, MESMO SEPARADOS


A posse das terras ampliou o senso de comunidade dos moradores de Lavras Novas. Os nativos s�o oriundos de cinco fam�lias e segundo Fernando, presidente da Mesa Administrativa, mesmo antes da chegada dos turistas a comunidade sempre viveu bem. “Ningu�m aqui nunca pediu esmola. Se algu�m disser que passava necessidade, est� mentindo. Caso algum morador precise de algo, por perder o emprego ou ficar doente, a irmandade ajuda e ningu�m precisa saber”, garante Fernando. O presidente da Mesa Administrativa acredita que todos nativos s�o descendentes de escravos e avalia que os antepassados eram todos baixos, com a estatura adequada para trabalhar dentro das minas. “Pode olhar. Aqui todo mundo � pequeno”, aponta Fernando, de 1,66m.

Nos 915 habitantes de Lavras Novas, s� os 15 que desinteiram a conta frequentam o �nico templo evang�lico. Os outros s�o devotos de Nossa Senhora dos Prazeres. Relatos d�o conta de que a imagem dela apareceu em uma gruta da regi�o nos tempos em que o Brasil era col�nia de Portugal. A f� na santa, segundo o padre Magno, � um dos motivos de as religi�es neopentecostais n�o terem conseguido penetrar no distrito. “Eles vieram com essa hist�ria de falar mal de Nossa Senhora e enfrentaram muita dificuldade por aqui”, entende o sacerdote.

"O pessoal aqui tem mais devo��o com a santa do que com Jesus”, rebate Pepita Alves de Azevedo, de 77, uma das 15 pessoas que frequentam os cultos da Assembleia de Deus. “Eu era muito cat�lica e cantava na igreja, mas veio um pessoal de fora e algo me disse que eu deveria mudar”, explica.

Mas com a maioria cat�lica, a missa �s 16h de domingo est� sempre lotada. Nem o feriado, os bares e pousadas abarrotados interferem na audi�ncia. Na homilia, o padre Magno critica os governos federal, estadual e municipal. “Eles querem governar sem Deus. Querem o Estado laico. Enquanto os governantes estiverem governando sem Deus, n�s vamos para o buraco. O Estado pode ser laico, mas as pessoas, n�o”, prega o padre.

Fernando Azevedo, presidente da Mesa Diretora: 'Ninguém passa necessidade'(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
Fernando Azevedo, presidente da Mesa Diretora: 'Ningu�m passa necessidade' (foto: T�lio Santos/EM/D.A.Press)


MORADORES COBRAM MAIS DA PREFEITURA


A vice-presidente da associa��o comunit�ria de Lavras Novas, Maria Ros�rio de F�tima Correia Azevedo, de 58, lista uma s�rie de problemas recorrentes no distrito e pede mais aten��o da Prefeitura de Ouro Preto, que define como “muito ausente”. A principal queixa � em rela��o ao abastecimento de �gua. Ros�rio explica que a capta��o j� n�o � suficiente e � preciso fazer outra. Durante o �ltimo feriado, no domingo e na segunda-feira, v�rias casas e pousadas ficaram sem �gua.

Segundo o superintendente do Servi�o Municipal de �gua e Esgoto (Semae), Wandeir Jos� dos Santos, o sistema de abastecimento de �gua em Lavras Novas foi constru�do em 1987. O distrito cresceu com a chegada das pousadas, mas o sistema n�o foi ampliado. As melhorias est�o previstas no Plano Municipal de Saneamento B�sico de Ouro Preto, por�m n�o h� data prevista para que ocorram.

Ros�rio tamb�m pede mais funcion�rios para a escola local. Segundo ela, h� na unidade uma sala de computa��o e uma biblioteca que s�o subutilizadas, pois falta m�o de obra especializada. Mas o desejo da comunidade n�o deve ser atendido. Segundo o secret�rio de Educa��o de Ouro Preto, Jos� C�sar de Sousa, a sala est� dispon�vel diariamente para uso pedag�gico dos professores e t�cnicos da escola, para trabalharem com os alunos, por isso n�o h� previs�o de contrata��o de profissional espec�fico.

A tesoureira da associa��o de moradoras, Maria Aparecida Rocha Sabino, reclama que o �nibus que faz o transporte dos estudantes do distrito at� Ouro Preto � velho e apresenta defeitos constantemente. Ela cobra mais vistorias. A Prefeitura de Ouro Preto informou, via assessoria de imprensa, que o transporte � terceirizado e que o ve�culo precisa atender �s exig�ncias contratuais, que incluem inspe��o veicular (feita a cada seis meses). O munic�pio informa que a situa��o do �nibus atende �s exig�ncias de contrato.

Em rela��o � seguran�a, Ros�rio e Aparecida n�o t�m queixas. Mas o presidente da Mesa Administrativa lembra que a popula��o local salta para at� 6 mil pessoas nos feriados. “A prefeitura precisa mandar guardas municipais para c�, para controlar o tr�nsito”, requisita. Mas eles s�o poucos para a cidade hist�rica que tem mais 11 distritos, um c�mpus universit�rio e um calend�rio cultural para l� de intenso. Lavras Novas, tamb�m nesse caso, vai ter de esperar.


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